Os alertas de desmatamento na Amazônia Legal, de 1º de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020, atingiram a marca dos 9.205km², um aumento de 34,4% na comparação com os 12 meses anteriores, quando foram 6.844km², até então o maior número da série histórica. Os dados atuais, divulgados, ontem, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registraram o maior número de alertas dos últimos cinco anos.
Segundo o sistema Deter, do Inpe, o número total de avisos aos órgãos ambientais no período foi de 44.121. Os alertas são uma prévia dos dados que serão confirmados, até o final do ano, por outro sistema do Inpe, o Prodes –– este, sim, consolida o dado oficial de desmatamento na Amazônia e segue o calendário de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o Prodes mostrou que a Amazônia perdeu 10.129km², alta de 34% em relação ao ano anterior e o maior valor desde 2008.
“É um recorde trágico, que evidencia o completo descontrole sobre atividades ilegais na região e indica que a promessa do governo Bolsonaro em desmontar as políticas socioambientais, entre elas os mecanismos de combate ao desmatamento, está sendo colocada em prática”, apontou Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil.
Enquanto os desmatadores agem rapidamente, a fiscalização nas mãos dos militares da operação Brasil Verde 2 anda a passos lentos. Mesmo com o dispositivo da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em pleno vigor, a atuação do governo no combate ao desmatamento ilegal não surtiu efeito.
Segundo Valle, o desmatamento não vai diminuir apenas “com pirotecnia e palavras de ordem”. “Enquanto a sensação de impunidade continuar alta, vai subir. As pessoas enxergam claramente a contradição entre discurso e prática. De nada adianta mobilizar militares se, na outra ponta, o mesmo governo tenta anistiar invasores de terras públicas e pune fiscais do Ibama reconhecidos por atuarem contra infratores ambientais”, afirmou.
O desmatamento ocorreu em todos os estados da Amazônia Legal, mas foi pior no Pará, em Rondônia e no Mato Grosso. Entre os municípios da Amazônia Legal que mais desmataram nos últimos 12 meses estão Altamira (PA), com 717km²; São Félix do Xingu (PA), com 513km²; Porto Velho (RO), com 403km²; e Lábrea (AM), com 380km² sob alerta no período. Em julho, foram 1.654km² contra 2.255km² no mesmo período de 2019.
Pressão
O aumento descontrolado do desmatamento já vem causando problemas comerciais ao Brasil, manchando a imagem do país no exterior. Empresas estrangeiras anunciaram boicote aos produtos agropecuários e investidores prometeram a retirada de recursos de companhias que compram produtos de áreas abertas irregularmente.
Internamente, representantes dos maiores bancos comerciais do país foram ao coordenador do Conselho da Amazônia, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, cobrar medidas concretas para acabar com o desmatamento. O assunto já não é mais tratado pelo Ministério do Meio Ambiente desde que os militares tomaram para si a responsabilidade pelo combate ao desmatamento.
Esta semana, um grupo de 62 organizações não governamentais, entre elas o WWF-Brasil, elaborou uma lista de cinco medidas emergenciais para tentar conter o problema. O documento foi enviado ao Congresso Nacional e ao Parlamento Europeu, investidores e autoridades internacionais, como mostrou o Blog 4Elementos (https://blogs.correiobraziliense.com.br/4elementos/).
A carta pede ações rigorosas. Entre elas, a moratória do desmatamento da Amazônia Legal por, pelo menos, cinco anos, o endurecimento das penas a crimes ambientais e a retomada imediata do Plano de Acão para Prevencão e Controle do Desmatamento na Amazonia Legal.
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Relembre: Guedes protege governo atacando os EUA
O ministro da Economia, Paulo Guedes, se indignou ao ser questionado, na última quinta-feira, sobre a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro, em um evento do Aspen Institute. Disparou contra os americanos dizendo que os militares brasileiros entendem “as preocupações de vocês, porque vocês desmataram suas florestas”. “Vocês querem nos poupar de desmatar a floresta, como vocês desmataram seus países”, disparou, acrescentando que “nós sabemos que vocês tiveram guerras civis, tiveram escravidão e mataram seus índios, não miscigenaram”. Ele assegurou que “o Brasil não é um caso de extinção de florestas, como a que vocês fizeram”. E garantiu que “nossos militares amam a floresta” porque foram treinados lá. “Nós entendemos a preocupação, mas não misturem isso com a questão da soberania. A Amazônia é nosso território. Os militares estão dizendo ‘obrigado pela preocupação, mas essa é nossa terra’”.
Para Mourão, acompanhamento é falho
Após o Brasil indicar alta de 34% no desmatamento da Amazônia este ano em relação aos 12 meses anteriores, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que os sistemas de monitoramento brasileiros “não são os melhores” e precisam ser aprimorados. Ele também disse que é preciso resolver o “problema fundiário” da Amazônia para controlar a devastação ambiental na região.
“Óbvio, temos que tratar do problema fundiário da Amazônia. Se não resolvermos, vamos continuar nesse eterno jogo de gato e rato em relação a índice de desmatamento”, disse o vice durante videoconferência, ontem.
Mourão também reforçou que existe pressão para o governo atuar para diminuir os índices de desmatamento. Os alertas do Deter, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), devem fechar em mais de 9.170km² para o período de agosto de 2019 a julho de 2020. O valor indica um avanço de 34% na devastação em relação ao período anterior, o maior desde 2016.
“Há muito desencontro, porque nós temos uns sistemas de monitoramento que não são os melhores. Se ressente de uma melhor qualidade, é uma tarefa que nós precisamos avançar”, defendeu Mourão, para acrescentar.
“Os satélites que nós temos são satélites óticos, que não enxergam durante período das chuvas, não enxergam durante o período de nuvens. Precisamos avançar para ter uma tecnologia radar, temos aeronaves não tripuladas de melhor nível, em que possam manter um acompanhamento da situação da cobertura vegetal com melhor qualidade, do que só pura e simplesmente a imagem satelital”.
Vice defende garimpo em reserva
O vice-presidente Hamilton Mourão defendeu, ontem, a aprovação da proposta legislativa que libera a atuação de garimpeiros em áreas demarcadas como reservas indígenas. A manifestação foi depois de afirmar que a paralisação de uma operação contra garimpo ilegal nas terras da etnia Munduruku, no Pará, ocorreu por causa de um protesto dos próprios indígenas, que, segundo ele, são os responsáveis pela extração de ouro na região. Mas a operação foi retomada ontem, segundo o Ministério da Defesa.
“Os garimpeiros são os indígenas que moram lá. Inclusive, é muito bom para desmontar a teoria daquela turma que acha que o índio tem que viver segregado na mata e não ter meio de subsistência. Ele (índio) vai buscar o meio de subsistência dele”, disse Mourão a jornalistas.
Mourão usou o caso para defender a aprovação da proposta que libera o garimpo em terras indígenas no Congresso. “A Constituição diz, artigo 231, que a exploração mineral em terra indígena poderá ser realizada desde que o Congresso legisle a respeito. Estamos há 32 anos esperando que isso ocorra. Todos os governos mandaram projeto sobre isso (ao Congresso). Se não definir isso aí, você fica tapando o Sol com a peneira, porque eles (indígenas) sabem que tem ouro lá”, afirmou o vice.
Conquistas
Mais cedo, durante videoconferência, Mourão afirmou que “os nossos índio, hoje, vivem em terras ricas e como mendigos”. “Não têm acesso às conquistas materiais da humanidade, porque são preservados como animais em zoológicos. E a imensa maioria dos povos indígenas, dos diferentes grupos indígenas, quer ter acesso, quer trabalhar, quer produzir. O índio não quer continuar a viver na oca, nu, caçando de arco e flecha, pescando na beira do rio, quando ele sabe que ele pode, naquela terra que ele tem, trabalhar dentro dos ditames do nosso código florestal”, explicou.
Para Mourão, o “indígena tem que ter o direito de explorar a riqueza que tem na terra dele dentro dos ditames da nossa legislação”. “A partir daí, ele terá acesso às benfeitorias, ao progresso material da humanidade. Ou seja, ele vai ter uma escola decente na sua terra indígena, para ensinar sua cultura, vamos colocar assim, vai ter apoio de saúde, vai ter comunicação, celular, acesso à televisão a cabo. Ou seja, todas as benesses do mundo moderno. E não vivendo como se estivessem ainda segregados”, afirmou.