Na corrida por vacina, Paraná terá acesso a estudos da Rússia

Governo estadual assina acordo para ter acesso aos estudos desenvolvidos pelo país estrangeiro, ainda desconhecidos da comunidade científica. Ministério da Saúde e Anvisa veem de forma positiva a procura por produtos em teste para imunização de brasileiros contra a pandemia

Bruna Lima
Renata Rios
Maíra Nunes
Maria Eduarda Cardim
postado em 13/08/2020 06:00
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

Mais de cem pesquisas estão andamento pelo mundo para descobrir uma vacina contra a covid-19. A Organização Mundial da Saúde considera que seis estão em estágio mais avançado, mas há iniciativas em curso que estão fora do alcance do radar das Nações Unidas. Uma delas é a Sputnik V, a única vacina já registrada no mundo. Mesmo sem estudos divulgados, desperta interesse no Brasil, particularmente no estado do Paraná. Com 104 mil mortos, mais de 3 milhões de casos e sem sinais de recuo a curto prazo, o Brasil tornou-se um terreno fértil para a realização de testes com a imunização contra o novo coronavírus.

Ontem, o governo do Paraná assinou um memorando de entendimentos com a Rússia para a produção de uma vacina contra a doença. O diretor-presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), Jorge Callado, informou que a assinatura entre as partes se trata de um movimento inicial. “Este memorando vai balizar as ações futuras. Na segunda-feira se inicia a formação de uma força tarefa”, informou. O diretor-presidente pontuou que um decreto estadual oficializará a criação de uma força-tarefa e, após ser montada, essa equipe de especialistas poderá iniciar as tratativas técnicas com a correspondente russa. Entenda como será os próximos passos dessa parceria.

A falta de estudos apresentando dados sobre a vacina provoca desconfiança no meio científico. Mas, as autoridades russas consideram a crítica uma rixa competitiva de outros países. “Parece que nossos colegas estrangeiros estão vendo as vantagens competitivas específicas do medicamento russo e estão tentando expressar opiniões que, em nossa visão, são completamente sem fundamento”, disse o ministro da Saúde russo, Mikhail Murashko, ontem. Conforme publicação da agência de notícias Reuters, o ministro informou que os primeiros pacotes da vacina estarão disponíveis ainda em agosto e destinados, primeiramente, aos médicos. O país planeja ter capacidade para produzir 5 milhões de doses por mês entre dezembro e janeiro.

Apesar dos planos russos, as comprovações ainda não chegaram às mãos dos brasileiros. Jorge Callado informou que questões relativas à segurança do produto só serão debatidas assim que os trabalhos começarem. “A força-tarefa que está sendo montada terá essa incumbência: juntamente com um grupo de pesquisadores da Rússia, fazer um intercâmbio dessas informações”, reforçou o diretor do Tec-Par.

Quando questionado sobre o motivo da escolha desta vacina e não de outra com resultados publicados, Callado destacou a importância dos institutos de ciência e tecnologia darem esse respaldo e se manterem abertos à pesquisa. “É um caminho bastante longo. Em outras conversas com a equipe da Rússia, vamos ver o atual estágio de validação da vacina, as reais comprovação da fase 1, fase 2 e a fase 3”, informou. “Vamos elaborar um protocolo de validação de pesquisa e, tendo aprovação, poderemos focar na análise da eficácia, segurança, eficiência dessa vacina no Brasil”, detalhou.

Entre os motivos que geram desconfiança no meio científico está o tempo que a vacina leva para ser testada. Em uma primeira fase, os testes são feitos em grupos pequenos, para certificar a segurança do imunizante. Na sequência, começam os testes para verificar se a vacina é eficaz na imunização. “Cada fase dessas demora alguns meses, porque é o tempo de o nosso sistema imune responder. Isso não tem como ser acelerado”, questionou o biólogo Atila Iamarino em vídeo publicado no Instagram sobre a vacina russa.

“O mais provável, no melhor dos cenários, é que eles tenha uma vacina promissora e só estão fazendo vários anúncios antes, mas os atrasos vão acabar acontecendo naturalmente e a vacina vai entrar em produção numa linha do tempo normal depois de mostrar os resultados. Numa linha do tempo ruim, isso é só uma promessa e não vai ter vacina nenhuma lá para frente. Espero que a gente esteja na primeira, mas ainda assim a coisa demora", especula Iamarino.

Distribuição nacional
Apesar das negociações realizadas pelos estados para a obtenção da vacina, o governo federal garante não haver risco de começar uma disputa na Federação para dar início à imunização contra a covid-19. O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti Neto, assegurou que a distribuição será feita a nível nacional. “O critério não é o estado X, Y, Z. É quem precisa mais, quem tem mais risco e aí se faz uma priorização. O objetivo, é claro: levar a todos. Precisa ser feito com a estratégia, todo um estudo, com uma inteligência por trás de como fazer isso chegar a população na ponta, de forma mais útil, eficaz e benéfica”, esclareceu Angotti.

Mesmo com expectativas mais otimistas em relação a outras candidatas que já iniciaram a fase 3 de testes no Brasil, outras negociações não estão descartadas. “Nada impede que, mesmo tudo ocorrendo bem com a AstaZeneca, em paralelo, possa ser feito um acordo com uma outra vacina de um outro produtor. O foco é salvar vidas, é simples assim. Você tem três, quatro, 15 opções de vacina e se essas 15 ajudarem o nosso povo, o governo vai atrás”, afirmou o secretário.

Em conversa com o Correio, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse ser positivo o movimento de estados nas busca por parcerias. “Vejo com bons olhos os governos estaduais estarem buscando soluções porque isso só enriquece a oferta. Já temos três protocolos de vacina na Anvisa e o governo do Paraná deve submeter mais um”, declarou.

Para que a vacina saia do âmbito experimental e chegue à população, há, ainda, um longo caminho a percorrer. Primeiramente, segundo o Ministério da Saúde, é preciso garantir a eficácia e a efetividade do medicamento. O segundo critérioé a capacidade do patenteador da vacina de ofertar um número adequado do fármaco que corresponda à expectativa de imunização. Por fim, o terceiro quesito é a possibilidade de transferência tecnológica em valor estratégico.

“A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) avalia a parte científica, junto com a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), a viabilidade, as doses. Uma vez que toda essa parte científica, de registro e tudo isso já está mais arredondado, a SVS faz todo o planejamento epidemiológico de como aplicar isso à população”, explicou Angotti. A ideia é incluir a vacina, que pode ser aplicada em uma ou duas doses, no programa nacional de imunização, oferecendo a prevenção contra a covid-19 de graça. A expectativa é que a população comece a receber as primeiras doses no primeiro semestre de 2021.


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