Entrevista Antonio Barra Torres // diretor-presidente da Anvisa

Covid: "Podemos monitorar receitas médicas", garante diretor-presidente da Anvisa

Após Bolsonaro anunciar que facilitará o acesso a hidroxicloroquina e ivermectina, presidente da Anvisa evita comentar a politização dos medicamentos, mas reitera que não houve alteração na regra de compra. É preciso apresentar duas cópias da prescrição médica

Maíra Nunes
Maria Eduarda Cardim
postado em 16/08/2020 06:00
 (crédito: Leopoldo Silva/Agencia Senado - 10/7/19)
(crédito: Leopoldo Silva/Agencia Senado - 10/7/19)

Cinco meses após o começo da maior crise sanitária do século, cresce a pressão por uma vacina ou por medicamentos que apresentem resultados eficazes contra a covid-19. No Brasil, quem age na linha de frente de combate ao novo coronavírus acaba tendo de enfrentar, também, os embates políticos que a doença provocou. Nos últimos dias, chamou a atenção a polêmica sobre o acesso à hidroxicloroquina e à ivermectina, substâncias que, atualmente, só podem ser compradas mediante retenção da receita médica nas farmácias.

Na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro declarou que seria necessário apresentar apenas uma via para fazer a compra dos remédios. “Criou-se, naquela época (a medida de retenção), para evitar a compra para fazer negócio, revender e fazer estoque em casa. Começou a faltar a hidroxicloroquina e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tomou uma decisão de que precisava de uma receita de dupla via, com retenção. Então, isso mudou agora, não precisa mais”, disse o Chefe do Executivo durante a live semanal. Um dia após a declaração de Bolsonaro, contudo, o órgão desmentiu o presidente, reforçando que a regra válida desde 23 de julho em nada mudou.

Em entrevista ao Correio, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, comentou a guerra política envolvendo os medicamentos e explicou que a determinação para reter a receita na farmácia ocorreu diante da alta procura pela hidroxicloroquina. “Nós podemos monitorar as receitas, até para ver se está havendo algum excesso, se alguém está fazendo algum tipo de estoque, o que contribui para o sumiço do remédio”, afirmou. Frente à polarização que incentivou, inclusive, a busca desenfreada por remédios sem comprovação científica no tratamento da covid-19, Barra Torres ressaltou que a Anvisa está “sempre atrelada aos preceitos das comprovações científicas.”

Qual o papel da Anvisa no combate à pandemia da covid-19 no Brasil?

A Anvisa é uma agência reguladora nacional, responsável pela regulação de aproximadamente 22,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e, consequentemente, é um leque de regulação muito amplo. Envolve produtos, ambientes de trabalho, ações no país ligadas a áreas da saúde e da preservação da saúde. Podemos falar de medicamentos, vacinas, desenvolvimentos de vacinas, equipamentos e produtos de saúde. Além disso, há o controle de ações no território nacional, com os aspectos sanitários nas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres. Em linhas gerais, é uma agência que regula praticamente tudo que se relaciona a atividades de saúde na parte de produtos, medicamentos, equipamentos, serviços e, também, nesse controle sanitário de fronteiras.

A Anvisa precisou intervir e decidir que o vermífugo ivermectina e a hidroxicloroquina só podem ser vendidos com receita. Isso ocorreu pelo aumento da procura por esses medicamentos?

É importante lembrar que a Anvisa não determinou, agora, a necessidade de receita para uso da ivermectina. Se pegar uma caixa do remédio de 1999, ela terá uma faixa vermelha com o escrito “venda sob prescrição médica”. O que a Anvisa fez, recentemente, foi, na medida que esse vermífugo praticamente se tornou raro e difícil de se achar, determinar a retenção da receita na farmácia. Nós poderemos monitorar essas receitas, até para ver se está havendo algum excesso, se alguém está fazendo algum tipo de estoque, o que contribui para o sumiço do remédio. Então, a Anvisa não determinou, durante a pandemia, a necessidade da receita, ela já existia antes do novo coronavírus.

Como o senhor vê a polarização política da pandemia, que influencia até mesmo na procura por remédios?

Tenho certeza de que há pessoas mais qualificadas, que estudam o uso político de informações, que podem te acrescentar melhores informações do que eu, como presidente da Anvisa. O que eu posso dizer é que a agência está sempre atrelada aos preceitos das comprovações científicas, portanto, o que nós temos feito em relação a essas medicações são ações ligadas ao uso previsto na bula dos remédios, e não temos nenhuma ação política nesse sentido.

As fake news dificultam o trabalho da agência?

As fake news dificultam a vida dos cidadãos de maneira geral. Eu não poderia dizer que eu tenho notado alguma dificuldade específica em relação ao trabalho da Anvisa. Mas, enquanto cidadão, a veiculação de algo que não é verdadeiro, de maneira geral, eu diria que não é bom. É uma pergunta bastante interessante, mas, eu não seria capaz de dizer alguma coisa que objetivamente teria trazido algum prejuízo ao nosso trabalho. De maneira geral, fake news é algo que não deveria acontecer.

Qual a principal mudança feita dentro da Anvisa para conseguir dar celeridade aos processos e pedidos em meio à pandemia?

Os ajustes já se deram no início de 2020. Inclusive, em 27 de janeiro, na primeira entrevista coletiva à imprensa no Brasil sobre o novo coronavírus, citamos que havíamos, desde aquela época, priorizado ações da agência para o enfrentamento da covid-19. Colocamos o nosso corpo de servidores para priorizar essas ações. Criamos subcomitês para assuntos específicos relacionados à doença e toda a questão de processos. Isso ocorreu não só nas ações internas, temos várias demandas do Congresso Nacional, inclusive, existem comissões criadas na Câmara dos Deputados, ações no Senado, grandes ações no Ministério da Saúde que, eventualmente, demandam a nossa participação. Tudo isso, hoje, é prioridade máxima.

Quais vacinas têm estudos clínicos ocorrendo no Brasil?

Temos, hoje, na Anvisa, três protocolos de estudos clínicos referentes à vacina para covid-19: a chamada vacina de Oxford, a primeira que chegou, por uma contratação feita pelo Ministério da Saúde e que a Fiocruz está trabalhando no desenvolvimento; a vacina da empresa chinesa Sinovac, que está ligada ao Instituto Butantan e ao governo do estado de São Paulo, que chegou logo depois; e temos, também, as vacinas das empresas Pfizer e BioNtech, que, também, estamos analisando. E, agora, tivemos a recente notícia de que o governo do estado do Paraná está num protocolo de intenções com a Rússia para mais uma outra vacina. São processos normais, os protocolos de estudos clínicos de vacinas vão sendo submetidos, aqui, na agência. Vamos analisando e acompanhando todos eles.

A aprovação de uma vacina tem sido muito cobrada e os prazos são bem menores do que os de costume. A população questiona a segurança de um possível imunizante. O que o senhor pode dizer para tranquilizar o brasileiro?

O desenvolvimento vacinal envolve um período de 10 anos, mais ou menos. E como está se conseguindo, no mundo inteiro, acelerar isso? Essas vacinas já estavam com os processos iniciais realizados, até para outros agentes virais, e foram, agora, redirecionados para a covid-19. Isso permitiu que um tempo que seria muito mais longo se tornasse menor, que esse tempo já tenha sido cumprido. Agora, então, é possível atuar numa fase mais terminal, que são os estudos clínicos de fase 3, com seres humanos, e é exatamente isso que está ocorrendo aqui no Brasil e em vários países do mundo inteiro. As fases iniciais já foram cumpridas. Nós estamos pegando o produto já na fase final da sua prontificação. O que eu diria à população é que a questão da segurança está sendo observada, cuidada, e não pode ser diferente.

O governo do Paraná anunciou que assinará acordo para fabricar a vacina russa, mas isso depende de aprovação da Anvisa. A Anvisa já recebeu o pedido para avaliar o produto?

Realmente, não recebemos nada (do governo do Paraná), mas já tivemos, inclusive veiculado pela imprensa nacional, que o Instituto Tecnológico do Paraná declarou que tão logo receba os documentos da Rússia, da empresa que está desenvolvendo a vacina, os enviará e solicitará a anuência do estudo à Anvisa. Eu não vejo nenhum problema. A notícia dada pelo presidente russo Vladimir Putin movimentou a imprensa mundial, o governo do Paraná demonstrou interesse, mas o que há, no momento, é um protocolo de intenções, um memorando de entendimento entre o Governo do Estado do Paraná e a Rússia, e já temos uma sinalização dada pela imprensa de que esses documentos serão enviados e formalmente protocolados, aqui, na Anvisa. Mas, reitero que ainda não recebemos nada. Certamente, receberemos esse pedido em breve.

Quais as maiores diferenças entre as vacinas em fases finais de teste no Brasil?

Os mecanismos de tecnologia da produção são variáveis. Vários métodos estão sendo empregados. Tem alguns mais recentes, outros são mais sedimentados. Mas, são bons métodos. A gente aprende na economia doméstica a investir nosso dinheirinho poupado, se possível, um pouquinho na caderneta de poupança, um pouquinho em ações, ou seja, a diversificar a economia doméstica para ganhar da melhor maneira possível. Quando se fala em métodos de produção de insumos de saúde, se você tem vários, eu acho que é bom que você tenha uma escala de produção para cada um deles porque a chance de ter resultados positivos se torna maior. Você está abordando o mesmo problema de maneiras diferentes.

Qual a maior dificuldade da Anvisa em meio à pandemia?

O trabalho da Anvisa é um trabalho de identificação das ameaças da saúde e de promoção da saúde do cidadão e da cidadã, que são os nossos verdadeiros patrões, a quem nós temos de servir. Se dá da forma mais variada, regulamos muitos serviços, muitos produtos e muitas atividades, mas tudo focado na saúde do cidadão. A maior dificuldade, talvez, seja tornar as nossas ações claras e bem compreendidas pelo nosso cidadão. Ou seja, temos um esforço, e, para isso, uma equipe de comunicação muito boa, que precisa traduzir todo esse nosso idioma de regulação, que é difícil, para que o cidadão perceba onde está a presença da Anvisa e o que ela fez para que ele tenha mais segurança naquele alimento, remédio, cosmético, serviço de saúde. É uma dificuldade que eu já tinha identificado no passado e que precisamos fortalecer muito essa nossa percepção por parte do cidadão. Fora isso, temos uma equipe de grande capacidade, com alta titulação acadêmica e que está, da melhor maneira possível, tentando cumprir com a missão. Lamentamos profundamente todas as pessoas que perderam entes queridos, essa dificuldade de lidar com a perda, que é muito grande, e esperamos que isso passe o quanto antes.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação