A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta-feira (26/8), rejeitar um recurso do Google e manteve a determinação para que a empresa entregue os dados de usuários à investigação do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes. Eles foram mortos em março de 2018.
Os investigadores querem acesso à informações de usuários que realizaram pesquisas com algumas expressões dias antes do assassinato de Marielle e Anderson. O Google entrou com um recurso, após decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), alegando que a ação iria ferir o direito à privacidade dos usuários.
Representante do Ministério Público do Rio (MP-RJ), o procurador Orlando Belém afirmou que o MP pede a manutenção da decisão do TJ "considerando a inexistência efetiva de qualquer resvalo ou violação ao contexto da privacidade". "Todas as medidas judiciais buscadas pelo Ministério Público são medidas que, na sua totalidade, afirmam tudo que foi fornecido anteriormente pela Google espontaneamente", afirmou.
Ele disse isso após a explanação do advogado da empresa, Eduardo Mendonça, que pontuou que já foram fornecidos dados à investigação da morte da vereadora e de Anderson. Houve fornecimento, segundo dele, de dados de mais de 400 pessoas, quebra de conteúdo de mais de 30. "A questão aqui, portanto, não é de que não haja cooperação. A questão é saber se há limites, se esses limites são os que a lei determina ou se os limites são os limites das boas intenções, da expectativa de que em cada caso as autoridades sigam um bom caminho", disse.
Ele questionou o fato de o MP buscar acesso a dados de usuários que tenham feito pesquisa com termos que, segundo ele, são absolutamente genéricos e lícitos, que incluam o nome de Marielle e de uma rua movimentada do Rio de Janeiro em um espaço de quatro dias.
O MP pediu também a identificação de usuários que tenham transitado em diversas coordenadas, em 34 áreas do Rio, o que pode abranger milhares ou milhões de usuários, segundo o advogado. Desta forma, a solicitação envolve a localização de usuários, por exemplo, algo questionado pelo advogado. "Pegando bairros inteiros, pessoas que estão em casa, repartição pública, comércio, rua. Esse é o objeto da nossa insurgência, e não as centenas de ordens que foram cumpridas. Entendemos que nenhuma norma jurídica no Brasil autoriza esse tipo de medida", disse.
Relator do caso, o ministro Rogerio Schietti afirmou que o direito ao sigilo não possui uma dimensão absoluta. De acordo com ele, embora deva ser preservado em sua essência, o judiciário entende que “é possível afastar sua proteção quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante”, mediante autorização judicial.
“Tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes cometidos por agentes públicos contra as vidas de três pessoas - mormente a de quem era alvo da emboscada, pessoa dedicada, em sua atividade parlamentar, à defesa dos direitos de minorias que sofrem com a ação desse segmento podre da estrutura estatal fluminense - não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos pela diligência questionada”, disse.
Schietti pontuou, ainda, que “as mesmas estruturas tecnológicas que nos invadem diariamente com fornecimento de nossos dados para empresas oferecerem serviços de venda de produtos, essas mesmas empresas que deveriam também se preocupar com esse tipo de invasão de privacidade, agora se colocam de uma maneira tão ferrenha contra uma simples investigação de dois assassinatos”.
O único ministro que não acompanhou o relator foi Sebastião Reis, dizendo entender que há uma quebra do direito ao sigilo e ao direito à privacidade, questionando, inclusive, a delimitação do prazo solicitado pelo MP. "Por que do dia 10 a 14? Não vejo nenhuma identificação aqui na decisão para justificar", disse. O ministro criticou, ainda, a amplitude da solicitação.
“Não há delimitação de um público alvo, não há nem a indicação de uma área determinada, nem nada. Ou seja, qualquer pessoa que tenha no Google procurado os nomes ‘vereadora Marielle’, 'Marielle Franco', ‘Agenda vereadora Marielle’, ‘Casa das Pretas’, 'Rua dos Inválidos', 'Rua dos Inválidos 122' ou tenha acessado o Google Maps ou a plataforma Waze para procurar esses endereços. Há uma generalidade aqui; eu não sei a dimensão dessas informações. Se a informação é poder na mão do Google, também a informação é poder na mão do Ministério Público", disse.
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Em nota, o Google lamentou a decisão tomada pelo STJ. "Reiteramos nosso respeito ao trabalho de investigação das autoridades brasileiras, com as quais colaboramos de modo consistente. Embora tenhamos atendido diversas ordens expedidas no caso em questão, entendemos que a discussão levada ao STJ envolve pedidos genéricos e não individualizados, contrariando a proteção constitucional conferida à privacidade e aos dados pessoais. Mais uma vez, o Google reafirma o compromisso com a privacidade dos brasileiros e está avaliando as medidas a serem adotadas, inclusive um eventual recurso ao Supremo Tribunal Federal.”
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