O dia 8 de setembro marca o calendário em todo mundo, desde 1967 na data é comemorado o Dia Mundial da Alfabetização. Para fomentar a importância da alfabetização, não apenas no aprendizado da leitura e da escrita, mas também como ponto diretamente relacionado ao desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) criaram a data. Infelizmente no Brasil ainda temos milhões de analfabetos, a maioria negros e pessoas com mais de 60 anos. Entre as 20 metas previstas no Plano Nacional de Educação está erradicar o analfabetismo até 2024.
Porém, na atual situação que foi imposta ao mundo devido a pandemia do novo coronavírus, as instituições de ensino tiveram que passar por mudanças drásticas no modelo de ensino. Agora, no lugar das salas repletas de alunos, a realidade passou a trazer aulas online e um modelo de ensino remoto que ainda está sendo aprendido tanto pelos alunos quanto pelos professores.
De acordo com um levantamento publicado em julho deste ano pelo IBGE, taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no Brasil ficou em 6,6% em 2019, essa porcentagem equivale a 11 milhões de pessoas. Em relação à 2018, a estatística caiu 0,2 pontos percentuais, o que equivale a cerca de 200 mil analfabetos a menos em 2019. Mais da metade dos analfabetos vive na região Nordeste e 21,7% viviam no Sudeste.
Os dados ainda mostram que pretos e pardos são prejudicados e tem 5,3% a mais de analfabetos que os brancos — 3,6% das pessoas de 15 anos ou mais de cor branca contra para 8,9% entre pretos ou pardos. Entre os mais velhos, a taxa de analfabetismo também aumenta. Entre a parte da população com 60 anos ou mais, essa porcentagem atinge 18%, quase 6 milhões de pessoas. Outro grupo prejudicado nos números apresentados são os negros. Entre as pessoas com 60 anos ou mais e pretas ou pardas a taxa chega a 27,1%, enquanto entre os brancos apresentam 9,5%.
Ainda segundo as informações levantadas, outro momento desafiador é a o momento de passagem entre o ensino fundamental e o ensino médio, onde há ainda bastante casos de evasão escolar. Entre os principais motivos, os principais são a necessidade de trabalhar e desinteresse.
A professora Ma. Xênia Mara Honório, Pedagoga, Mestre em Educação, Especialista em Gestão Escolar e Novas Tecnologias Aplicadas a Educação, Coordenadora e docente do programa de pós-graduação em Educação do Centro Universitário Estácio de Brasília, comenta sobre o processo de alfabetização, sua importância e os desafios que os educadores estão passando devido à pandemia.
Quais os principais cuidados que devemos ter ao se alfabetizar uma pessoa? A continuidade no ensino é fundamental para esse momento do ensino?
O processo de alfabetização é amplo, complexo e envolve uma série fatores, tanto psicológicos quanto linguísticos. De início é importante ressaltar a importância da formação inicial e continuada do docente para lidar com essa etapa de formação humana necessária na ampliação do acesso do estudante à cultura letrada. Sendo assim, entre os principais cuidados a serem considerados, destacam-se: a necessária articulação entre alfabetização (apropriação do sistema de escrita alfabética), com o letramento (prática social envolvendo a leitura e a escrita); considerar as especificidades locais e os sujeitos envolvidos, resgatando os eventos e práticas de letramento que fazem parte do seu contexto social e cultural; o respeito à diversidade linguística presente no país e que se manifesta na produção oral e escrita dos estudantes; garantir a ampliação do universo cultural dos estudantes no que se refere à leitura e escrita, ou seja, favorecer o contato do estudante, no processo de alfabetização, com elementos da cultura elaborados historicamente pela humanidade.
Se considerarmos a alfabetização e o letramento em seu sentido amplo, estamos nos referindo a um conjunto de habilidades e competências que são progressivamente adquiridas ao longo dos anos iniciais da alfabetização.
Qual o período do ensino que a criança está sendo alfabetizada? Quais os desafios desse momento para educadores e alunos?
Pesquisas recentes têm demonstrado que o trabalho sistemático com a alfabetização, com foco na apropriação do sistema de escrita alfabético tem início aos seis anos, no primeiro ano do Ensino Fundamental. No entanto, desde a Educação Infantil a criança já tem contato com situações nas quais o letramento está presente, seja pelo contato com a literatura infantil, seja pelas brincadeiras cantadas, parlendas, entre outras situações nas quais a consciência fonológica (trabalho com rimas, aliterações, consciência de palavras, etc.) está bastante presente.
Os desafios aos educadores são vários, pois cada criança é um sujeito único, um ser singular, que participa de práticas de letramento diferenciadas, de acordo com o seu repertório cultural, adquirido na família e no ambiente social em que vive. Os educadores precisam, inicialmente, se apropriar da construção teórica no campo da pedagogia e linguística, que lhe informam sobre as maneiras como as crianças aprendem, ou seja, elaboram suas hipóteses sobre a língua escrita. Em segundo lugar os educadores necessitam de conhecimentos linguísticos acerca do processo de ensino da língua materna, para que possam conduzir de maneira consciente as intencionalidades pedagógicas que a alfabetização exige.
Como a interrupção no ensino e, posteriormente, a mudança no modelo de educação, ambas circunstâncias causadas pela pandemia, podem impactar no ensino das crianças?
Certamente a educação mediada por tecnologias é um desafio para todas as etapas da Educação Básica, mas na alfabetização esse processo tende a se intensificar, considerando que as crianças nesta fase de escolaridade ainda precisam avançar na construção de sua autonomia. A interação com outros estudantes, com o professor e o contato destas crianças com um ambiente alfabetizador, com jogos e materiais manipulativos, rico em situações desafiadoras pode significar possibilidades importantíssimas na progressão da aprendizagem. Mas, no contexto do ensino remoto, causado por essa pandemia, muito disso se torna inviável. A criança perde pelas dificuldades na interação com o professor, com os colegas; deixa de ter acesso ao ambiente alfabetizador da sala de aula e, além disso, deixa de ter o apoio constante do educador nos momentos em que as dúvidas aparecem ou que alguma intervenção pedagógica se faz necessária.
Quais as faixas de ensino que são mais prejudicadas por essas mudanças que a pandemia trouxe?
Em relação às etapas de ensino mais prejudicadas, conforme mencionado anteriormente, poderíamos destacar a Educação Infantil e os anos iniciais. Nestas etapas o acompanhamento docente faz-se amplamente necessário para que os estudantes aprendam e se desenvolvam. Mas cabe destacar os desafios que se apresentam quando nos referimos à Educação Especial, de crianças com deficiência ou algum transtorno de aprendizagem. Nestes casos o desafio da alfabetização se potencializa substancialmente.
Nesse momento crianças que estão em classes sociais mais pobres podem ser mais prejudicadas? Por que?
O contexto da Pandemia tende a acentuar não somente as desigualdades econômicas e sociais, mas também as desigualdades educacionais. É preciso considerar que a questão não é somente a oferta de aulas não presenciais, mas o acesso dos estudantes a esses meios tecnológicos. Grande parte dos estudantes de classes sociais mais pobres vivem em um contexto de vulnerabilidade social. Agrega-se a essa realidade o pouco acesso à internet e a computadores, tablets e celulares.
O maior risco e preocupação que este contexto apresenta é em relação à evasão e fracasso escolar. Com a falta de acesso aos meios tecnológicos, pouco acompanhamento familiar e dificuldade em acessar a escola as crianças passam a enfrentar essa “forte onda” que o impulsiona à um processo de exclusão escolar.
No caso da alfabetização de adultos, quais os prejuízos que o momento traz e quais as possíveis soluções?
No caso da alfabetização de jovens e adultos, além dos aspectos supracitados é importante mencionar a dificuldade natural deste estudante em acessar os meios digitais de informação e comunicação. Boa parte das competências a serem desenvolvidas nesta modalidade estão voltadas para a ampliação do letramento digital, fato que fica bastante desafiador se pensarmos em um contexto remoto de ensino. Soma-se a isso o fato de muitos estudantes que frequentam essa modalidade se enquadrarem no grupo de risco, para os quais fica difícil pensar alternativas de retorno às aulas presenciais até mesmo em uma perspectiva híbrida.
Quanto tempo deve levar para se recuperar as defasagens que o momento trouxe?
Essa é uma questão importante a ser pensada e discutida em âmbito social e acadêmico. Uma situação é certa: as perdas pedagógicas nesse período de distanciamento social são amplas e perspectivas de recuperação dessa defasagem carecem de pesquisas mais aprofundadas. Mas é fundamental destacar que os professores e as professoras estão realizando um excelente trabalho nessa direção, no sentido de minimizar o máximo possível os impactos dessa nova realidade. Os docentes estão investindo na própria formação, reinventando as práticas pedagógicas, reorganizando o planejamento e superando expectativas no que se refere à oferta de atividades educacionais adaptadas ao contexto atual. Certamente estes serão profissionais fundamentais na reconstrução educacional do país após esse período de pandemia.
Como essa recuperação pode ser feita? É possível dimensionar o impacto da pandemia na educação nacional?
O Conselho Nacional de Educação (PARECER CNE/CP Nº: 11/2020) apresentou dados preliminares muito importantes e significativos que desvelam algumas lições da atual vivência Internacional e Nacional em relação às alternativas criadas para o contexto educacional neste período de Pandemia. Apresentam o tamanho do desafio a ser enfrentado pelo poder público nesse período. Os dados apresentados pelo CNE desvelam os riscos de agravamento das diferenças educacionais em nosso país.
O fato é que essa recuperação deve ser feita em consonância com as orientações responsáveis das autoridades sanitárias da área da saúde: um processo gradual, responsável e comprometido com a saúde dos estudantes. Em sentido educacional, acredita-se que seja necessário repensar e adequar toda a organização do trabalho pedagógico, ou seja, tanto o currículo, quanto o planejamento e a avaliação (alinhada aos princípios da avaliação formativa).
O desafio ao campo educacional é buscar alternativas para que os estudantes, no processo de alfabetização, tenham garantidos seus direitos de aprendizagem previstos na Base Nacional Comum Curricular. Isso requer um olhar mais atencioso à formação dos professores para que estes possam se apropriar cada vez mais do uso das novas tecnologias; pensar alternativas para o acesso dos estudantes à internet e outros equipamentos necessário à participação nas aulas e apoio às famílias para que possam incentivar a permanência dos estudantes no contexto escolar, mesmo neste período de pandemia.
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