O Ministério do Meio Ambiente (MMA) aplicou exatos R$ 105.409,00 em políticas ambientais até 31 de agosto deste ano. O valor equivale a um décimo daquilo que o ministro Ricardo Salles anunciou, em junho, que gastaria com carros blindados para se deslocar por Brasília. Os dados são de um levantamento do Observatório do Clima, divulgado ontem.
De acordo com os dados coletados pela organização não-governamental, a quantia investida pelo ministério corresponde a apenas 0,4% do orçamento autorizado para as iniciativas relativas à mudança climática, à proteção ambiental da biodiversidade e à melhoria da qualidade ambiental urbana. A pesquisa considerou apenas ações “finalísticas”, ou seja, aquelas nas quais o MMA pode gastar de forma discriminatória com programas de proteção ambiental –– não inclui pagamento de salários, aposentadorias, veículos ou outros gastos essenciais administrativos, nem as autarquias da pasta.
Para Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima, essa atitude é um sintoma do desmonte da proteção ambiental no Brasil. “O ministério é o formulador das políticas públicas de meio ambiente na esfera federal. Se ele não está gastando dinheiro, é um sinal de que políticas públicas não estão sendo formuladas”, disse. Ele também lembrou que o plano original do governo Bolsonaro era fechar o MMA “e, na prática, é isso o que está acontecendo”.
Pedro Roberto Jacobi, professor titular sênior do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental e Divisão Científica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), apontou que as mudanças no MMA refletem um processo de em fraquecimento das políticas ambientais. “Parafraseando o próprio ministro Salles: passar a boiada”, disse, acrescentando que há uma relação direta entre as queimadas na Amazônia e no Cerrado, e a falta de projetos ambientais do governo.
O Pantanal, bioma localizado entre os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e que alcança áreas da Bolívia, da Argentina e do Paraguai, está em chamas há mais de 40 dias. Segundo dados coletados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cerca de 2,3 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo desde o início do ano. O território queimado equivale a quase 10 vezes a área das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas. Aviões e profissionais, como bombeiros e militares, estão na região realizando esforços para controlar as chamas.
Na Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identificou 13.810 focos de calor na floresta, entre os dias 1 e 9 de setembro. O Inpe também divulgou dados das queimadas da região em agosto de 2020, identificado como o segundo pior mês de desmatamento documentado, perdendo apenas para agosto de 2019.
Procurado pelo Correio, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou até o fechamento desta edição.
Nada acontecendo
Salles, porém, voltou a afirmar que a Amazônia não está “queimando”. Em uma publicação na sua conta oficial do Twitter, disse lamentar o vídeo produzido por pecuaristas do Pará, e divulgado por ele, que nega as queimadas na região amazônica e mostra mico-leão-dourado –– animal encontrado apenas na Mata Atlântica. “Lamento o vídeo contendo o mico-leão na Amazônia, embora realmente ela não esteja queimando como dizem”, escreveu.
O vídeo citado por Salles foi divulgado na quarta-feira, pelo próprio ministro e pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e produzido pela Associação de Criadores do Pará (Acripará), que reúne pecuaristas do estado.
* Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi
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Fumaça rumo ao sul
A fumaça das queimadas que avançam descontroladamente sobre a Amazônia e o Pantanal já se alastra sobre os países vizinhos do Brasil e alcança também municípios das regiões Sudeste e Sul do país, em rotas que somam mais de 3 mil quilômetros de extensão. As imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram uma imensa mancha branca de fumaça encobrindo a parte sul do Amazonas, seguindo por Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, rumo aos estados de São Paulo e Paraná.
Segundo a Metsul, imagens de satélite mostram um denso corredor branco que avança da Amazônia até o Rio Grande do Sul. Mas o instituto de meteorologia enfatiza que essa fumaça, que tem origem nos focos de queimadas, está avançando “primariamente em altitude e não perto da superfície”. Isso significa que, no momento, o que as pessoas podem ver na área mencionada é uma mudança na coloração do céu por causa disso –– mas embaixo dela, mais próximo do solo, os índices de qualidade do ar não serão afetados por isso.
Até o dia 9 de setembro, os focos de incêndio no bioma Amazônia chegavam a 13.810 ocorrências, o equivalente a 70% do volume verificado nos 30 dias de setembro de 2019. No caso do Pantanal, em apenas dez dias de setembro foram relatados 2.550 focos de queimadas, 88% do volume registrado durante todo o mês de 2019. Os dados mostram que, a despeito de o governo anunciar esforços de combate aos crimes ambientais, com a entrada dos militares nas operações, este ano caminha para ser o mais devastador em relação a registros de incêndios e danos causados pelo fogo, superando os índices do ano passado. O número de focos de incêndio registrado no Pantanal, entre janeiro e agosto deste ano, equivale a tudo o que queimou no bioma nos seis anos anteriores, de 2014 a 2019.
Os dados do Inpe revelam que, entre 1º de janeiro e 31 de agosto passados, foram registrados pelos satélites do instituto um total de 10.153 focos de incêndio no Pantanal, bioma que soma 150 mil quilômetros quadrados, localizados nos estados de Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%). O número de focos supera os 10.048 pontos de queimada registrados pelo instituto entre 2014 e 2019.
Se comparado com os índices relatados no ano passado, o número deste ano é três vezes superior aos 3.165 focos de incêndio verificados entre janeiro e agosto de 2019. Em relação aos 603 focos confirmados em 2018, o cenário deste ano representa uma alta de 1.700%.
Parques mantêm o Cerrado
Segundo maior bioma da América do Sul, o Cerrado é abundante em biodiversidade, mas é uma das áreas que mais sofre com a perda de habitat natural. No Dia do Cerrado, celebrado ontem, estudo publicado no volume 251 da Biological Conservation, tradicional revista científica que enfoca o meio ambiente e a ecologia, comprova a importância dos parques nacionais e estaduais deste ameaçado bioma brasileiro para a proteção de animais como o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e a anta.
Utilizando milhares de registros de animais obtidos através de câmeras automáticas instaladas em uma extensa área do Cerrado do norte de Minas Gerais, os pesquisadores demonstraram que unidades de conservação, como parques nacionais, estaduais e reservas privadas, abrigam uma diversidade de mamíferos bem maior do que áreas similares que não possuem o mesmo grau de proteção.
Lobos-guará, tamanduás-bandeira, onças-parda e antas são pelo menos cinco vezes mais comuns nessas áreas, no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, região prioritária para a conservação do Cerrado. Em geral, as áreas sob maior nível de proteção no mosaico têm 2,7 vezes mais espécies de maior porte e 2,4 vezes mais espécies ameaçadas de extinção em nível mundial. Parte da coleta de dados foi financiada pela parceria entre o WWF-Brasil e o Instituto Biotrópicos em 2012-2013.
Para Guilherme Braga Ferreira, um dos autores da pesquisa, o estudo é um dos primeiros a mostrar, de forma sistemática, que a criação de parques tem um efeito extremamente positivo sobre a biodiversidade do Cerrado. “Apesar de intuitivo, comprovar a importância das áreas protegidas com dados robustos é essencial neste momento em que elas estão sofrendo pressão de diversos setores”, diz.
Para o WWF-Brasil, o estudo evidencia a importância da criação e também da consolidação das unidades de conservação no Brasil. “O Cerrado é a savana com maior biodiversidade do planeta, além de prover cerca de 40% da água doce do Brasil. Áreas protegidas bem manejadas garantem não só a conservação das espécies, mas também uma série de benefícios para toda a sociedade brasileira”, afirma Mariana Ferreira, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
Incêndio é causado por ação humana
O fogo, salvo raríssimas exceções, é resultado de uma ação humana. Alguém ateou fogo em alguma coisa, intencionalmente ou por acidente. O fato de haver um volume gigantesco de focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal neste ano, porém, envolve uma série de fatores que colaboram para os números recordes da tragédia.
Paulo Moutinho, doutor em ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), explica que, na maioria dos casos, os incêndios ocorrem em áreas abertas de pastagens e nas que são desmatadas em períodos das chuvas, seja para roubo de madeira ou para expansão de terras para pasto, plantio ou mineração. Nas matas fechadas, derruba-se a madeira durante os meses de chuva, entre novembro e abril, para depois queimar esse material no período chuvoso, entre maio e outubro. “A expansão dessas queimadas depende da combinação de fatores como um ano muito seco, somado a um ano com forte desmatamento, como acontece hoje. O fogo é o elemento principal para limpar a área, depois da ação do desmate”, diz Moutinho.
Estudioso das causas do desmatamento na Amazônia e de suas consequências para biodiversidade, mudança climática e habitantes da região, ele observa que as queimadas de hoje não só são os efeitos de uma mudança climática geral como também são seus principais geradores. “A mudança climática é agravada pelas ações de desmatamento. A fumaça sobe para a atmosfera, interage com as nuvens e faz com que as chuvas deixem de ocorrer”, explicou.
A consequência, a longo prazo, é uma Amazônia cada vez mais seca e inflamável, com o fogo sendo parte constante de sua paisagem. Isso acontece porque o desmatamento e a queimada para limpar a área mudam a vegetação. “Passamos a ter uma savanização, dominada por capim, que pega fogo todo ano”.
Para o especialista, o Brasil tem sido um dos principais agentes fomentadores dessas mudanças, que explicam incêndios descontrolados e cada vez mais frequentes em locais como a Califórnia, áreas da Austrália e África. “Estamos assistindo isso todo ano e vai virar lugar-comum, se nada for feito para inverter essa lógica”, lastimou.
“A expansão dessas queimadas depende da combinação de fatores como um ano muito seco. O fogo é o elemento principal para limpar a área, depois da ação do desmate”
Paulo Moutinho, doutor em ecologia e cientista sênior do Ipam