MEIO AMBIENTE

Europa ameaça rejeitar os produtos brasileiros

Países enviam carta para Mourão e ministros cobrando a preservação de biomas. Grupo se diz comprometido com o consumo de "alimentos ambientalmente adequados". Aumento da devastação dificulta o comércio com o Brasil

Edis Henrique Peres* Natália Bosco*
postado em 17/09/2020 00:48
 (crédito: Mauro Pimentel/AFP)
(crédito: Mauro Pimentel/AFP)

O vice-presidente Hamilton Mourão e ministros receberam uma carta aberta da Parceria das Declarações de Amsterdã –– grupo formado por Alemanha, Dinamarca, Itália, Holanda, França, Reino Unido e Noruega, além da Bélgica, que subscreveu o documento –– ameaçando abandonar os produtos brasileiros devido ao descompromisso do governo Bolsonaro com a questão ambiental, e diante da passividade com as queimadas na Amazônia e no Pantanal. O grupo de países disse estar comprometido em consumir “alimentos ambientalmente adequados” e, por isso, o aumento do desmatamento dificulta o comércio com o Brasil. Mourão preside o Conselho da Amazônia cuja função é coordenar ações e políticas para proteção, preservação e desenvolvimento da região

“Nos últimos anos, o desflorestamento aumentou em taxas alarmantes, recentemente documentadas pelo Inpe. Sem dúvida, isso confirma a importância fundamental de garantir que os órgãos governamentais nacionais possuam a capacidade adequada para monitorar essas tendências e aplicar as devidas leis. (…) Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã compartilham da preocupação crescente demonstrada pelos consumidores, empresas, investidores e pela sociedade civil europeia sobre as atuais taxas de desflorestamento no Brasil. Na Europa, há um interesse legítimo no sentido de que os produtos e alimentos sejam produzidos de forma justa, ambientalmente adequada e sustentável. Como resposta a isso, agentes comerciais, como fornecedores, negociantes e investidores, vêm refletindo cada vez mais esse interesse em suas estratégias corporativas”, salienta um trecho do documento.

Além de Mourão, cópias da carta também foram destinadas aos ministros Paulo Guedes (Economia), Tereza Cristina (Agricultura), Fernando Azevedo (Defesa), Ricardo Salles (Meio Ambiente), e ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier. Esta não é a primeira comunicação enviada a Mourão com teor semelhante: em junho, ele recebeu outra, de investidores estrangeiros, que alertavam os efeitos negativos do desmatamento no país.

O grupo ainda enfatiza que está disposto a abrir canais de diálogo com agentes dos mercados de commodities, entre eles produtores, negociantes e importadores, assim como legisladores, povos indígenas e cientistas. “Isso também contribuirá para o estabelecimento de um setor agrícola próspero e saudável”, apontou.

O documento é divulgado em um momento em que a política ambiental brasileira ameaça a viabilidade do acordo comercial da União Europeia com o Mercosul. As autoridades europeias acreditam que o pacto não conseguirá superar os trâmites burocráticos necessários se não houver um compromisso do Palácio do Planalto com a contenção do desmatamento na Amazônia.

Danilo Porfírio, doutor em ciências sociais e professor de direito e relações internacionais do UniCEUB, disse que a atitude do governo ameaça o acordo comercial. “Já tinha certo impasse sobre as questões vinculadas à gestão soberana da Amazônia”, explicou.

*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi

Coalizão quer abrir diálogo

Uma coalizão formada por 230 organizações e empresas, que se define como “um dos raros foros de diálogo entre o agronegócio e ambientalistas”, enviou ao governo federal um conjunto de seis propostas para deter o desmatamento na Amazônia. O documento foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro e ao vice-presidente Hamilton Mourão, além dos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente, Economia e Ciência e Tecnologia. As propostas chegaram ainda às mãos de líderes e parlamentares da Câmara e do Senado, ao parlamento europeu e embaixadas de países europeus. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reúne nomes da área ambiental como WWF Brasil, WRI Brasil, TNC, Imazon e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Do lado do agronegócio e da indústria estão companhias como JBS, Klabin, Marfrig, Amaggi, Basf, Danone, Natura e Unilever.


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Bolsonaro e Mourão: críticas desproporcionais

Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão disseram, ontem, que há uma visão internacional distorcida e desproporcional sobre as queimadas e o desmatamento na Amazônia. Aos apoiadores, ao retornar ao Palácio da Alvorada, o presidente disse que os focos de incêndio que vêm devastando os principais biomas brasileiros não são uma exclusividade do país.


“Tem críticas desproporcionais à Amazônia e ao Pantanal. A Califórnia está ardendo em fogo, a África tem mais foco do que no Brasil. Nós tentamos, com a regularização fundiária, resolver essa questão. O índio toca fogo, o caboclo, tem a geração espontânea. No Pantanal, 43 graus é a temperatura média e, no ano passado, quase não pegou fogo. Sobrou uma massa enorme de vegetais mortos para isso que está acontecendo agora”, justificou Bolsonaro.


Mais cedo, durante debate on-line promovido pelo Núcleo de Estudo Luso-Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mourão entoou um discurso parecido com o do presidente. Ele reforçou o compromisso do governo com a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.


“Infelizmente, parte do mundo tem, por vezes, uma visão distorcida sobre o desmatamento ilegal e queimadas na Amazônia. Não negamos ou escondemos informação sobre a gravidade da situação, mas também não aceitamos narrativas simplistas e distorcidas”, disse.
Mourão afirmou que o desmatamento e as queimadas, além de afetarem o meio ambiente, prejudicam a imagem do país e afetam setores da economia. “Os crimes ambientais deixam nosso país vulnerável a campanhas difamatórias, abrindo caminho para que interesses protecionistas levantem barreiras comerciais injustificáveis contra as exportações do agronegócio”, explicou.

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