Aposta em uma velha conhecida contra covid

>> entrevista Julio Croda - Infectologista da Fiocruz e condutor da pesquisa no Brasil

» BRUNA LIMA » MARIA EDUARDA CARDIM
postado em 20/09/2020 23:37 / atualizado em 21/09/2020 00:16
 (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
(crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ainda sem uma vacina contra o novo coronavírus aprovada, a corrida mundial pelo imunizante da covid-19 continua a todo vapor. Mês que vem o Brasil começa a testar uma nova candidata. Dessa vez, a protagonista do teste é uma velha conhecida: a vacina BCG. Usada para prevenir a tuberculose, a prevenção é obrigatória no Brasil para recém-nascidos desde 1976 e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Em entrevista ao Correio, o infectologista e ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis (DEIDT) do Ministério da Saúde, Julio Croda, explica que, por ser um imunizante mais antigo, a questão da segurança é secundária: “todos já conhecem os efeitos adversos”. Em parceria com o Instituto de Pesquisa Infantil Murdoch da Austrália, Croda é o responsável pelo estudo no Brasil, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com frente no Mato Grosso do Sul, ao lado da pneumologista Margareth Dalcolmo, que comandará as equipes no Rio de Janeiro. Estudos preexistentes mostram que a BCG é eficiente contra outras infecções respiratórias virais, o que influenciou os pesquisadores a testarem a eficácia da vacina, também, contra o vírus Sars-CoV-2. Além do Brasil, Austrália, Espanha, Holanda e Reino Unido fazem parte da pesquisa, com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como o Brasil passou a integrar a iniciativa e quem poderá participar?
Foi estabelecido um contato comigo por meio da Fundação Gates e do próprio pesquisador australiano, coordenador do projeto geral, para discutir o interesse do Brasil em participar. O estudo compreende, no mundo todo, o recrutamento de 10 mil trabalhadores de saúde acima de 18 anos — então, não tem limite máximo de idade, como em muitas vacinas testadas hoje, em fase três. Serão recrutados voluntários na Austrália, Reino Unido, Espanha e Holanda. Aqui, no Brasil, serão 3 mil pessoas: 2 mil, no Mato Grosso do Sul; e mil, no Rio de Janeiro.

Qual será a metodologia empregada?
O estudo que vamos aplicar é randomizado, com um grupo controle que não recebe a vacina e outro, que recebe. Vamos acompanhar esses indivíduos por um ano. Todas as semanas terão ligações telefônicas para verificar se o paciente tem algum sintoma sugestivo de covid. Se tiver, nós vamos ofertar o teste RT-PCR. Vamos ter, também, visitas previamente agendadas de encontros pessoais a cada três meses. Será coletado soro para verificar se o paciente, mesmo sem sintomas, apresentou contato com vírus, o que chamamos de soroconversão, ou seja, ficou positivo para a sorologia e, desta forma, seria um paciente assintomático que teve a doença. Vamos comparar o grupo que tomou a vacina e o grupo que não tomou para verificar a eficácia contra a covid.

Por ser uma vacina já amplamente aplicada no mundo, existe mais tranquilidade no processo?
Quanto à segurança, trata-se de uma vacina muito antiga, a primeira a ser realmente disponibilizada, lá na década de 30. Então, há bastante experiência e todos já conhecem os efeitos adversos dessa vacina, aplicada em mais de 120 milhões de crianças anualmente. Essa é uma questão mais secundária no estudo, porque já é uma vacina bastante conhecida e aplicada.

Muda algo no protocolo em relação às outras vacinas que estão sendo testadas para covid?
Ela nunca foi testada para covid. Por isso, estamos fazendo esse estudo de fase três, que é o mesmo que está sendo feito no mundo todo com as outras oito vacinas específicas para covid. Na vacina de Oxford vão recrutar 30 mil; na Rússia, 40 mil; nós vamos recrutar 10 mil. É o mesmo desenho de seguimento de um ano para avaliar a segurança e eficácia. Só que faremos com a vacina que já existe, que não tem patente, interesse comercial, para verificar se ela causa algum tipo de proteção contra o novo coronavírus.

Então, o que leva a crer que a BCG pode ser eficiente no combate à covid?
Trata-se de uma vacina, do ponto de vista imunológico, que suscita muita ação celular contra organismos como vírus, bactérias, protozoários intracelulares, por meio da resposta imune inata. Esse é um resultado não específico, ou seja, não direcionado a um tipo de patógeno como a covid, influenza, mas se treina a identificação de patógenos que são intracelulares, que infectam as células, para combater por meio dessa resposta inata celular. Por não ser específica, muito provavelmente terá uma duração mais curta de proteção. Em torno de um ano, um ano e meio, no máximo. Portanto, se você tomou vacina lá na infância, muito provavelmente você não está protegido neste momento.

De onde vem a avaliação que embasa o estudo?
Os dados vêm de dois estudos. Um foi feito na África com crianças revacinadas com a BCG para outras causas que não a tuberculose. Elas foram acompanhadas durante um ano e os resultados mostram que houve redução de infecções, como doenças respiratórias e óbitos. Também há um estudo recente na Suécia mostrando que houve uma produção muito importante para combater infecções virais respiratórias em idosos, justamente o público de maior risco para covid. Esses dois estudos indicam que a vacina pode gerar uma resposta inespecífica, inclusive para outros vírus. Essas são evidências empíricas, nunca testamos para covid. É isso que vamos avaliar. Não para testar esse produto, porque ele já existe no mercado e está a disposição da população, principalmente para recém-nascidos. Mas, para mudar sua indicação, se ela se provar eficaz contra covid.

O esperado, como o senhor mencionou, é de uma resposta não duradoura...
Se não tiver outra vacina de covid específica, nada que se mostre eficaz e seguro para covid, a BCG, muito provavelmente, se for utilizada nesse contexto, será utilizada para o grupo de risco, profissionais de saúde, até o momento em que a gente tenha a capacidade, por exemplo, de fornecer vacina para mais de bilhões de pessoas. Seria uma proteção tanto para infecção quanto para evolução de gravidade, internação, UTI, óbito. A gente vai avaliar tudo isso.

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