A partir das amostras de doadores de sangue, pesquisadores brasileiros empenham-se em analisar o fenômeno da imunização de rebanho (coletiva) do novo coronavírus. A partir de uma primeira pesquisa, publicada como preprint (versão prévia de artigo científico) no portal MedRxiv e ainda não revisada por pares, pesquisadores brasileiros em cooperação com instituições internacionais afirma que a covid-19 infectou 66,1% da população de Manaus desde o início da pandemia, indicando que, na capital amazonense, a doença atingiu parcela suficiente de pessoas para que as curvas de novos casos e de mortes começassem a cair. Especialistas ponderam, contudo, que a constatação não pode ser utilizada como política pública, já que, para se chegar aos índices, foram contabilizados mais de 47 mil infectados e 2,4 mil mortes na capital do Amazonas.
Conduzido por cientistas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMTSP), o estudo avaliou dados sobre a presença de anticorpos para o vírus Sars-CoV-2 em doadores de sangue. Em Manaus, o pico de pessoas imunizadas, segundo o estudo, foi em junho, quando 51,8% da população apresentavam anticorpos. Mas ao corrigir os falsos negativos, o número sobe para 66%. A mesma metodologia foi usada para avaliar o comportamento da doença na cidade de São Paulo, onde 2,5 milhões de pessoas teriam sido infectadas, o que equivale a 22,4% da população. O próximo passo é aplicar os cálculos em outras seis capitais.
Uma das coordenadoras da pesquisa, a professora Ester Sabino, do IMTSP e da FMUSP, ressalta que a estimativa vista em Manaus serve como um indicativo da imunidade de rebanho. “Quando você chega em um determinado ponto que já tem um grande número de pessoas infectadas tende a cair a taxa de transmissão e a epidemia vai diminuindo. Mas isso não quer dizer que as outras pessoas, que não se expuseram ainda até aquele momento, não possam infectar-se. A circulação do vírus continua, ela só diminui; e as pessoas podem infectar-se”, ressaltou, em conversa com o Correio.
Para conseguir controlar os dados e fazer avaliações precisas, o grupo analisou amostras de sangues coletadas por hemocentros da capital amazonense. Com testagens em diferentes momentos, foi possível corrigir questões como falsos negativos, além de permitir avaliar que, com o passar do tempo, a quantidade de anticorpos contra a covid-19 varia, sugerindo uma imunização temporária. Outra observação é que, em aproximadamente 8% dos casos, os anticorpos não conseguem ser detectados nem na fase mais aguda da infecção.
Alto custo
Na avaliação do biólogo e pesquisador Atila Iamarino, o estudo suscita uma nova necessidade de análise para definir os próximos passos de enfrentamento à covid. “Se pessoas curadas voltarem a se infectar e a transmitir, e se os surtos voltarem a acontecer em lugares que tiveram muitos casos, como Manaus, é um sinal de que vacinas não protegerão a longo prazo. Só ficamos livres se a imunidade e a vacina forem totalmente protetoras", avaliou, pelas redes sociais. “A pergunta daqui para frente não vai ser se as pessoas sem sintomas transmitem o vírus (sim, transmitem). Vai ser se as pessoas curadas transmitem”, completou.
Especialistas alertam, porém, que a imunidade coletiva não deve ser interpretada como uma estratégia contra a covid-19. “(O estudo) não deve ser considerado política pública, mas a constatação de uma realidade”, escreveu pelas redes sociais o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Júlio Croda. Coordenadora do estudo, Ester Sabino concorda: “Não se deve pensar dessa forma. Não é uma conduta e nunca foi uma conduta tomada pelo governo brasileiro para a maioria das doenças. É uma coisa que não tem cabimento.”
Balanço
Com 836 novas mortes registradas nas últimas 24 horas, o Brasil chegou a 138.108 óbitos por covid-19, segundo dados divulgados ontem pelo Ministério da Saúde. Também foram contabilizados 33.536 casos, totalizando 4.591.604 de infecções pelo novo coronavírus. Atualmente, 23 estados já atingiram a marca de mil mortes cada. No topo da tabela estão São Paulo, com 34.266 fatalidades; e Rio de Janeiro, com 17.798. Em seguida estão: Ceará (8.850), Pernambuco (8.055), Minas Gerais (6.764), Pará (6.477), Bahia (6.359), Rio Grande do Sul (4.472), Goiás (4.228), Paraná (4.185), Amazonas (3.967), Maranhão (3.674), Espírito Santo (3.443), Mato Grosso (3.269), Distrito Federal (3.131), Paraíba (2.729), Santa Catarina (2.671), Rio Grande do Norte (2.355), Piauí (2.051), Alagoas (2.029), Sergipe (1.993), Rondônia (1.312) e Mato Grosso do Sul (1.191).
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