Após o Ministério da Educação anunciar a liberação de R$ 525 milhões para a conta dos gestores locais no intuito de auxiliar na volta às aulas, parlamentares e entidades intensificaram a demanda por mais verba federal. Pesquisas apontam que seria necessário, somente no primeiro momento, dobrar o valor. A alegação é de que o dinheiro não é suficiente para garantir um retorno seguro às aulas presenciais, capaz de, além de bancar os recursos para cumprimento das medidas sanitárias, garantir acesso equitativo a novos materiais didáticos que se adequem às mudanças impostas pela pandemia do novo coronavírus. O ministro Milton Ribeiro já declarou, contudo, que não pretende destinar investimentos para acesso à internet, o que deixa o cenário de reabertura das escolas ainda mais incerto.
O remanejamento de verba anunciado por Milton Ribeiro pretende alcançar aproximadamente 36.858 milhões de alunos, o que, segundo ele, consegue garantir uma retomada segura, com o cumprimento das medidas sanitárias. A liberação, na avaliação do especialista em políticas educacionais João Marcelo Borges, é uma conquista, porém está longe do necessário.
“Esse é um dinheiro importante, óbvio, mas é muito insuficiente frente às necessidades de infraestrutura, insumos, equipamentos e de serviços que estados e municípios possuem para permitir um retorno às aulas. De um lado, as compras devem garantir o cumprimento dos protocolos sanitários e, de outro, manter sistemas de educação de aulas remotas funcionando concomitantemente à abertura das escolas que, provavelmente, funcionarão com rodízio de alunos ao longo da semana”, explica Borges.
Outra problemática ressaltada pelo especialista é a migração de estudantes do ensino privado devido à crise financeira das famílias brasileiras, o que deve contribuir para um aumento de demanda. “Já se iniciou, e deve se acelerar, um processo de transferência de alunos de escolas particulares para públicas. Não há esses recursos garantidos da União, porque esses novos estudantes não fazem parte do censo escolar e, portanto, essas matrículas não contam para distribuição de recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica)”, explica, completando que, ao levar em conta somente os mais de 36 milhões de estudantes já contabilizados, a verba de R$ 525 milhões representa cerca de R$ 14 por aluno.
Um estudo da organização não governamental Todos pela Educação revela que, só para aquisição de materiais extras como máscaras, álcool em gel e materiais de limpeza para garantir a segurança sanitária, o gasto por estudante é de R$ 28. “Sem levar em conta diversos gastos específicos na área da educação, como combate à evasão escolar, protocolos pedagógicos de acolhimento a esses alunos, rescisão do calendário, formação dos professores para volta às aulas, uma avaliação diagnóstica dos alunos para entender como é que foi o aprendizado nesses seis meses de aulas fechadas”, enumera o coordenador de relações federativas do Todos pela Educação, Gustavo Wei.
“Com a queda de arrecadação nos estados e municípios, de mais do que já vem gastando, a gente precisa, certamente, de mais recursos para apoiar a educação no final deste ano e no ano que vem”, completa. A pesquisa foi feita com base nos gastos com educação durante a pandemia em 80 municípios.
Pressão congressista
Uma das alternativas para auxiliar na volta às aulas foi barrada pelos vetos presidenciais. Trata-se da Medida Provisória 934, sancionada na forma da Lei nº14.040/2020, que estabelece normas excepcionais para o ano letivo de 2020 em razão da pandemia, desobrigando, por exemplo, o cumprimento do mínimo de 200 dias letivos. Quatro dos seis vetos excluem dispositivos que previam a assistência técnica e financeira da União aos estados e municípios para apoiar as atividades pedagógicas não presenciais adotadas e auxiliar na implementação das medidas sanitárias para retorno às atividades presenciais. Nesses dispositivos, a União teria autorização para liberar aproximadamente R$ 5 bilhões do Orçamento de Guerra.
“A MP 934 realmente foi muito importante na área e tinha mostrado um grande primeiro passo em direção à solução de todos esses desafios. Daqui para frente, temos que ter dois movimentos acontecendo em igual intensidade e em paralelo. O primeiro é garantir recursos para apoiar gestores da educação frente à queda de arrecadação e ao aumento de gastos que tiveram nesses tempos. Mas, também, é papel do MEC apoiar na coordenação das atividades, dar diretrizes claras, auxiliar e dialogar com as instâncias estaduais e municipais”, afirma Wei.
Para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a decisão do presidente Jair Bolsonaro, com os vetos apresentados, é uma demonstração de que a União se exime da função de apoiar os estados e municípios no retorna às aulas regulares. “A responsabilidade para continuar garantindo uma educação de qualidade tem aumentado nesse momento de enfrentamento da crise sanitária, mas os recursos técnicos e financeiros, não”, afirmou o presidente da CNM, Glademir Aroldi, à época da aprovação da lei.
A pressão das entidades e dos gestores da educação e a insuficiência dos recursos para a área têm movimentado o Congresso, que estuda derrubar vetos da MP 934. Relatora da proposta, a deputada Luísa Canziani (PTB-PR) reconhece o remanejamento autorizado pelo MEC como um primeiro passo, mas que ainda carece de esforços adicionais de recursos federais.
“A União precisa assumir o papel de disseminação de boas práticas, garantindo que haja maior comunicação entre secretarias estaduais de educação para que as soluções aos novos desafios educacionais impostos pela pandemia cheguem a todos os estudantes brasileiros. E, por isso, é de suma importância que também haja um repasse maior de verbas para os demais entes federados. Infelizmente, a pandemia intensificou ainda mais as já existentes desigualdades educacionais e, para revertê-las, precisaremos dos esforços de todos”, reafirma a deputada.
O movimento, então, é pela derrubada dos vetos. “Assim, haverá mais garantia para que MEC, estados e municípios pleiteiem o Orçamento de Guerra para este fim, em um contexto em que as receitas próprias são declinantes e em que a respectiva compensação entregue pela União não guarde vinculação alguma com a manutenção e desenvolvimento do ensino”, apela Canziani. A parlamentar lembra, também, que outras iniciativas congressistas somam-se ao movimento para garantir mais verba federal às escolas.
Após a derrubada dos vetos, o Senado continuou pressionando a oferta da verba da União para auxiliar os entes federativos no retorno às aulas. Para isso, no início do mês, aprovou o projeto de lei que autoriza estados, municípios e o Distrito Federal a usarem recursos de repasses federais para ações preventivas e de adaptação contra a covid. Pela proposta, o dinheiro pode ser empenhado na adequação da infraestrutura sanitária de escolas, internet e conectividade de estudantes que não puderem voltar às aulas presenciais, disponibilização dos materiais de proteção individual e de higiene. Além disso, inclui treinamento dos profissionais para as novas exigências sanitárias e contratações extraordinárias para suprir eventuais necessidades.
Palavra de especialista
O que precisa ser feito?
Seis meses depois da primeira morte por covid-19 no Brasil, o Ministério da Educação não disponibilizou nem diretrizes, nem protocolos, nem recursos adicionais para a educação básica a fim de apoiar estados e municípios. Esse apoio é importante. O Brasil é extremamente desigual, então, temos entes com menos condições técnicas e financeiras, e até de capacidade institucional, para elaborar alguns desses protocolos e implementá-los. Além disso, a pandemia gerou uma queda na receita tributária de estados e municípios e da União, ao passo em que aumentaram os gastos em educação.
O que precisa ser feito? De um lado, executar os recursos disponíveis. Por exemplo, uma das justificativas que o Ministério da Economia utilizou para fazer o corte no orçamento do MEC em 2020 foi o fato da baixa execução orçamentária. Ela é verdadeira. Por exemplo: até o final do primeiro semestre, o MEC não tinha executado 1% do Programa de Educação Conectada, o que é crucial porque esse programa leva acesso à internet às escolas nas regiões mais pobres do Brasil. Em nenhum momento, precisamos tanto desse programa funcionando como agora. Deveria, inclusive, ter acelerado a discussão, recebido recursos adicionais, mas sequer um ministério foi capaz de executar os recursos disponíveis.
Em relação à atuação do Ministério da Saúde neste cenário, é necessário saber, também, o que estão planejando para lidar com a enorme crise de saúde mental que já está em curso e deve se expandir nos próximos meses em função. E saber, também, dos efeitos que a pandemia e o confinamento geram sobre estudantes e profissionais da educação. Seria necessário que o país estabelecesse uma rede de serviços de apoio psicológico, terapêutico e psiquiátrico para toda a comunidade escolar, a fim de garantir atendimento e a assistência necessária. Nós não ouvimos, até aqui, nenhum tipo de anúncio do Ministério da Saúde ou do MEC sobre isso. Só há, eventualmente, o reconhecimento desse problema. Mas, nós precisamos de solução para lidar com ele.
João Marcelo Borges,
especialista em políticas educacionais
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