Prestes a completar sete meses do registro do primeiro caso do novo coronavírus em território nacional, o país vive um momento singular no combate à doença. Apesar de ver sinais positivos, como a redução da média móvel de mortes e casos, a taxa de transmissão mostra o cenário brasileiro com expectativa de crescimento de infecções. Ontem, 28.378 casos e 869 vidas perdidas foram somados ao balanço do Ministério da Saúde, que totaliza 4.717.991 de diagnósticos positivos e 141.406 fatalidades. No Rio, a expectativa já é realidade. Enquanto o carioca lota as praias no fim de semana, o estado registrou aumento na média móvel de mortes pelo 9º dia seguido. Na capital, os leitos de emergências para covid estão cheios.
Especialistas destacam que o país nunca conseguiu controlar a epidemia e passa por uma queda lenta e já esperada de infectados e óbitos. Mesmo assim mantém-se em um patamar alto. Depois de estacionar em atualizações diárias na casa de 50 mil registros e mil vítimas, atualmente, a média móvel brasileira dos últimos sete dias, segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), está em 696 fatalidades e 28.902 infecções.
Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, “a queda é muito lenta, e o patamar diário de mortes e casos ainda é elevado”. Apesar da “pequena melhora” em relação ao pico, a situação continua “muito desconfortável”, na avaliação do especialista. Segundo ele, a mortalidade deve ceder, mas pela evolução natural da doença. “No Brasil, a epidemia segue até conseguir acometer um número grande de pessoas e a gente, talvez, atingir, em algum momento, uma imunidade de rebanho. Mas, isso, às custas de um número muito grande de mortes”, aponta.
Ainda que as atualizações diárias tenham baixado de patamar, o país sobe no índice negativo de mortalidade, em comparação com as demais nações, observa Chebabo. Desde o início de setembro, o Brasil ultrapassou Suécia, Estados Unidos, Itália, Reino Unido, Equador e Chile em mortes por milhão. Pelo levantamento do Worldometer, site que reúne estatísticas da doença ao redor do mundo, com 661 mortes por milhão, o Brasil tem o quinto pior índice entre as nações com mais de um milhão de habitantes. Perde para Peru (968), Bélgica (859), Espanha (668) e Bolívia (666).
Segundo o infectologista, isso ocorre porque o Brasil, “em nenhum momento, teve uma política voltada para o controle adequado da epidemia”. Por isso, o país mantém um alto patamar de registros diários e vê estados suspendendo atividades já liberadas. No Amazonas, por exemplo, após meses de queda, o número de internações por covid-19 voltou a aumentar. Para evitar o agravamento da situação, o governo do estado proibiu novamente a abertura de bares, praias e balneários.
Os novos diagnósticos também preocupam as autoridades no Rio de Janeiro. As UTIs, na capital carioca, estão em estado crítico, com 88% dos leitos ocupados, de acordo com levantamento mais recente da Fiocruz. Segundo a Secretaria de Saúde da cidade, dos 251 leitos de UTI da rede pública, 223 estão ocupados. Ontem, o estado registrou 81 mortes e 182 casos. Ao todo, são 18.247 óbitos e 259.670 casos confirmados.
Várias realidades
Outro indicador que ajuda a entender o comportamento da pandemia é a taxa de transmissão (Rt). A estimativa serve para mensurar quão rápido o vírus está se espalhando numa determinada população. No país, o status do contágio continua sendo considerado de lento a estagnado, com aumento da Rt de 0,9 para 1, segundo a última avaliação do Imperial College de Londres. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) se debruça em analisar o Rt dia a dia, iniciativa da sala de situação de saúde da instituição.
O grupo destaca que a análise somente da taxa não caracteriza um determinado território em relação à gravidade. “É preciso levar em consideração o Rt e o número absoluto de casos. Por exemplo, um estado com mil novos casos por dia e Rt = 1,0 está, provavelmente, em pior situação do que um estado com 10 novos casos por dia e Rt = 1,1. O pior cenário é Rt maior do que 1 e muitos casos novos por dia”, define.
Um dos responsáveis pela iniciativa, o pesquisador da UnB Ivan Zimmermann explica que a taxa de contágio superior a 1 indica previsão de um aumento de casos. “A consolidação de uma tendência de aumento do número de casos deve ser observada com atenção, pois poderá resultar em mais hospitalizações nas próximas semanas”, afirma.
Zimmermann lembra que a covid-19 teve sua propagação em tempos diferentes e foi igualmente enfrentada de formas diversas nos estados e municípios. “Mesmo que, na média, ocorra uma melhora nos indicadores, é importante monitorar realidades locais. Nossa calculadora de Rt mostra que a tendência é de queda nas taxas de transmissão da última semana em alguns estados, como Mato Grosso do Sul e Roraima, além do Distrito Federal. Contudo, nota-se uma clara tendência de aumento em outras unidades da Federação, como Rondônia, Pará e Alagoas”, observa. (Colaborou Alessandra Azevedo)
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"Chuvas não frearão o fogo"
Pantanal contabiliza 6.805 focos de incêndios apenas no mês de setembro, um aumento de quase 30% em relação a 2005, considerado, até então, o pior ano para o bioma. À época, foram registrados 12.536. Embora ainda faltem pouco mais de três meses para o fim de 2020, a vegetação somava 16.238 focos até sexta-feira.
Para o biólogo Jose Julian Sepúlveda, as chuvas não vão frear a devastação e, “talvez, no ano que vem, presenciaremos uma seca ainda mais drástica, que aumentará as chances de surgirem queimadas com maior impacto destrutivo no Pantanal”.
Quando um fenômeno é tão extremo, pontua o especialista, “aquele que o sucede também o será. As chuvas por vir poderão ser intensas e, como em anos passados, provocarem em altos prejuízos para os animais que não estão adaptados ao regime de enchentes da planície pantaneira.”
A doutora em ecologia Leticia Gomes explica que o início das chuvas na região fez a vegetação rebrotar e uma maior quantidade de água ser armazenada em seus tecidos vegetais e no solo, fato que dificulta a ignição e a propagação do fogo. “Entretanto, é preciso considerar que a temperatura do ar ainda está alta e, nesse caso, em torno de dois dias sem chuva, o material combustível (representado principalmente pelas gramíneas e por folhas mortas) pode se tornar seco novamente, deixando a vegetação suscetível à ocorrência de queimadas”, ressalta.
Cássio Bernadino, analista de conservação da WWF-Brasil, conta que o aumento no número de incêndios faz com que o bioma se depare com uma situação inédita. “No Pantanal, a gente observa recorde de toda série histórica de monitoramento (de incêndios). O bioma nunca queimou tanto. A estimativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) chega a 11.864 hectares (destruídos), que é o equivalente a 85% da área total de Sergipe. Há estimativas que duplicam esses hectares. Então, é uma situação atípica”.
Bernadino pontua ser importante entender se as mudanças climáticas afetam ou não os ciclos do bioma e que, para isso, é necessária a realização de monitoramentos a longo prazo, coleta e análise de dados.
Segundo o biólogo Jose Julian Sepúlveda, “o Pantanal é um bioma que existe devido ao seu ciclo de enchentes/vazantes; e isso, sem rios, lagos e demais áreas úmidas na planície, não aconteceria. Tristemente, são esses ambientes, principalmente as nascentes dos rios nas serras que contornam o Pantanal (Serra de Maracajú e Bodoquena), os mais afetados e degradados pela expansão agropecuária desprovida de técnicas de uso sustentável do solo e preservação de áreas permanentes.”
*Estagiários sob a supervisão
de Andreia Castro