MEIO AMBIENTE

Freio na "boiada"

Sociedade e políticos se mobilizam para questionar a constitucionalidade da Resolução 500 do Conama, que abre espaço para a especulação imobiliária em áreas de proteção permanente de manguezais e de restingas no litoral brasileiro

Correio Braziliense
postado em 29/09/2020 17:17 / atualizado em 29/09/2020 17:19
 (crédito: Reprodução/Video)
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As decisões anunciadas, ontem, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passaram a ser alvos de questionamentos judiciais assim que foram oficializadas. A Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução, de número 500. Outras medidas judiciais estão previstas, como alertou a procuradora regional da República, Fátima Aparecida de Souza Borghi, representante do Ministério Público Federal, aos membros do Conama.
Mais cedo, uma ação popular assinada pelos deputados federais Nilto Tatto (PT-SP), Enio Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pedia a suspensão da reunião e de suas decisões. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) também emitiu uma manifestação de repúdio contra a proposta de extinguir as resoluções ambientais. Instituição civil que reúne promotores de Justiça e procuradores da República com atuação na defesa jurídica do meio ambiente, a Abrampa afirmou que a revogação das resoluções afronta os ditames legais e “ofende o princípio do não retrocesso”.
A nova resolução aprovou a extinção de duas resoluções que delimitam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro, o que abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão. O Conama revogou, ainda, uma resolução que exigia o licenciamento ambiental para projetos de irrigação, além de aprovar uma nova regra, para permitir que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais para serem transformados em cimento, substituindo as que determinavam o devido descarte ambiental desse material.
Na ação, a Rede argumenta que houve violação aos parâmetros normativos previstos sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, sobre os limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e de localidades em geral e sobre a queima de agrotóxicos e outros materiais orgânicos em fornos de cimento. O documento alerta para a “ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso institucional e socioambiental”.

Reação na Câmara

Na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de lei legislativo, no qual também pede que a nova resolução seja sustada, para que os temas sejam analisados. “Como as revogações das referidas resoluções visam atender a setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, faz-se necessário observar que na CF existe um entrelace da ordem econômica com o meio ambiente”.
“Com a conformação do Conama que foi instalada pelo governo Bolsonaro, o governo obteve pleno controle para passar boiadas, reduzir o rigor da legislação ambiental por meio de resoluções do conselho”, disse a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
Coordenadora do Movimento Mineiro pelo Direito dos Animais, Adriana Araújo classificou a decisão do Conama de “absurda”. “Assim que Jair Bolsonaro assumiu, falou que ia acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Agora, para ter o que nós temos aí, era preferível ter acabado”, lamentou.
Em resposta à decisão do Conama, a assessoria do Greenpeace publicou nota na qual diz que “o ministro Ricardo Salles, mais uma vez, mostra que ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade e que governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental”.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), afirmou que a resolução 303/2002 era o único instrumento jurídico capaz de proteger as restingas da construção desenfreada de resorts no litoral. “Uma vez revogada, perdemos a proteção da faixa dos 300 metros a partir da praia-mar. Isso significa um grande boom imobiliário de resorts, de empreendimentos em todo o Brasil que seriam beneficiados com esse desguarnecimento”, lamentou Bocuhy.

Pedido de afastamento

Por considerar Salles uma ameaça ao meio ambiente e um inimigo dos biomas brasileiros, o Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), também ontem, que analise um pedido de afastamento do ministro do cargo. A medida tinha sido proposta em uma ação de improbidade administrativa, apresentada em 6 de julho, na 8ª Vara Federal no Distrito Federal. Mas, até ontem, continuava sem ser analisada.
No recurso, os procuradores reforçam que “a permanência do requerido Ricardo de Aquino Salles no cargo de Ministro do Meio Ambiente tem trazido, a cada dia, consequências trágicas à proteção ambiental (...). O cenário exposto é resultado do doloso desmantelamento das estruturas de fiscalização do Ibama e das atividades do MMA, por parte do Ministro do Meio Ambiente”, salientou o MP. (Colaborou Natália Bosco)

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Pantanal: mais queimadas que em 18 anos

Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam que o Pantanal perdeu mais área nas queimadas neste ano que em 18 anos de devastação. Levantamentos mostram que, entre 2000 e 2018, foi destruída uma extensão de 2,1 mil km² no bioma, mas calcula-se que o fogo, neste ano, tenha consumido, no mínimo, 23 mil km². Além disso, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que este é pior ano para o Pantanal desde 2005, quando foram registrados 12.536 focos de queimada ao longo de todo o ano. Em 2020, o Inpe mostra que desde 1º de janeiro a 27 de setembro já foram registrados 16.949 focos de fogo ativos na região.

Governo no controle após o esvaziamento

A reunião de ontem do Conama expôs, claramente, a forma como o governo passou a controlar um órgão que, por missão e histórico, sempre teve composição técnica e independente. Desde julho do ano passado, o Conama, que define normas e regras ambientais, foi desidratado.
O ministro Ricardo Salles, do meio Ambiente, concentrou nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação. O Conama teve seus membros reduzidos de 96 para 23 representantes. Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), afirma que, pela estrutura atual, o governo federal passou a ter 43% de poder de voto dentro da composição do conselho, além de outros 8% de poder de voto do setor empresarial. Os demais votos estão diluídos entre membros dos estados, municípios e sociedade civil. Se antes estes somavam 60% de poder de voto, passaram a ter 49% na nova composição.
A estrutura anterior do órgão tinha o objetivo de dar maior representatividade a vários segmentos da sociedade. Uma parte dos integrantes da sociedade era escolhida por indicação e, outra, por eleição. Desde o ano passado, porém, essa escolha passou a ser feita por sorteio.
Instituições que representam a sociedade civil, incluindo associações ambientais, de trabalhadores rurais e povos indígenas, viram suas posições caírem de 23 para apenas quatro. Duas dessas cadeiras, inclusive, estão vagas, porque dois membros –– Associação Rare do Brasil e Comissão Ilha Ativa –– deixaram o conselho e não foram substituídas. As votações, portanto, ocorreram sem contabilizar o voto de outros dois membros.
Os estados também perderam representação. Se antes havia uma cadeira para cada um dos 26, mais o Distrito Federal, agora são cinco representadas por uma unidade da Federação de cada região geográfica do país. Os municípios, que tinham oito representantes, agora têm dois. O Ministério Público Federal é membro do conselho e, regularmente, crítico de flexibilizações ambientais, mas é o único sem direito a voto nas deliberações.

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