O uso de produtos químicos no combate às chamas tem sido colocado como alternativa e suscitado um novo debate, já que não existe no Brasil uma legislação nacional que defina os parâmetros e condições de aplicação dos chamados retardantes do fogo. O ministro Salles defendeu e afirmou ter feito uso do recurso para apagar os incêndios na Chapada dos Veadeiros (GO), conduta considerada desnecessária por brigadistas que atuam na área e que não foi previamente acordada com o estado, segundo o próprio governo de Goiás.
Durante a audiência pública da comissão externa que trata sobre as queimadas no Pantanal, nesta terça-feira (13/10), Salles apontou o uso de retardantes como uma das medidas para auxiliar no trabalho de combate no bioma, afirmando que, ao ser misturado com água, os trabalhos ficam cinco vezes mais eficientes. "Nós tivemos durante muito tempo uma discussão inócua sobre se deveria ou não utilizar o retardante do fogo, quando todos os países, EUA, Canadá, Europa, Japão, utilizam essa tecnologia para melhorar o combate às queimadas. O estado do Mato Grosso já começou a usar, usamos na Chapada dos Veadeiros e foi um sucesso", afirmou Salles no Senado.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), “não há vedação legal ou regulamento que estabeleça exigência governamental na forma de registro ou autorização de uso de produtos retardantes de chama, não havendo proibição no uso e nem critérios legais estabelecidos que devam ser obrigatoriamente observados para sua utilização no Brasil", afirmou, em nota oficial.
Brigadistas que trabalharam no combate às chamas na Chapada dos Veadeiros criticam a conduta. Segundo um dos trabalhadores, que preferiu não se identificar, o tipo de retardante utilizado neste caso “só é aplicado em último caso em países como os EUA — apenas para evitar mortes de pessoas e queima de estruturas, sempre longe de corpos hídricos e apenas em locais inacessíveis”. Além disso, combatentes alegam que o produto foi lançado próximo de agentes que lutavam contra o fogo sem equipamentos de proteção específicos para essa técnica.
A vice-presidente da Associação dos Amigos das Florestas, Flavia Cantal, reforça que, no caso específico da Chapada, a decisão não levou a opinião dos técnicos nem considerou as condições meteorológicas favoráveis que tornariam o uso desnecessário. “Havia chovido no dia anterior e o incêndio já estava praticamente debelado, havendo previsão de chuva volumosa para o mesmo dia, o que de fato ocorreu poucas horas depois", ressaltou.
Na ocasião, foram feitos três lançamentos na região do Catingueiro, próximo ao limite com a APA do Pouso Alto, administrada pelo Estado de Goiás. O uso dos químicos, no entanto, não é autorizado na região nem houve consulta ao governo estadual para a aplicação.
“O Governo de Goiás, por meio de Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), informa que não há nenhuma regulamentação sobre o referido produto químico em Goiás; que não foi consultado sobre sua utilização; e que não é autorizado o uso do mesmo dentro da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto, de gestão sob responsabilidade do governo goiano”, diz a nota da pasta.
Pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) que lidera um projeto do CNPq sobre impactos ambientais de diferentes retardantes de fogo, Carlos Henke de Oliveira esclarece que o correto manejo dos produtos é essencial para que haja efetividade. “Não adianta só jogar o retardante sobre o incêndio. Assim que a aeronave solta o líquido na área onde foi preparado o aceiro, a equipe em solo deve entrar fazendo a contenção do fogo. Como essa articulação seria feita agora, se não houve nenhum treinamento desse tipo?”, indaga o pesquisador, que adverte sobre o perigo do despejo da aeronave atingir os brigadista.
No Pantanal, nascentes, lagoas sazonais, mata ripária e outras zonas úmidas, tão abundantes na região, teriam que ser protegidas da aplicação, o que dificulta a ação no local. “Em vez de gastar recurso público comprando retardantes químicos que não sabemos como usar e que não têm seu uso regulamentado, seria melhor ter contratado mais combatentes antes da temporada do fogo começar”, avalia o biólogo.
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