PANDEMIA

Defesa do uso de vermífugo contra covid gera debate entre especialistas

Embora Ministério da Ciência sustente que nitazoxanida seja eficaz contra o novo coronavírus, comunidade científica questiona a não publicação dos dados da pesquisa apresentada pela pasta

Edis Henrique Peres*
postado em 20/10/2020 22:54 / atualizado em 20/10/2020 22:56

Em coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (19/10), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) afirmou que o medicamento nitazoxanida é eficaz no tratamento da covid-19, no entanto, não apresentou dados do estudo. Patrícia Rocco, doutora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e responsável pelo Estudo Clínico do MCTI, declarou, em coletiva, que “a nitazoxanida, em comparação com o placebo, acarretou ao final da terapia redução significativa da carga viral em um maior número de pacientes”.

A comunidade científica se revela receosa quanto ao estudo do governo e espera a publicação dos dados, que deve ocorrer, segundo a pasta da Ciência, apenas no próximo mês. Para a doutora em Microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, o estudo em questão poderia ter optado pela publicação do preprint, ou seja, a pré-publicação dos dados. “Devido à pandemia, o preprint tem sido encorajado para que a comunidade científica conheça os dados das pesquisas”, afirmou ela.

A infectologista Joana D’arc Gonçalves se mostrou cautelosa com a pesquisa. “Esse antiparasitário é similar a vários outros que têm sido testados nessa linha e que demonstraram uma ação in vitro muito boa, mas, quando partimos para a análise in vivo, os resultados nem sempre são bons”, explicou Joana, que fez parte da pesquisa de eficácia do medicamento no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), coordenada por Patrícia Rocco. O estudo, contudo, era voltado a pacientes em estados mais graves da doença. Essa outra vertente da pesquisa também aguarda por conclusão da análise de dados.

Joana esclareceu que as análises de medicamentos contra Sars-CoV-2 requerem cuidado. “Algumas metodologias de análises no caso da covid são complexas, porque, por exemplo, se eu falo que o remédio diminuiu a carga viral da pessoa, os métodos que temos para poder mensurar isso são controversos. O exame PCR tem uma sensibilidade que vai variar com o tempo e com a técnica, ou seja, existem vários fatores que podem confundir os resultados. Por isso é interessante aguardar os dados oficiais para vermos qual será a utilidade desse tratamento”, ressaltou.

A infectologista Eliana Bicuda, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), apontou alguns problemas nas informações prestadas pelo governo, pois não direcionam para a real eficácia do Estudo do MCTI. “Reduzir carga viral sem impacto na melhora clínica não adianta. O estudo mostrou que o medicamento pode reduzir a carga viral, mas ele não apontou a melhora clínica e o impacto na mortalidade. Os detalhes de faixa etária, comorbidades dos pacientes e uma série de informações ainda não foram publicadas. Precisamos de uma medicação que atue sobre as formas graves da doença”, explicou a médica.

Sem eficácia na prevenção

Na ocasião o ministro do MCTI, Marcos Pontes, disse que o medicamento é seguro de usar, tem baixo custo e não apresenta efeitos colaterais sérios, contudo relembrou que o vermífugo deve ser usado apenas como tratamento e não tem eficácia na prevenção da covid-19. O estudo demonstrou uma eficácia de 94% de capacidade em inibir o novo coronavírus e reduzir a carga viral dos pacientes, de acordo com a pasta.

A pesquisa contou com 1.575 voluntários, com até três dias de sintomas do novo coronavírus e foi realizado sob a metodologia duplo-cego, ou seja, os voluntários foram separados em dois grupos e nem médicos ou pacientes sabiam qual grupo estava recebendo a nitazoxanida ou placebo. As doses do placebo ou Nitazoxanida 500 mg foram administradas três vezes ao dia, durante 5 dias. Ao fim do tratamento, os pacientes faziam novos exames e eram monitorados por mais sete dias.

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro

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