DESASTRE DE MARIANA

Procuradora do MPF no caso Samarco diz: "Sensação é de consternação"

Coordenadora da força-tarefa Rio Doce afirma que, prestes a completar cinco anos do desastre, vítimas ainda não foram integralmente indenizadas, tampouco meio ambiente foi recuperado

Sarah Teófilo
postado em 29/10/2020 20:42 / atualizado em 29/10/2020 21:27
 (crédito: 
Christophe Simon/AFP %u2013 6/11/15

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(crédito: Christophe Simon/AFP %u2013 6/11/15 )

Prestes a completar cinco anos do desastre de Mariana (MG), com o rompimento da barragem do Fundão, na semana que vem, a coordenadora da força-tarefa Rio Doce, procuradora Silmara Goulart, do Ministério Público Federal (MPF), diz que a situação atual gera uma sensação de “consternação e tristeza”. Juntamente com outros promotores do grupo, ela falou sobre as ações nesta quinta-feira (29/10), externando críticas à mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, e a outros envolvidos, perante à falta de solução do caso, com a indenização às famílias.

“Nenhum grupo de atingidos, seja de agricultores, artesãos, pescadores, foi integralmente indenizado. O meio ambiente também não foi integralmente recuperado. Sequer o distrito de Bento Rodrigues, símbolo do desastre, foi reconstruído. E duas das empresas mais ricas do mundo não conseguiram reconstruir o distrito. O auxílio emergencial a pessoas vulneráveis, que pararam de trabalhar por causa do desastre, foi suspenso em plena pandemia”, afirmou Silmara.

A coordenadora fez uma fala com críticas à postura das empresas envolvidas. Conforme Silmara, os responsáveis pelo desastre, que matou 19 pessoas e atingiu 39 cidades, “preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana”. A procuradora frisou que ao longo dos cinco anos, o MPF buscou todas as estratégias possíveis para resolver a situação, reparando o dano já sofrido pelas famílias atingidas.

Foram realizados, segundo ela, acordos, ações, investigações, recomendações e o MPF recorreu de decisão. “Mas os resultados ainda são frustrantes, apesar de todo o nosso esforço. As empresas preferem investir na contratação dos maiores escritórios de advocacia do país, para negar direitos aos atingidos; preferem contratar agências de publicidade para produzir peças publicitárias que contradizem dados colhidos em campo não só por nossos peritos, mas por outros especialistas, e veicular na mídia a preços astronômicos, em vez de construir soluções”, afirmou.

Decisões prejudiciais

O MPF de Minas entrou com um mandado de segurança contra decisões do juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) nos autos da ação civil pública que trata do desastre do rompimento da barragem de Fundão. Conforme o órgão, os atingidos foram prejudicados pelas decisões.

O procurador Edilson Vitorelli afirmou que o MPF descobriu 13 processos que foram desmembrados e estavam sendo conduzidos sem intimar o órgão federal. Nove desses estão em segredo de Justiça. “Se fosse coisa boa aos atingidos, não estaria sendo feito de forma oculta”, disse. Nesses processos, o procurador aponta decisões que não abrangem o real dano sofrido pelos atingidos.

Os valores das indenizações, segundo o MPF, são de R$ 10 mil, algo apontado como irrisório em relação à magnitude da situação. A matriz de dano estabelecido nos processos, conforme o procurador, foi fixada com base em uma critério sem sentido, cujo cálculo não está previsto.

Vitorelli frisa, ainda, que chama atenção o fato de que as comissões de atingidos que estão nos processos são representados por uma advogada que atua em um escritório pequeno, sozinha, em Baixo Guandu, com alguns colegas de faculdade. “Causa dificuldade de compreender por quais razões permitiu-se que processos acompanhados por nós fossem conduzidos por advogados que não têm histórico e estão enfrentando os maiores escritórios de advocacia do país”, disse.

O procurador aponta que os processos foram “combinados” entre as partes. Exemplo disso, segundo ele, é que apesar de terem perdido, as empresas não recorreram das decisões. “Fica claro que essas pessoas ganharam no processo do mesmo jeito que o meu filho de 4 anos ganha de mim no xadrez. É uma falsa vitória. E essa vitória combinada, que chamamos no Direito de lide simulada, que não tem uma briga de verdade, gerou uma matriz de danos composta por número aleatórios e prejudiciais aos atingidos”, disse.

Vitorelli pontua que um cancelamento de voo gera uma indenização por dano moral de R$ 10 mil. “Está equiparando um cancelamento de voo com o maior desastre do país. E os atingidos estão ansiosos para receber esse valor, porque estamos aqui há cinco anos. O que esses processos configuram é um abuso contra essas pessoas”, afirmou, ressaltando que as vítimas já estão sem esperança.

Adiamento

Ainda que estejam recorrendo das decisões, ao apresentar um mandado de segurança, o MPF quer que as empresas paguem o que já foi definido nos referidos processos, visto que não recorreram. “Apesar da invalidade do processo, ela não pode ser usada pelas empresas para impedir os pagamentos que elas também já concordaram. E que esses pagamentos não impliquem em quitação e desistência de quaisquer outras ações”, disse, explicando que os valores devem ser pagos como adiantamento de indenização.

Segundo o procurador, o MPF ainda está pedindo que o TRF1 impeça as empresas de exigirem dos atingidos “a assinatura de um Termo de Quitação Integral e Definitiva e de um termo de desistência de ações que tramitam em fórum estrangeiro, tornando sem efeitos jurídicos todos os que já tiverem sido assinados”. Na prática, se assinassem isso, desistiriam de quaisquer outras ações.

O nota, o TRF1 informou que o juiz da 12ª Vara Federal de Minas não irá se manifestar pelo fato de o tema estar judicializado. O órgão afirmou, ainda, que “foram proferidas sentenças determinando o pagamento das indenizações dos atingidos, especialmente das categorias informais”, em Naque (MG), Baixo Guandu (ES), São Mateus (ES), Linhares (ES) e Aracruz (ES).

A assessoria do órgão enviou, ainda, um relatório da Fundação Renova com número de reparação aos danos na região. A referida fundação foi criada pela Vale, BHP Billiton e Samarco para fazer a mobilização a fim de conseguir a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem.

Confira a nota da Samarco:

A Samarco afirma que não mede esforços para promover o quanto antes e de forma satisfatória o processo reparatório dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, previsto nos acordos firmados com os estados, a União e as empresas que garantem a reparação integral das pessoas e das áreas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

Os acordos preveem a participação das comunidades atingidas nas ações reparatórias conduzidas pela Fundação Renova, além de um processo de repactuação voltado à resolução consensual de litígios.

A empresa reafirma, mais uma vez, o compromisso com as ações de reparação e remediação executadas pela Fundação Renova. Até setembro de 2020, foram destinados pela Samarco e suas acionistas mais de R$ 10 bilhões para as medidas que estão sendo conduzidas pela Fundação Renova, entidade autônoma e independente criada por meio do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em março de 2016.

Assessorias técnicas

A Samarco informa que aguarda uma definição da Justiça a respeito das contratações das assessorias técnicas, após a conclusão do processo de escolha pelos atingidos. As propostas apresentadas pelas 18 assessorias técnicas não se adequam ao escopo, prazo e requisitos técnicos estabelecidos no acordo assinado entre os Ministérios Públicos e as empresas, se refletindo em pleito superior a R$ 700 milhões. É relevante ressaltar que as comunidades de Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova já contam com assessorias técnicas mobilizadas.

 

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