Convidada da edição do Correio Talks sobre os avanços no tratamento da hemofilia, a diretora da Divisão de Hematologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade de Campinas, Margareth Ozelo, traçou um panorama das terapias desenvolvidas e as perspectivas do cenário brasileiro. Ela ressaltou, primeiramente, os dois conceitos mais conhecidos para o tratamento da hemofilia.
O primeiro é chamado de tratamento por demanda. É aplicado para impedir o sangramento que acomete o portador de hemofilia mediante a aplicação de proteínas coagulantes. Essa técnica é a mais antiga e tem benefícios limitados, pois exige aplicações frequentes de injeções e prejudica a qualidade de vida do paciente. O segundo tipo de tratamento, denominado profilaxia, já constitui um avanço terapêutico. Nesse caso, o paciente recebe a proteína deficiente, de forma a manter o nível de coagulação necessário na corrente sanguínea e evitar sangramentos.
Margareth ressaltou que o tratamento de profilaxia também tem desafios a superar. Ela cita, por exemplo, o tempo de permanência das proteínas inseridas na circulação sanguínea do paciente. “Hoje, nós temos várias tecnologias chamadas fatores de longa duração, que fazem com que esse fator de coagulação fique mais tempo na circulação. Um paciente que precisava de três ou duas infusões por semana, com uma única infusão por semana, ele consegue reter o mesmo nível de proteção. No entanto, os produtos de Fator 8 de longa duração, hoje disponível, não tiveram o mesmo resultado”, comparou.
Margareth também comentou sobre novos tratamentos, como a terapia gênica. “O princípio é o seguinte: nos tratamentos já citados, a gente repõe a proteína ou uma molécula para fazer a ação e recuperar a coagulação. No caso da terapia gênica, a ideia é, ao invés de uma proteína, repor a sequência do DNA que está deficiente naquele paciente, para uma célula que vai ajudar a produzir a proteína. A grande diferença, aqui, é que nos outros tratamentos, se forem interrompidos, você perde o efeito. No caso da terapia gênica, se houver sucesso, as células que receberam essa sequência de DNA sempre produzirão a proteína, sem a necessidade de outras infusões”, detalhou a diretora do Departamento de Clínica Médica da Unicamp.
Segundo Margareth Ozelo, a terapia gênica é capaz de manter níveis contínuos de fatores da coagulação para prevenir o sangramento. Uma única infusão bem-sucedida traz estabilidade ao paciente. “Não há dúvida de que vários avanços aconteceram no Brasil, principalmente nos últimos 10 anos”, concluiu a doutora. Ela disse esperar que esse tratamento esteja disponível no Brasil em breve. “O mais importante de tudo, que sempre gosto de frisar, é que temos que garantir que todos tenham acesso ao tratamento”, ressaltou a especialista.
Alinhada ao ponto de vista de Margareth Ozelo, a presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH),Tania Pietrobelli, também defendeu a universalização das soluções terapêuticas. “No trabalho da Federação Brasileira de Hemofilia, a nossa missão é advogar pelo melhor tratamento para todos. Porque não adianta privilegiar uns e deixar outros de lado”, disse a presidente.
O presidente da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e América Latina, Adib Jacob, destacou as pesquisas da empresa no desenvolvimento da terapia gênica. “Temos vários projetos avançados em terapia gênica, de forma que, em um futuro próximo, poderemos estar continuamente contribuindo no tratamento dessa patologia com novas plataformas de tratamento”, disse.
Glossário
Coagulação
Processo que forma coágulos para estancar o sangramento
Coágulo
É o sangue transformado em um tecido mais sólido, por meio da coagulação
Cromossomo
Estrutura da célula que contém o material genético
Hemartrose
Sangramento dentro de uma articulação
Hemopatias
Doenças do sangue
Hemostasia
É a resposta natural do corpo para prevenção e interrompimento de sangramentos
Plasma
É a parte líquida do sangue, na qual estão dissolvidos proteínas, sais minerais e gás carbônico, por exemplo.
Unidade per capita
Resultado de cálculo feito para determinar a quantidade de Fator VIII necessária para garantir a sobrevivência dos pacientes hemofílicos por ano.