VACINA

AGU diz ao STF que decisão final sobre vacinas deve caber ao Executivo

Corte julga ações de partidos políticos para que governo seja obrigado a adquirir imunizantes contra a covid-19. Segundo a AGU, como ainda não há nenhuma vacina comprovadamente eficaz, qualquer debate acerca de compra é prematuro

Augusto Fernandes
postado em 04/11/2020 11:34
 (crédito: Wang Zhao/AFP - 24/9/20)
(crédito: Wang Zhao/AFP - 24/9/20)

A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou duas manifestações ao Supremo Tribunal Federal (STF) nas quais defende que deve caber ao Poder Executivo qualquer decisão que envolva a compra, a distribuição e a aplicação de uma futura vacina contra o novo coronavírus. Além disso, a instituição diz que o Judiciário não pode interferir nas políticas públicas do governo federal ou obrigar o Executivo a adotar ações voltadas para a saúde.

“Trata-se não apenas de deferência pela escolha dos representantes eleitos, mas também do reconhecimento de que outros Poderes podem ter maior aptidão para decidir sobre determinados assuntos, como ocorre no presente caso. Afinal, há que se reconhecer a primazia da atuação do Poder Executivo na elaboração e implementação de políticas públicas de saúde”, frisa o advogado-geral da União, José Levi Mello, que assina os documentos.

Os pareceres são uma resposta da AGU aos pedidos apresentados à Suprema Corte por partidos políticos que querem que o governo seja obrigado pelo STF a adquirir todas as vacinas contra a covid-19 que estão em desenvolvimento, independentemente da origem dos imunizantes.

As ações foram protocoladas na Suprema Corte depois de o presidente Jair Bolsonaro ter ordenado o cancelamento de um acordo assinado em 20 de outubro entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan que firmou a intenção do governo federal de comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, produzida pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, no caso de a vacina receber o certificado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nas manifestações, Mello diz que “em razão do caráter complexo, volátil e emergencial das ações de enfrentamento à covid-19, a decisão há de ser reservada ao rigoroso juízo técnico-científico de autoridades sanitárias competentes com atuação nacional, capazes de tomar decisões estratégicas e com visão de conjunto — escala decisória que somente encontra condições de institucionalização adequada na Administração Pública Federal”.

Ele também analisa que, “a partir da interpretação sistemática da legislação sanitária, é possível concluir que apenas o Ministério da Saúde pode definir a medida mais adequada dentre as opções de imunização disponíveis”.

Falta de comprovação científica

O advogado-geral da União lembra que, como ainda não há nenhuma vacina comprovadamente eficaz contra o novo coronavírus, qualquer debate sobre como o governo federal deve proceder na aquisição dos imunizantes “se revela de certo modo prematuro”.

Além disso, ele alerta que “é importante destacar, a propósito, que ainda não existe comprovação científica a respeito da eficácia da vacina CoronaVac para a prevenção da covid-19”. Mello também destaca que “a vacina deve ser eficaz e segura, ou seja, deve gerar uma resposta imunológica robusta e não deve gerar reações adversas relevantes”.

“A construção de uma casa começa pelo alicerce, não pelo telhado. Portanto, antes de mais nada, é preciso que exista uma vacina. É necessário ter em mente que a discussão sobre compra, distribuição e aplicação de uma vacina — inclusive no que se refere à eventual obrigatoriedade — pressupõe um elemento essencial, qual seja, a prévia existência da própria vacina, obviamente testada, comprovada e registrada na origem e na Anvisa.”

Segundo o advogado-geral da União, “se uma vacina vier a passar por todas as comprovações técnicas necessárias, segundo rigorosa metodologia científica, será devidamente regulamentada e, assim, naturalmente, será buscada de forma espontânea pela população”. Do contrário, ele observa que, “no caso de uma vacina de pouca ou média eficácia, bem assim de duvidosa segurança, ninguém ou quase ninguém a demandaria por objetiva e intuitiva questão de credibilidade; ademais, em situação ordinária, uma vacina do tipo nem sequer seria registrada”.

“Medidas urgentes no que se refere à vacinação pressupõem a existência de vacina testada e registrada, de comprovadas eficácia e segurança, a teor do quanto já exposto. Infelizmente, ainda não é esse o caso. Em se tratando de decisões relacionadas à definição e implementação de políticas públicas complexas como a inerente à necessária ao combate de uma pandemia de um vírus ainda não completamente conhecido, há que se ter prudência”, pondera.

Governo está atuando

Mello garante nas manifestações enviadas ao STF que o governo não está sendo omisso no combate à pandemia e que o Executivo tem adotado estratégias com o objetivo de assegurar o acesso a futuras vacinas para a covid-19. Dentre as ações, ele cita a medida provisória assinada por Bolsonaro em agosto que abriu crédito extraordinário no valor de quase R$ 2 bilhões em favor do Ministério da Saúde, para garantir ações necessárias à produção e disponibilização, pela Fiocruz, da vacina de Oxford/AstraZeneca.

“O Poder Executivo da União, longe de manter-se inerte frente aos desafios da atual pandemia, tem atuado de forma coordenada e tecnicamente embasada em inúmeras frentes de ação, efetuando investimentos responsáveis no desenvolvimento de tecnologia para a neutralização de uma crise sanitária sem precedentes”, destaca.

“É irrecusável que a pandemia ainda em curso já vitimou milhares de brasileiros, afligindo todos os segmentos da sociedade. Não obstante, o poder público brasileiro tem diligenciado ativamente para ampliar a sua capacidade de atendimento. Ainda que a execução da política administrativa não seja infalível ou imune a críticas, ela certamente não é inconstitucional, e enquadrá-la dessa forma pode criar mais dificuldades do que soluções”, acrescenta.

Separação dos poderes

De acordo com Mello, os pedidos elaborados pelos partidos são “uma clara tentativa de transferência de competências decisórias sobre saúde para o Poder Judiciário”. Ele também aponta que “esse tipo de pretensão de reconfiguração de políticas públicas está em contravenção com a própria leitura que essa Suprema Corte tem feito sobre o princípio da separação dos poderes”.

“Segundo a jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal, nem mesmo o constituinte estadual possui autoridade para elaborar esquemas de planejamento administrativo que imponham prazos rígidos ao Poder Executivo. Em diversos julgados, o Plenário desse Supremo Tribunal Federal invalidou normas constitucionais locais que exigiam elaboração de planos por parte do Legislativo, por entender que determinações dessa natureza colocariam em descrédito a reserva de administração e os poderes de iniciativa dos governadores estaduais”, pontua.

Nos documentos, Mello ainda aponta que “é preciso ressaltar, a propósito, que as atribuições concernentes à implementação de políticas públicas, como as ora demandadas do Poder Judiciário, inserem-se, em sua totalidade, rigorosamente dentro da margem de atuação do Poder Executivo, de modo que eventual intervenção judicial no referido mister representaria indiscutível malferimento ao basilar princípio da separação dos poderes”.

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