Eleições

Prefeitos eleitos assumirão municípios economicamente quebrados

Maior parte das localidades pelo país enfrenta problemas fiscais graves, potencializados pela pandemia. Especialistas apontam que eleitos terão de fazer correções na Previdência, cortar despesas e atrair investimentos privados

Simone Kafruni
postado em 16/11/2020 06:00 / atualizado em 20/11/2020 11:43
 (crédito: : Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: : Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)

A maior parte dos municípios brasileiros está quebrada. As administrações enfrentam problemas fiscais graves, com excesso de pessoal, ineficiência na gestão, saúde precária, educação em frangalhos e serviços ruins. A pandemia agravou ainda mais o quadro, que será herdado pelos prefeitos eleitos neste domingo ou no próximo dia 29. Isso deve intensificar a pressão sobre o governo federal, a partir do ano que vem, segundo especialistas. Os analistas apontam que, para superar as adversidades, os vencedores do pleito terão de promover correções na Previdência, implementar sistemas de gestão com uso de tecnologia, reduzir a burocracia para melhorar o ambiente de negócios e atrair investimentos privados e cortar despesas.


Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, os prefeitos eleitos deveriam governar com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sobre a mesa. Segundo ele, os gestores terão de conter as despesas com pessoal, sustando novas contratações e aumentos salariais; reduzir a quantidade de cargos comissionados; reequilibrar os gastos previdenciários e enxugar as despesas administrativas, entre outras providências imediatas. “Essas medidas, entretanto, não são populares. Resta saber, portanto, se os prefeitos eleitos vão trilhar o caminho da austeridade e da responsabilidade fiscal ou se farão aventuras populistas”, afirma.


De acordo com pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), três em cada quatro municípios brasileiros apresentam gestão fiscal em dificuldades ou em situação crítica. E um terço das cidades do país não se sustenta, já que a receita gerada localmente não é suficiente para custear a Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa da prefeitura. Os alertas são do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) 2019. O estudo faz referência a 2018 e avalia as contas de 5.337 municípios, que concentram 97,8% da população brasileira.


Na opinião do professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Calmon, parte da crise dos municípios decorre do aumento da despesa e outra parte, da queda de arrecadação. “A pandemia deve ter reduzido ainda mais a receita. A crise econômica começou em 2015. Desde então, o país vinha se recuperando de forma muito lenta e acabou afundando com o coronavírus”, avalia. A recuperação depende do governo federal, da economia mundial e da crise sanitária. “Está fora do controle dos prefeitos. Os ajustes que eles podem fazer são poucos e difíceis, porque há pressão para aumento de despesa e queda de arrecadação”, diz.


Para Calmon, é perigoso reduzir pessoal, neste momento, porque o desemprego está alto. “Os municípios vão precisar de ajuda do governo federal, mas falta uma estratégia nacional para enfrentar as crises sanitária e econômica. Não há muita margem de manobra para os prefeitos eleitos”, explica.


Segundo ele, a recuperação das finanças está muito associada à da economia e a mudanças que o país precisa. “A ideia de que a reforma tributária pode trazer alívio para os municípios não parece clara. O Brasil tinha de repensar todo o pacto federativo, a divisão de atribuições e distribuição de receitas, de maneira a criar ambiente propício à sustentabilidade financeira. Isso passa pelas duas reformas, tributária e administrativa. Mas não basta, simplesmente, fazer reforma estrutural se não houver recuperação da economia e essa só vai acontecer com estratégia.”

Dependência


Cristiano Noronha, sócio e vice-presidente da Arko Advice, lembra que os prefeitos, especialmente os dos municípios mais carentes, terão dificuldade de autonomia, baixa arrecadação e alta dependência de transferências da União. “Essas cidades foram beneficiadas pela injeção de recursos do auxílio emergencial, mas o benefício vai acabar e criar vários tipos de problemas para esses municípios, com cobrança por parte da população”, destaca.


Há, conforme Noronha, a expectativa de que os prefeitos que vão herdar as administrações pelos próximos quatro anos tentem forçar o governo federal a implementar outras medidas que, de certa forma, aumentem as receitas municipais. “É um desafio enorme. Essa população que deixará de receber o auxílio vai pressionar o gestor local por mais qualidade de serviços e deixar de consumir, derrubando, ainda mais, a arrecadação dos municípios. Isso fará com que os novos prefeitos pressionem por mais recursos. Não à toa, no primeiro semestre do ano seguinte às eleições, ocorre a marcha a Brasília, com pauta de reivindicações. A pressão, certamente, vai aumentar no início de 2021.”

Gestão fiscal crítica

Os indicadores da Firjan apontam que 3.944 cidades (73,9% do total) apresentam gestão fiscal em dificuldade ou crítica. Entre elas, há nove capitais: Florianópolis, Maceió, Porto Velho, Belém, Campo Grande, Natal, Cuiabá, Rio de Janeiro e São Luis. Muitos municípios nem sequer têm autonomia: 1.856 não geram receita suficiente para a manutenção da estrutura administrativa.

O IFGF aponta que 2.635 cidades brasileiras (49,4% do total) gastaram em 2018 mais de 54% da Receita Corrente Líquida com a folha de salário do funcionalismo público, ultrapassando o limite de alerta da LRF. Entre esses municípios, 821 estão fora da lei por comprometerem mais de 60% da receita com esse tipo de despesa. Em 2018, 1.211 municípios terminaram o ano sem recursos em caixa para cobrir despesas postergadas para 2019. Além disso, o estudo aponta que apenas 3% da receita são destinados a investimentos, em média, por quase metade do país: 2.511 prefeituras (47% do total), comprometendo o futuro das cidades.

No entender de Raul Velloso, especialista em contas públicas, no entanto, os prefeitos eleitos terão de fazer correções da Previdência. “Há municípios, como o Rio de Janeiro, que já zeraram sua capacidade de investimento no ano passado. A disponibilidade de dinheiro para investir é relevante”, explica. Segundo ele, o principal item do gasto é a Previdência. “Vem subindo há muito tempo e vai continuar subindo. Se nada for feito, o espaço para investir desaparece, porque os demais gastos são rígidos”, assinala.

Com a pandemia e o fechamento de muitas empresas, os governos municipais estão arrecadando menos. Como elevar a carga tributária não é uma opção, de acordo com Janderson Janderson Reis, gerente de Marketing e Comercial da Softplan, resolver os problemas dos municípios passa por aumentar investimentos. “Para isso, são necessários atrativos. É preciso resolver burocracia, garantir transparência e confiança. A tecnologia consegue dar essa agilidade”, diz.

Conforme pesquisa da empresa, maior parte dos cidadãos insatisfeitos pede serviços básicos. “Hoje, no Brasil, o maior problema é abrir uma empresa. Com uso de tecnologia, a Prefeitura de Florianópolis conseguiu reduzir o tempo para 4 horas horas. A média brasileira é de dois dias e 21 horas. Em Brasília, é de 1 dia e 2 horas”, aponta. Com abertura de mais empresas, a economia pode se movimentar mais rapidamente e gerar mais recursos para as cidades.

 

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