O desmatamento na Amazônia bateu novo recorde. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com base no sistema do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), apontam que, entre 1º de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020, foram desmatados 11.088 quilômetros quadrados (km²) de floresta ante 10.129 km² no período anterior (2018/2019), uma alta de 9,5% entre os dois períodos.
O sistema Prodes, há décadas, apura dados precisos sobre a destruição que avança na maior floresta tropical do planeta. O número, no entanto, é uma estimativa. Os dados consolidados serão apresentados no primeiro semestre do ano que vem. As informações referem-se ao desmatamento ocorrido totalmente no atual governo.
Para o WWF-Brasil, os dados comprovam o total descolamento dos desafios e oportunidades do século 21 em relação à floresta: “Por um lado, o aproveitamento do imenso potencial de bioativos da natureza em um dos biomas mais ricos em biodiversidade em todo o mundo; por outro, a necessidade de controlar alterações do clima e do regime de chuvas tão importantes para a matriz energética, a segurança hídrica e o agronegócio nacional”.
Com essa área desmatada, o Brasil descumpre o Acordo de Paris, ratificado pelo Congresso Nacional, e sua própria Lei de Mudanças Climáticas sancionada em 2009. O desmatamento na Amazônia também sinaliza o crescente risco às populações indígenas e comunidades tradicionais, constantemente ameaçadas por grileiros e garimpeiros ilegais.
O aumento do desmatamento na Amazônia brasileira ocorre, conforme o WWF-Brasil, devido à sensação de impunidade. Dados oficiais mostram que 2019 e 2020 tiveram o menor número de penalidades por desmatamento ilegal em duas décadas. “Essa sensação é reforçada pela expectativa de regularização gerada pelo atual governo de atividades hoje ilegais, como invasões recentes de grandes glebas de terras públicas que seriam beneficiadas com a mudanças nas regras de regularização fundiária, e o garimpo em áreas protegidas, como prevê o Projeto de Lei 191/20, da Presidência da República. De acordo com o anúncio do Inpe, 30% da área desmatada se deu em áreas públicas não destinadas”, informa a organização.
Repercussão
“O claro foco em agropecuária e mineração é mais uma evidência de que a estratégia do atual governo se baseia no modelo de desenvolvimento da década de 1970, quando a noção de bioeconomia sequer existia”, diz Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
Segundo ela, impor um modelo ultrapassado de ocupação, em vez de pesquisar e explorar a rica biodiversidade da Amazônia, por exemplo, é querer manter o Brasil na economia colonial, quando o país só podia exportar commodities de baixo valor agregado. “Olhar para a Amazônia pelas lentes do século 21 abre novas oportunidades — inclusive para o agronegócio”, destaca. “Existem soluções para, no curto prazo, reverter a tendência de aumento do desmatamento na região.”
Boiada
Para o diretor executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, os números mostram o “sucesso” da política de desmatamento conduzida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sob a orientação do presidente Jair Bolsonaro. “Eles estão passando a boiada”, disse Astrini, citando a conhecida frase de Salles durante reunião ministerial de 22 de abril passado, na qual o ministro salientou a oportunidade de flexibilizar medidas de proteção ambiental, no momento em que as atenções do país estavam voltadas para a pandemia do novo coronavírus.
De acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), nos primeiros cinco meses deste ano, o governo reduziu drasticamente os gastos em atividades de inspeção florestal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Foram R$ 5,3 milhões, ante R$ 17,4 milhões no mesmo período de 2019.
*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo
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Mourão: "Podia ser pior ainda"
Ao comentar ontem os dados sobre o desmatamento na Amazônia, o vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que o resultado foi o “menos pior”. “Vamos dizer o seguinte: foi menos pior. Essa é a realidade. Podia ser pior ainda”, disse. “A expectativa que nós tínhamos, inclusive já tinha até sido publicada, é que ia dar 20% acima do ano passado, então, deu 9,5%”, justificou, ao chegar ao Palácio do Planalto.
Para Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, a expectativa para o próximo ano é de redução no índice de desmatamento. “Qual é o estágio final desejado? É que só haja o desmatamento dentro da legislação, aquele de 20% de cada propriedade, que não ocorra nada em unidade de conservação, que não ocorra nada em terra indígena e que não ocorra nada em terra pública”, emendou.
Segundo o vice-presidente, a estratégia do governo de combate a crimes ambientais está “dentro do programado” e não há planos de uma reavaliação. “Estamos com uma tendência de queda (do desmatamento) desde maio quando a gente iniciou a Operação (Verde Brasil). A expectativa é que ia dar 20% acima do ano passado. Então, deu 9,6% e nós temos de continuar na pressão”, disse.
De acordo com Mourão, há uma tendência de redução em 50% do desmatamento em novembro comparado com o mesmo período do ano passado. “O que estamos fazendo está dentro do programado. Têm coisas que eu não consegui resolver ainda. Regularização fundiária vocês já me viram falar aqui 500 vezes e eu não consegui avançar. Já falei, é minha responsabilidade e eu tenho de que dar um jeito nisso aí”, continuou.
Ibama
Mourão comentou ainda sobre a necessidade de aumento do efetivo do Ibama. Ele disse que o assunto é responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, que deve negociar com a área econômica do governo. Apesar da ressalva, opinou que uma alternativa seria a contratação de agentes temporários.
“Isso é responsabilidade do Meio Ambiente, que tem de discutir com a Economia. A Economia está vivendo as dificuldades relativas à questão fiscal, nós não temos nem Orçamento, então vamos ver como é que a gente resolve. A solução paliativa é contratação de gente temporária”, declarou.