Violência

Assassinato de juíza reacende debate sobre feminicídio no país

Magistrada do TJ-RJ é assassinada a facadas por ex-marido na Barra da Tijuca; em Santa Catarina, homem matou a ex a tiros na frente da família dela. STF e CNJ prometem atuar para estudar maneiras de "prevenir e de erradicar" barbaridades contra a mulher

Jorge Vasconcellos
postado em 26/12/2020 06:00
 (crédito:  Reprodução)
(crédito: Reprodução)

Entidades da magistratura brasileira afirmam que o feminicídio cometido contra a juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, não ficará impune. Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux, divulgou uma nota lamentando a morte da juíza. No comunicado, Fux diz que o feminicídio da magistrada mostra o quão urgente é o debate sobre violência doméstica no país e afirma que STF e o CNJ “se comprometem com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar” este tipo de crime contra mulheres.

Ela foi morta a facadas pelo ex-marido, na noite de quinta-feira, véspera de Natal, na frente das três filhas. O engenheiro Paulo José Arronenzi, 52 anos, que tem histórico de violência de gênero, não tentou fugir depois do crime contra a ex-mulher e permaneceu próximo ao corpo, até ser preso em flagrante pela polícia. O homem recebeu voz de prisão e foi levado à Divisão de Homicídios, também na Barra da Tijuca. Ele não quis prestar depoimento e disse que só falará em juízo, segundo informações da polícia. Ontem, foi transferido para um presídio.

Há três meses, a juíza chegou a denunciar o ex-marido por lesão corporal e ameaças. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), onde a vítima era lotada, providenciou uma escolta para Viviane, mas ela abriu mão da proteção. Em 2007, uma ex-namorada de Arronenzi já havia denunciado o engenheiro por agressão.

O crime contra Viviane foi registrado em um vídeo que circulou nas redes sociais e foi analisado pela polícia. Nas imagens, as três crianças do casal aparecem pedindo, sem sucesso, para o pai parar de esfaquear a mãe. Para os investigadores, Paulo José Arronenzi premeditou o crime. No carro dele, foram apreendidas três facas, contudo, a que foi usada para matar a ex-mulher não foi encontrada.

Repercussão

Em sua manifestação, Fux destacou que a violência que assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais precisa ser enfrentada de acordo com o estabelecido pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995. O presidente defendeu que o esforço integrado entre os Poderes e a sensibilização da sociedade “são indispensáveis e urgentes para que uma nova era se inicie e a morte dessa grande juíza, mãe, filha, irmã, amiga, não ocorra em vão”.

O TJ-RJ divulgou nota em que “lamenta profundamente” a morte da juíza Viviane Arronenzi. Em comunicado conjunto, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) expressaram “extremo pesar” pelo que classificaram como “covarde assassinato da juíza”.

“As entidades representativas dos magistrados fluminenses e brasileiros se solidarizam com os parentes e amigos da pranteada magistrada. Este crime bárbaro não ficará impune, asseguramos”, destaca a nota.

A presidente da AMB, Renata Gil, a primeira mulher a ocupar essa posição nos 70 anos de história da entidade, afirmou, em entrevista ao Correio, que esse novo caso de feminicídio “mostra bem como nós todos estamos vulneráveis em uma sociedade com um pensamento ainda patriarcal”.

“AMB, por mim representada, está absolutamente consternada e indignada com esse assassinato brutal. A AMB tem trabalhado muito fortemente no combate à violência contra a mulher; durante a pandemia nós vimos que os números recrudesceram. Nós lançamos a campanha Sinal Vermelho, que virou projeto de lei federal”, disse a magistrada.

Ela se refere à campanha lançada em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que orienta as vítimas de violência doméstica a desenharem um “X” vermelho na palma da mão como forma de denunciar as agressões. Em cerca de 10 mil farmácias em todo o país, os atendentes, ao verem o sinal, acionam imediatamente a polícia.

“A gente precisa quebrar esse pensamento patriarcal e avançar com medidas efetivas no combate à violência contra a mulher, especialmente na questão da punição. Acabar com esse sentimento de impunidade, de que pode valer a pena atacar uma mulher. Não vale”, frisou a presidente da AMB.

Outro caso

Thalia Ferraz, de 23 anos, foi morta a tiros na frente de familiares na noite da véspera de Natal. O caso ocorreu em Jaraguá do Sul (SC). A suspeita também é de que o ex-companheiro tenha cometido o crime. Momentos antes de ocorrer o assassinato, o homem teria enviado uma mensagem por um aplicativo, indagando à vítima se ela gostava de surpresas, uma vez que teria uma “inesquecível” naquela noite. O crime foi confirmado pela Polícia Civil de Santa Catarina, que ainda investiga os detalhes do caso. O suspeito estava foragido até o fechamento desta edição.

Os casos de feminicídio, no Brasil, cresceram 1,9% no primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 648 assassinatos motivados pelo fato de as vítimas serem mulheres. Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

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