Atrasado no início da vacinação comparado a outros países da América Latina e da Europa, o Brasil ainda vive a expectativa de terminar as negociações com empresas produtoras de vacinas a fim de garantir doses para começar a vacinação no início de 2021. Ontem, em meio aos trâmites finais para fechamento de contratos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cobrou dos fabricantes de vacinas: “Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”, indagou.
Em comunicado, a Pfizer, uma das empresas com as quais o Ministério da Saúde mantém negociações a fim de garantir 70 milhões de doses do imunizante contra a covid-19, afirmou que a submissão para uso emergencial pede detalhes, como o quantitativo de doses, que só serão definidos na celebração do contrato definitivo. Na última semana, o Ministério da Saúde indicou que as tratativas seriam concluídas em “questão de dias”, mas, desde então, nenhum comunicado oficial foi divulgado pela pasta.
Sem afirmar se as negociações estão ou não em fase final, o comunicado divulgado ontem , pela Pfizer, sobre o acordo com o governo brasileiro, diz que a empresa aguarda “decisões do governo brasileiro para avançar e estabelecer um contrato de fornecimento, tendo como base termos e condições acordados e necessários para um acordo definitivo, com base nas doses ainda disponíveis para distribuição”.
Além de esperar os detalhes finais do contrato, a Pfizer ainda explicou, na nota, que as condições estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso emergencial de uma vacina no país pedem análises específicas para o Brasil, o que leva mais tempo de preparação. “Um exemplo é a solicitação de uma análise dos dados levantados exclusivamente na população brasileira, o que demanda tempo e avaliações estatísticas específicas. Outras agências regulatórias que possuem o processo de uso emergencial analisam os dados dos estudos em sua totalidade, sem pedir um recorte para avaliação de populações específicas”, explicou a empresa.
A empresa se reunirá com a Anvisa amanhã em uma nova reunião. O encontro marcado antes do Natal será realizado com a segunda diretoria da agência, liderada pela diretora Meiruze Freitas. A Pfizer já realizou outra reunião com o órgão regulador em 14 de dezembro para esclarecer dúvidas sobre o processo de submissão para uso emergencial.
Fim da fila
Para especialistas, a situação expõe a falta de iniciativa do governo brasileiro na compra de um imunizante. “O presidente se apoia em uma situação de normalidade que não existe, a gente tem urgência para ter acesso a essa vacina, não é um procedimento eletivo. (...) A vacina é o caminho para o fim da pandemia. É o início do fim, e, por isso, há uma disputa internacional para ter acesso ao imunizante. Em uma situação excepcional de emergência, o governo tem que ir atrás de negociar com as empresas. Você tem uma situação de alta demanda e um produto escasso. Se o governo não tiver uma ação protagonista, vai ficar no final da fila”, avalia o médico sanitarista e professor na Fundação Getulio Vargas (FGV) Adriano Massuda.
Ele explica que, em uma situação de normalidade,nfabricantes de vacinas e medicamentos procuram agências reguladoras para a obtenção de um registro em um país. “Quando você tem uma produção maior e não um produto escasso, você tem o interesse econômico da indústria em querer colocar no mercado seu produto. Assim, elas entram em contato para o registro de medicamentos e passam por todos os processos para que seja aprovado pela agência reguladora do país em questão. Feito esse registro, o Ministério da Saúde tem que avaliar essa tecnologia para saber se é interessante incorporar este produto ao SUS. Mas, isso em uma situação de normalidade”, esclarece Massuda.
O fundador e ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina, explica que, além disso, considera fundamental considerar o senso de urgência da situação. “Você tem que ter a perspectiva de fazer negócio. Uma empresa vai fazer um investimento alto sem saber se vai ter um negócio certo, sendo que o mundo inteiro quer essa vacina?”, indaga. Para o médico sanitarista, o governo federal precisa se movimentar para garantir a imunização da população brasileira. “A situação não está bem encaminhada porque o Ministério da Saúde ainda não tomou as decisões, mas temos chances de encaminhar. Caso não seja feito algo, podemos pagar o preço por essa inação e por esse desencontro”, afirma.