Os primeiros herois foram vistos na Itália, onde a pandemia do novo coronavírus chegou com toda força. Vestidos com jalecos brancos e protegidos dos pés à cabeça, pareciam figurantes de um filme de ficção científica desses que um estranho e imbatível ser vivo se infiltra na raça humana, provocando mortes em série. De certa forma, o enredo de cinema se tornara realidade. E esses mesmos homens e mulheres de branco, médicos, enfermeiros, auxiliares e outros profissionais de saúde dos hospitais, formaram uma grande infantaria contra o agente infeccioso nos quatro cantos do planeta. Um heroísmo reconhecido até pelo misterioso artista plástico inglês Bansky, que os homenageou com um grafite num hospital de Southampton.
No Brasil, a batalha tem sido árdua e inclemente. Trabalhando no combate direto à covid-19, todos os dias a cirurgiã-dentista Denise Abranches agarra com as mãos o novo e invisível coronavírus. É ela quem cuida da saúde bucal dos pacientes internados na UTI em decorrência da doença, no Hospital São Paulo, na Vila Clementino, na capital paulista. Pelos riscos da profissão, viu muitos colegas perderem a vida tentando salvar outras. Mesmo assim, não se furtou à doação de si mesma.
“O vírus se impôs, não pediu licença. Vivemos cenários inéditos, comoventes, desafiadores. De repente, não pudemos fazer coisas simples como beber água, porque requer toda uma desparamentação. Vi colegas morrerem, pacientes morrerem e ter que encarar, voltar com força, nunca desistir, na certeza de que dias melhores viriam. Como profissional da saúde, esse é meu dever, e faço isso por amor”, ensina Denise.
A cirurgiã-dentista pouco escutou a voz dos pacientes que atendeu. Nem por isso deixou de se comunicar com eles. “Ainda que intubados, converso com cada um que irei realizar um procedimento, explicando cada passo do meu trabalho, que estou participando do estudo para acabar logo com esse sofrimento e que tudo vai ficar bem. É uma questão de respeito, de carinho, de demonstrar que esse paciente não está sozinho”, diz Denise, também a primeira voluntária brasileira a participar do estudo clínico da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca.
Até o fim
Já Ana Lúcia Freire Cantalice dedicou-se até o fim. Pediatra neonatologista e a primeira a diagnosticar covid-19 em um recém-nascido na Paraíba, mesmo pertencendo ao grupo de risco devido à hipertensão arterial, não quis parar, sobretudo em um momento em que a necessidade de estar na linha de frente era fundamental. Vítima do próprio inimigo que tentava combater, Ana morreu aos 56 anos, em 23 de julho.
“Minha mãe sempre foi uma pessoa de fibra e muito ativa. Adorava o trabalho e de estar junto dos filhos, netos, noras, genro e do marido”, lembra o filho da pediatra, Ítalo.
Buscando a proteção de todos, Ana militou até o fim. Idealizou um projeto de distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) personalizados para atendimento às crianças — as “Feliz Shields”, como batizou, visores personalizados com super-heróis para tornar mais lúdica e menos penosa a internação de meninos e meninas com covid. Como na obra de Bansky, a pediatra assumiu a condição de heroína para várias crianças e seus pais. “Ela mudou a rotina da UTI neonatal e dos hospitais por onde trabalhava para proteger a todos”, destaca Ítalo.
Apesar da saudade de não estar ao lado da mãe para comemorar o Natal e o ano-novo, Ítalo tem a certeza de que Ana quer que a vida prevaleça e continue. “O momento nos faz sentir essa dor na alma, mas também é o que nos faz olhar para frente e seguir, como ela dizia, para superar os obstáculos que tanto enfrentou”.
Para Gustavo Fernandes, diretor geral do Hospital Sírio Libanês, os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde e pesquisadores escancararam o real motivo do engajamento de cada um: “Nossa rotina é muito mais do que atender às necessidades pessoais. Nesse período difícil, foi possível reavivar nosso papel, nos reconectarmos com a raiz da nossa função: cuidar da coisa mais linda que existe, que é a vida”. (Colaborou Fabio Grecchi)
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Receita facilita entrada de vacina
A Receita Federal atualizou, ontem, uma instrução normativa (IN) que agiliza a liberação, para a entrada no país, de vacinas contra o novo coronavírus e vários produtos importados para o combate à pandemia. A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) e, na realidade, altera outra IN, a que trata do despacho de importação –– procedimento aduaneiro em que são checados dados e documentos de mercadorias quando chegam aos portos e aeroportos brasileiros.
A alteração na instrução indica uma lista de produtos, que poderão ser entregues pela Receita ao importador antes da conclusão da conferência na alfândega, facilitando a entrada no mercado nacional. A medida terá validade enquanto estiver em vigor a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, decretada pelo Ministério da Saúde por conta da pandemia.
Além da vacina contra a covid-19, terão o desembaraço agilizado medicamentos e testes usados no diagnóstico do novo coronavírus. A lista inclui remédios como a cloroquina e a azitromicina, que não têm eficácia comprovada contra a doença.
* Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi