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Kit precoce ou fechamento: como as capitais enfrentam o avanço da covid

Enquanto a prefeitura de Belo Horizonte anuncia fechamento de comércio, Manaus enfrenta novo período crítico na rede hospitalar. Porto Alegre tenta solução mais flexível: lojas permanecem abertas, mas haverá maior fiscalização

Natália Bosco*
Carinne Souza*
postado em 06/01/2021 23:05 / atualizado em 07/01/2021 13:39
Equipes da saúde em Manaus: risco de colapso no sistema  -  (crédito: Michel Dantas/AFP)
Equipes da saúde em Manaus: risco de colapso no sistema - (crédito: Michel Dantas/AFP)

A virada do ano trouxe ao país números preocupantes de casos e óbitos pela covid-19. Os novos casos diários superam as marcas alcançadas nos primeiros meses de pandemia e alguns estados já têm lotação de leitos. Cidades como Manaus e Belo Horizonte, encaram números preocupantes de infectados pela doença e voltam a restringir comércios nas regiões. As Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) dos hospitais dessas capitais apresentam taxa de ocupação acima do recomendado e, em alguns casos, falta de leitos para pacientes.

Manaus voltou a bater recordes de casos e de enterros no primeiro mês de 2021. Antes da pandemia, a média diária de enterros era de 33, de acordo com a prefeitura da cidade, na última terça-feira (05/01), 91 sepultamentos foram realizados e, destes, 33 com diagnósticos do novo coronavírus. Filas de carros funerários podem ser vistas nos cemitérios do município e, na soma dos últimos dias 3, 4 e 5, já foram 229 enterros realizados pela prefeitura da capital.

"A segunda onda da covid-19 aqui em Manaus está tão pior quanto a primeira onda, parece uma ondinha de piscina. E isso porque os contaminados das aglomerações de Natal e Ano Novo ainda não começaram a aparecer", escreveu um internauta morador de Manaus.

Estado de emergência 

Quanto aos casos, a capital amazonense já ultrapassou os 206 mil infectados e apenas na última terça-feira (05/01), 1.908 novos casos foram registrados. Na virada do ano, a cidade teve o maior número de pacientes hospitalizadas por covid-19 em um único dia, foram 124 pessoas internadas no dia 31. Dos leitos e UTIs (Unidade de Tratamento Intensivo) capacitados para atender pacientes com coronavírus 85,6% e 89,19%, respectivamente, já estão ocupados. O colapso no sistema de saúde da cidade fez o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), decretar estado de emergência por 180 dias no município.

Diante disso, David Almeida declarou “situação anormal”, caracterizada como emergencial, na cidade, pelo período de 180 dias. Assim, foi publicado um decreto de nº 5.001 na última segunda-feira (04/01) que autoriza contratação temporária de pessoal, de serviços e aquisição de bens e materiais, para conter o avanço da pandemia.

“Estamos adotando todas as medidas necessárias para contribuir decisivamente para o enfrentamento da covid-19, especialmente neste momento em que a cidade registra aumento de casos e, infelizmente, de mortes. Estamos preocupados com a população em geral, com aglomerações, com nossos servidores e com as pessoas mais carentes, que não podem ser penalizadas, ter as contas de água cortadas nesse momento tão difícil, em que muitos também perderam o emprego”, destacou o prefeito, em nota publicada pela Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa).

Atendimento médico

Para o epidemiologista e professor em saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant, a situação vista em Manaus se deve a uma série de fatores sociais, econômicos e geográficos. "A situação de Manaus pode se explicar sobre toda uma situação que a região enfrenta, não somente da cidade, mas vamos poder observar em outras cidades da região Norte também. A baixa infraestrutura e o pouco acesso de algumas populações para atendimento médico, leva aos números que a cidade apresenta", explica. Brant também pontua que essas regiões pouco assistidas pelos governantes do país tendem a sofrer mais com a pandemia.

"Ainda sim, não podemos tomar medidas direcionadas para uma região específica. A covid-19 é uma doença nova, e todos os dias saem novos estudos para falar sobre suas causas e as medidas corretas. As medidas de contenção devem ser implementadas para todo mundo, pois não sabemos o que pode acontecer. Sabemos da gravidade para pessoas de grupo de risco, mas existem aqueles que têm um bom histórico de saúde e, mesmo assim, a doença se agrava. O cuidado deve ser para todos", esclarece Brant ao ser questionado sobre algumas regiões apresentarem maiores taxas de infectados e outros não.

Alerta vermelho

Em Belo Horizonte, a prefeitura anunciou o nível de alerta geral vermelho. Segundo o Boletim Epidemiológico e Assistencial Covid-19 publicado pela prefeitura da cidade nesta quarta-feira (06/01), a taxa de ocupação de leitos de UTIs para pacientes infectados pelo novo coronavírus é de 87,9%, no Sistema Único de Saúde (SUS). Na Saúde Suplementar, essa taxa é de 84,6%. Já na rede SUS + Suplementar, esse número é de 86,1%. Os valores informados contemplam todos os 22 hospitais da Rede SUS-BH e, além de todos os 22 hospitais da Rede Suplementar de Saúde de BH.

Em razão desse quadro, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) anunciou nesta quarta-feira o fechamento do comércio na capital mineira a partir de segunda-feira. Apenas serviços essenciais estão autorizados a funcionar.

Kit precoce

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) seguiu em direção contrária à onda de restrições nas capitais brasileiras. Ele flexibilizou o funcionamento do comércio e passou a adotar o "kit precoce" para tratamento da covid-19. Com mais de 78 mil casos, a capital do Rio Grande do Sul atingiu, nesta quarta-feira (06/01) a maior baixa de ocupação dos leitos para tratamento do novo coronavírus em 30 dias, com 275 hospitalizados.

Para o secretário extraordinário de enfrentamento ao coronavírus da cidade, Renato Ramalho, a decisão veio por uma questão econômica e que "o equilíbrio é essencial", relata. "Porto Alegre passou a maior parte do tempo adotando o fechamento de atividades como a principal forma de contenção da pandemia. A abertura da economia e a possibilidade de condução da renda, principalmente agora com o fim do auxílio emergencial, são essenciais, a população precisa disso", pontuou.

Segundo Ramalho, o lema da cidade é "flexibilizar com responsabilidade" e, por isso, algumas medidas de contenção serão mais rígidas para manter o funcionamento do comércio no município. Entre elas, estão fiscalizações mais intensas e uma medida que obriga os contratantes a buscarem e identificarem funcionários com sintomas gripais, os quais devem ser afastados da carga de trabalho enquanto estiverem sintomáticos.

De acordo com a Secretaria do Estado de Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre registrou, nesta quarta-feira, 156 novos casos da doença e 12 novos óbitos. A capital gaúcha contabilizou o maior número de mortes por covid no estado hoje, junto com Caxias do Sul que também teve 12 novas vítimas do coronavírus. A flexibilização alerta especialistas para um novo aumento dos casos.

O infectologista do Hospital das Forças Armadas (HFA) em Brasília Hemerson Luz disse que o aumento no número de casos de pessoas infectadas é perceptível na rotina diária do hospital. “Se a gente olhar lá em novembro, antes das eleições (municipais), foram 128 casos a mais no Brasil. Dia 05/01, foram 1.171. Então, aumentou mais de 10 vezes (o número de novos contágios)”, o médico explicou que é necessário sempre projetar números relacionados a covid em períodos de 15 dias, que é aproximadamente o tempo de incubação do vírus e de manifestação da doença. Hemerson também contou que alguns pacientes relatam buscar o exame da doença após participarem de festas de fim de ano.

Para o infectologista, uma possível sobrecarga das UTIs é uma preocupação constante. “O número (de infecções) está crescendo muito e está colocando em risco, principalmente, a taxa de ocupação das UTIs. Dentro da prática diária, eu tenho recebido pacientes em um estado clínico que não precisam de internação. Diminuiu um pouco (o número de) internações. Mas é matemático, quanto mais doentes eu tiver, mesmo que eu interne menos, eu vou acabar sobrecarregando o sistema. Em algum momento, se continuar assim, vai ter uma taxa de ocupação muito alta e podem faltar leitos”, alertou.

Hemerson ressaltou que uma taxa de ocupação acima de 70% acaba tendo reflexo na taxa de letalidade, uma vez que um paciente que tem indicação de UTI pode não encontrar uma vaga e, por isso, evoluir de forma desfavorável.

“Tem que ter plano de contingência. Acredito muito que os administradores públicos tenham pensado nisso. O próprio sistema de saúde tenha pensado nisso tentando deslocar leitos e tentar abrir novos leitos sabendo que é preciso ter o pessoal capacitado também. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas devem estar preparados para um atendimento de alta complexidade, como é o atendimento de uma UTI. Então, não é fácil”, concluiu o infectologista.


*Estagiárias sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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