Os governos existem para resolver problemas reais, não para aumentá-los ou para criar problemas imaginários. Os governos também não têm o direito de se omitir diante de suas responsabilidades ou desculpar-se frivolamente pelas dificuldades que encontram para realizar o que é necessário. Nunca é demais lembrar que ninguém ocupa o poder e o governo contra sua vontade. Pelo contrário, políticos e partidos lutam desesperadamente para chegar ao Poder e nesta jornada não recuam diante de nenhuma promessa, mesmo as mais fantasiosas.
A tarefa de governar já foi muito mais simples do que é hoje. Ordinariamente os governos tratavam da segurança, da ordem interna e da aplicação das leis, sem intervir de modo decisivo na vida social e na economia. As relações de poder giravam numa esfera restrita de poucos grupos dominantes e a participação do povo era mais aparente do que efetiva. Neste ambiente qualquer cidadão de talento mediano estava à altura das responsabilidades limitadas de liderar um governo.
As coisas mudaram muito. Nos países ocidentais, a democracia chegou para valer e a opinião pública não apenas passou a escolher com autonomia as lideranças políticas, como tornou-se a voz dominante na definição das políticas públicas . Os recursos do Estado, via impostos e dívida pública, cresceram de modo exponencial e o escopo dos governos estendeu-se sem limites, abrangendo todas as esferas da vida.
Neste processo foram criadas as mais variadas instituições públicas, desde autoridades monetárias a universidades, agências reguladoras e agências de seguro social. A missão dos governos tornou-se complexa por combinar a liderança de uma grande quantidade de quadros técnicos e profissionais e, principalmente, a mediação política entre o aparelho do Estado e a sociedade civil livre e informada. Para sair-se bem destas missões é natural supor-se que seriam necessários homens excepcionais.
Esses homens excepcionais quase sempre existem em qualquer sociedade, mas os eleitores e os próprios sistemas políticos raramente os reconhecem e chegam a rejeitá-los quando os encontram. Os velhos liberais do antigo Estado costumavam dizer que ao governo dos homens é preferível o governo das leis e das instituições. Em tese, faz sentido, mas pelo menos em certos momentos só homens lúcidos, capazes e preparados podem liderar um país que perdeu o seu rumo. Para liderar nas horas cruciais é preciso conhecimento, imaginação e uma espécie de parceria com o destino. É só lembrar de Churchill, Roosevelt, De Gaule e, entre nós, Juscelino.
Se tudo isto é verdade, o Brasil hoje é um país em perigo. Nossa economia se arrasta na estagnação há mais de 10 anos. O desemprego e a pobreza não param de aumentar. Os serviços públicos estão no limite da precariedade. Estamos na segunda pior posição no mundo na gestão sanitária da pandemia, por ausência de gestão. Estamos isolados na esfera internacional porque o governo escolheu o caminho da excentricidade ideológica. Diante de tudo isto, nosso Presidente proclama que o país está quebrado e que ele não pode fazer nada. Ele não parece ser um daqueles líderes excepcionais.
O Brasil não está quebrado e continua sendo um dos países mais viáveis de todo o mundo. Do mesmo modo, o governo brasileiro não é por natureza impotente para resolver os problemas da nação. Temos pessoas e instituições de primeiro mundo. Falta ao nosso governo a decisão de governar.
Governar não é a mera gestão do poder, nem muito menos uma campanha eleitoral permanente. Governar é unir a nação e usar todos os recursos do poder para fazer a economia crescer, para diminuir as desigualdades sociais e, nesta hora, concentrar tudo no combate à pandemia.
E acima de tudo deixar de trazer para a esfera pública as questões morais, de costumes e de cultura, questões privadas que envolvem crenças absolutas e não se prestam à negociação e ao compromisso. A politização destes temas divide irremediavelmente qualquer sociedade e torna impossível a solução dos problemas reais das pessoas e do país.
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