SAÚDE EM COLAPSO

Crise em Manaus: médicos são obrigados a decidir quem vive e quem morre

Novo plano de ação adotado na capital faz com que profissionais precisem decidir quais pacientes devem ser enviados às UTIs. Doentes com situações consideradas irreversíveis são mantidos em alas de emergência

Renato Souza
postado em 21/01/2021 12:03 / atualizado em 21/01/2021 17:56
 (crédito: Michel Dantas/AFP)
(crédito: Michel Dantas/AFP)

A situação do sistema de saúde de Manaus se deteriorou ainda mais nos últimos dias e atinge pacientes internados com covid-19 e, também, com outras doenças. De acordo com informações obtidas pela reportagem do Correio junto a fontes ligadas ao serviço de saúde, um novo plano de ação foi adotado na cidade de 2 milhões de habitantes.

Segundo as novas regras, pacientes que cheguem às unidades de saúde em estado terminal ou com situação considerada irreversível não serão mais enviados à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A regra vale tanto para pessoas acometidas por covid-19 quanto para outras doenças, como câncer e problemas cardíacos. No interior do estado do Amazonas, a situação se repete, mas os pacientes sequer são enviados à capital.

No atendimento na emergência, os médicos avaliam cada caso e, se entendem que o paciente tem poucas chances de sobreviver, uma ligação por vídeo é realizada para a família para o paciente se despedir dos entes queridos. Após isso, o morador é alocado em um box de emergência, sem os equipamentos necessários para que sua vida seja mantida.

Informações obtidas com exclusividade pelo Correio apontam que 70% das mortes na capital são de outras doenças, aceleradas em razão da ocupação de leitos e lotação dos hospitais durante a pandemia do novo coronavírus. Mesmo com o crescimento exponencial de casos em Manaus, o serviço de saúde público da cidade não acompanhou a demanda.

Apenas dois grandes hospitais atendem os pacientes da capital e cidades do interior. A avaliação é de que o sistema de saúde seria sobrecarregado cedo ou tarde, e o avanço da covid-19 acelerou o agravamento da situação. O surgimento de uma nova cepa de coronavírus agravou ainda mais o cenário.

Além disso, a Fundação Oswaldo Cruz confirmou pelo menos um caso de reinfecção de uma paciente de 29 anos. A mulher tinha imunidade para a covid quando foi infectada com a nova variante — algo que acendeu o alerta na comunidade médica e científica.

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde e o governo do Amazonas. A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas negou que ocorra "seleção" para ocupação de leitos de UTI. A entidade afirma que "os critérios utilizados nas unidades são sempre buscando salvar vidas, baseado em decisões técnicas e éticas das equipes médicas". Sobre as vídeo chamadas, a secretaria afirma que "o hospital 28 de Agosto utiliza desse meio para humanizar o atendimento, com o objetivo de garantir o contato dos pacientes com as famílias, considerando que o paciente de Covid-19 não pode ter acompanhante", e destaca que "o trabalho é realizado por profissionais de psicologia, que prestam auxílio tanto para os pacientes quanto para os familiares.

Ainda de acordo com a nota da Secretaria de Saúde do Amazonas, "na eventualidade de um paciente que realizou uma vídeo chamada ter evoluído em seguida para o óbito, infelizmente, isso se deve à dinâmica natural da doença, considerando que muitos pacientes relativamente estáveis podem evoluir para quadros graves em um curto período de tempo". O Ministério da Saúde ainda não se manifestou.

Ocupação

De acordo com boletim divulgado pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), responsável por monitorar a pandemia no estado, na quarta-feira (20), foram registradas 148 mortes por covid-19 no estado. Destas, 56 ocorreram na própria quarta e 93 foram casos "encerrados por critérios clínicos, de imagem, clínico-epidemiológico ou laboratorial, elevando para 6.598 o total de mortes".

No mesmo período, de 25 horas, foram realizados 90 sepultamentos em Manaus. Trinta mil pessoas que receberam diagnóstico positivo para a doença estão sendo acompanhadas pelo serviço de saúde, sendo que 1.812 estão internadas, 1.187, em leitos (516 na rede privada e 671 na rede pública), 592, em UTI (271 na rede privada e 321 na rede pública) e 33, em sala vermelha — o que, de acordo com o governo do Amazonas, é uma "estrutura voltada à assistência temporária para estabilização de pacientes críticos/graves para posterior encaminhamento a outros pontos da rede de atenção à saúde".

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