No último dia 22 de janeiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou a resolução 4/2021, que estabelece novos critérios para a identificação de indígenas. Isso significa que, para ser classificado como índio pela Funai, a partir do dia 1º de fevereiro deste ano, é preciso atender a novos requisitos, como ter vínculo histórico e tradicional de ocupação ou habitação entre a etnia em algum ponto do território brasileiro e consciência íntima declarada sobre ser índio. Também é preciso ter origem e ascendência pré-colombiana (considerando que o Brasil se insere na territorialidade pré-colombiana).
A resolução estabelece, ainda, a "identificação do indivíduo por grupo étnico existente, conforme definição lastreada em critérios técnicos/científicos, e cujas características culturais sejam distintas daquelas presentes na sociedade não índia".
Lideranças indígenas têm criticado a medida e o Ministério Público Federal (MPF) alegou que a adoção de tais critérios é inconstitucional. O órgão recomendou à Funai a revogação imediata. Para a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Lethícia Reis de Guimarães, a medida hierarquiza os povos indígenas e torna alguns mais indígenas que outros. “Essa mudança deixa mais da metade dos povos de fora dos direitos a políticas públicas do governo, como saúde, educação. Ficando de fora, inclusive, do direito à vacina contra covid-19”, comenta.
O Cimi cita que o Plano Nacional de Vacinação do governo federal inclui no grupo prioritário apenas 410 mil indígenas que vivem em terras demarcadas. No entanto, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 11 anos atrás, a população de povos indígenas já se aproximava de 900 mil.
STF
Na avaliação da Cimi, a resolução é inconstitucional e viola dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de contrariar as definições do Supremo Tribunal Federal (STF). “Eles querem voltar a definir quem é indígena ou não, um verdadeiro retorno ao regime jurídico anterior à Constituição de 1988, no mesmo modus operandi do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)”, define. A especialista pontua que a questão de definição de quem é indígena, na verdade, é individual e comunitária.
Lethícia afirma que o discurso que recai sobre indígenas, sobre o povo “querer cada vez mais ser gente”, traz questões que já foram superadas e que pertenciam a uma política tutelada. “A ação não é justificável em nível antropológico nem jurídico”, frisa. Ela também destaca que, desde 2017, a demarcação de terras indígenas está paralisada. “É uma forma de manter a política anti-indígena que vigora atualmente, sucateando os princípios institucionais que a Funai deveria possuir".
Para a Funai, o método tem base jurídica e é necessário para impedir que não indígenas recebam benefícios que seriam destinados para esse grupo. “Queremos evitar que oportunistas, sem qualquer identificação étnica com a causa indígena, tenham acesso à territorialidade ou a algum benefício social ou econômico do governo federal”, sustenta o presidente da entidade, Marcelo Xavier.
Lethícia rebate o argumento. “Quando um vestibulando declara na faculdade que é indígena, por exemplo, ele precisa de uma confirmação daquela comunidade indígena, dos líderes da tribo. Dessa forma, é improvável que alguém convença uma comunidade a mentir sobre esse reconhecimento”.
*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro
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