SAÚDE

Vacinação corre o risco de ser interrompida por falta de doses

Imunização em algumas capitais chega a nível crítico. Rio, Manaus, Aracaju, Salvador, Natal, Florianópolis, Curitiba e Cuiabá estão com ritmo reduzido devido aos estoques perto do limite. Doses podem durar somente até o meio da próxima semana

Fábio Grecchi
Natália Bosco*
Carinne Souza*
postado em 13/02/2021 06:00
 (crédito: ED ALVES)
(crédito: ED ALVES)

A vacinação contra a covid-19 mal começou e está ameaçada de parar nos próximos dias, caso as cidades não recebam novas doses, do governo federal, dos fármacos que integram o Plano Nacional de Imunização (PNI). Cidades como Manaus, onde a infecção não apenas está descontrolada, como há paralelamente uma crise de fornecimento de oxigênio para os internados com o novo coronavírus, as doses podem acabar hoje. No Rio de Janeiro, a estimativa é de que as vacinas disponíveis durem até a próxima terça-feira –– algo que já aconteceu em municípios da região metropolitana, como São Gonçalo, Niterói e Duque de Caxias, que ficaram a seco de medicamento, interromperam o processo de imunização e só o retomaram na última quinta-feira.

O secretário municipal de saúde do Rio, Daniel Soranz, salientou que pode ser obrigado a aguardar uma nova remessa da vacina Oxford/AstraZeneca ou usar as unidades da CoronaVac que foram guardadas para a segunda dose –– mas, para que todas as doses do fármaco distribuído pelo Instituto Butantan sejam aplicadas, é necessário um aval do ministério sobre o envio de um novo lote até o início de março.

Em Salvador, a aplicação foi suspensa para os profissionais da saúde que atuam na linha de frente e atrasou o cronograma, que previa começar a aplicação para os maiores de 80 anos nesta semana. A capital baiana restringiu as doses somente aos maiores de 85 anos e não tem mais previsão para aplicar na faixa de idosos entre 80 e 84 anos. Na última quarta-feira, recebeu 8 mil doses, o que impediu a interrupção das aplicações, que tinha sido decidida no dia anterior.

Em Aracaju, a estimativa é de que somente quem precisa receber a segunda dose seja atendido. Outra capital nordestina, Natal conta com uma reserva de cerca de 15 mil vacinas, mas apenas 1,7 mil podem ser usadas com novos pacientes. Isso porque o restante está reservado para a segunda dose.

No caso de Florianópolis, o estoque conta com aproximadamente 1,6 mil doses e a estimativa é de que dure por mais quatro dias. Curitiba está em situação semelhante: previsão é de que, caso não cheguem mais injeções, na próxima quarta-feira a vacinação será paralisada.

Cuiabá calcula ter doses para mais cinco dias. Para piorar, a vacinação foi suspensa para o pessoal da linha de frente da saúde –– faltaram aproximadamente 6 mil injeções para esse grupo, de acordo com relatos da prefeitura.

Nada a dizer

O Ministério da Saúde não tem um posicionamento oficial sobre o envio de nova leva dos imunizantes e, caso mais doses não sejam recebidas, o calendário de vacinação pode ser alterado. Os fármacos foram entregues aos governos estaduais, que repassaram aos municípios e determinaram, de forma heterogênea, a melhor forma de iniciar a campanha. Mas não há um plano coordenado, tanto que, em 15 de janeiro, o Fórum de Governadores cobrou do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, uma definição sobre quantas doses serão distribuídas para cada estado e município. O ofício foi formalizado e assinado pelo governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que coordena as ações do grupo contra a covid-19.

Algumas cidades, porém, não padecem do mesmo drama. Em São Paulo, o estoque até o momento está sob controle. O secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido dos Santos, informou que a vacinação foi feita de maneira controlada e que apenas os grupos prioritários receberam as injeções. Na mesma situação se encontram Goiânia, Vitória, Belo Horizonte e Recife.

O Butantan recebeu, na última quarta-feira, um novo lote do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), produzido na China pela biofarmacêutica Sinovac. Com o novo carregamento, será possível produzir 17,3 milhões de doses do imunizante, que devem ser entregues ao ministério no final deste mês.

Já a Fiocruz iniciou ontem a produção de vacinas, no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos). Na semana passada, a Fiocruz havia recebido 88 mil litros do IFA, que passaram por um processo de descongelamento na última quinta-feira. O objetivo é entregar 2,8 milhões de doses do imunizante ao ministério até o dia 19 de março e, depois, uma remessa com 14 milhões de doses até o fim do mês.

*Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi

Respostas insatisfatórias e poucos esclarecimentos

BAIXA TESTAGEM

» Crítica – Major Olimpio (PSL-SP) – “O ministério nunca implantou, de fato, nenhum programa de testagem em massa. Por incompetência, estão mofando mais de 5 milhões de testes”.

» Justificativa de Pazuello – “Se eu tenho testes ainda estocados, com validade suficiente para trabalhar, isso é porque o estado ou o município, apesar das conversas, não me demandam”.

REMÉDIO SEM EFICÁCIA

» Crítica – Fabiano Contarato (Rede-ES) – “O Ministério da Saúde utilizou a Fundação Oswaldo Cruz para a produção de quatro milhões de doses de cloroquina. Ora, o tratamento precoce mata. Por exemplo: diversos profissionais da saúde têm relatado que receberam pacientes em estado grave com hepatite fulminante após a ingestão de ivermectina. Mas o governo prefere rechaçar a ciência. O senhor, quando foi contraído com a covid, divulgou vídeo afirmando que já tinha iniciado o tratamento precoce. Aliás, o site do Ministério da Saúde tinha o TrateCov, que direcionava tratamento para cloroquina e ivermectina. O senhor deve ser responsabilizado criminalmente, assim como o presidente da República, por estimular o uso de medicação sem nenhuma comprovação científica”.

» Justificativa de Pazuello – O que nós queremos dizer (como tratamento precoce) e sempre dissemos é: procure imediatamente o médico. O médico é que vai fazer o seu diagnóstico, o médico é que vai fazer a prescrição dos seus medicamentos, sejam eles quais forem. A plataforma (TrateCov) tinha o objetivo de auxiliar o diagnóstico. Observamos que ela estava induzindo a medicamentos. Nós mandamos tirar do ar imediatamente. Mandei abrir um processo sobre o servidor e foi afastado”.

VACINAÇÃO

» Crítica – Leila Barros (PSB-DF) – “No dia 17 de dezembro, a última vez que o senhor esteve nesta Casa, o senhor afirmou que, ainda no mês de janeiro, o Brasil teria 24 milhões de doses de vacinas. Estamos em fevereiro e não chegamos nem perto desse montante. Por que deveríamos acreditar nas novas promessas se o que foi passado para nós não se concretizou?”

» Crítica – Rose de Freitas (MDB-ES) – “Faltou, no Brasil, a iniciativa de organizar os estados, uma ação coordenada para atender a defesa da vida e o número de vacinas necessário para o povo brasileiro”.

» Justificativa de Pazuello – Nós vamos vacinar o país em 2021, 50% da população vacinável até junho; 50%, até dezembro. Esse é o nosso desafio e é o que nós estamos buscando e vamos fazer. Nos próximos 12 dias, mais 4,8 milhões doses vão ser distribuídas. Há a possibilidade de chegar mais dois lotes de 4 milhões, cada, em 15 e em 28 de fevereiro.

CRISE DE OXIGÊNIO

» Crítica – Eduardo Braga (MDB-AM) – “Eu estive com vossa excelência, no seu gabinete, em dezembro. Eu já dizia que nós iríamos enfrentar uma onda no Amazonas muito grave. Eu dizia que, se não tomasse providências para assumir a execução, não seria executado. Não é possível dizer que a falta de oxigênio no Amazonas foi em função da falta de pressão entre redes inexistentes. Isso não é verdade. A capacidade de geração de oxigênio no meu estado é em torno de 30 mil toneladas, e o consumo explodiu para 70 mil toneladas”.

» Justificativa de Pazuello – “Até 7 de janeiro não houve qualquer menção à falta de oxigênio. Os fatos relatados, puros e secos, indicam deficiência na gestão dos hospitais por dificuldades técnicas em redes de gases. Em momento algum fala-se sobre falta de oxigênio, colapso de oxigênio ou previsão de falta de oxigênio”.

NEGACIONISMO

» Crítica – Zenaide Maia (Pros-RN) – “O ministro da Saúde do Estado brasileiro obedeceu ao presidente da República que não reconhecia a gravidade da doença, ou seja, negava a ciência”.

» Crítica – Tasso Jereissati (PSDB-CE) – “É preciso reconhecer os erros do passado com um pouquinho de humildade. Tudo aconteceu errado, as declarações, os estímulos. Vossa Excelência se desdisse várias vezes. Vai continuar obedecendo ao presidente, dentro dessa linha de pensamento dele?

» Justificativa de Pazuello – “Nós temos uma guerra contra a covid, a guerra é contra a covid. Ela é técnica, de saúde, não é política. Se abrirmos a segunda frente, política e técnica, vai apertar. Neste momento, nós temos que focar no técnico. É difícil separar a política dentro do Congresso –– não tem como, o Congresso é político ––, mas eu lembro a todos os senhores que nós temos um inimigo comum, que é o coronavírus, a covid-19, e é contra esse inimigo que nós temos que nos unir”.

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Inclusão de quilombolas

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, relator da ação que julga pedido que cobra medidas do governo federal para proteger os quilombolas contra a covid-19, votou ontem para que a União elabore, em 30 dias, um plano nacional de enfrentamento à pandemia para esta população. O julgamento virtual (no qual os ministros não discutem a matéria em plenário; apenas incluem seus votos no sistema) teve início ontem e tem previsão de seguir até o dia 23.

O relator pede que o plano traga “providências e protocolos sanitários voltados a assegurar a eficácia da vacinação na fase prioritária, com a participação de representantes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — Conaq”. O ministro exigiu, ainda, que seja constituído, em até 72 horas, um grupo de trabalho interdisciplinar para debater, aprovar e monitorar a execução do plano.

No Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19, que serve para orientar a vacinação nos estados e municípios, o governo federal chegou a prever os quilombolas no grupo prioritário. Mas, em um dos quadros do documento divulgado, que traz cada fase e a população-alvo, os quilombolas não estão relacionados. A questão gerou, no mês passado, um pedido de informação da Procuradoria-Geral da República, que cobrou do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, explicações sobre a ausência de quilombolas no trecho.

A ação foi protocolada em setembro passado pelo Conaq e pelos partidos PSB, PSol, PCB, Rede Sustentabilidade e PT.

Sobe pressão pela CPI

Se a intenção do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao atender o chamado dos senadores para prestar esclarecimentos sobre a condução da pandemia, era acalmar os ânimos para segurar a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), o tiro saiu pela culatra. Da base do governo à oposição, a avaliação de grande parte dos parlamentares é de que o general não sanou as dúvidas e fortaleceu a abertura de investigação. Mas, apesar de reconhecerem a necessidade de se apurar as ações do ministério sob o comando do general, ainda não há consenso, o que pode ser obtido na reunião de líderes, dia 18.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não descarta a instalação da CPI. “Vou conversar com todos para avaliarmos sobre a conveniência e a pertinência de se instalar a CPI”, disse, após a participação de Pazuello na oitiva da última quinta-feira, que durou aproximadamente cinco horas.

Mas, para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o ministro falhou em dar respostas. “Apesar de toda a boa vontade do ministro, ele não trouxe os elementos necessários para que nós tivéssemos esclarecimentos a respeito daquilo que nos aflige. Não vi serem respondidas a maioria das perguntas dos parlamentares”, disse.

“Não foi esclarecida a falta de ação do governo em relação à tragédia de Manaus e do Amazonas. Nesse aspecto, grande parte dos senadores não saiu satisfeito”, acrescentou Simone.

Responsável por protocolar o pedido de abertura da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) considerou que o depoimento convenceu mais senadores a apoiarem a formação da comissão. “Agora, temos mais assinaturas. São 32. O ministro saiu enfraquecido ao falar e não dizer nada”, criticou, afirmando, ainda, estar convencido de que o requerimento será lido dia 18 e haverá a indicação dos líderes.

Questionado se, como alegado pelo ministro, uma CPI neste momento poderia agravar a pandemia, Randolfe rebateu: “Pela lógica do ministro, o responsável por um assassinato deve ficar impune porque a investigação poderia ocasionar outros assassinatos”, ironizou.

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