Bombeiros encontraram o corpo da criança de cinco anos que estava desaparecida em Santa Maria de Itabira, na Região Central de Minas Gerais. Com isso, sobe para seis o número de vítimas do temporal que arrasou a cidade.
A criança estava na casa dos pais, que conseguiram escapar. Uma grande quantidade de lama de um barranco deslizou e soterrou a residência.
Cerca de 60 bombeiros trabalharam nas buscas das vítimas desde a madrugada de domingo, quando a tempestade castigou a cidade de Santa Maria de Itabira.
Uma árvore de grande porte que foi arrastada dificultou o acesso dos bombeiros ao imóvel. O quarto onde o menino estava ficou completamente coberto pela lama.
O local onde o último corpo se encontrava era de difícil acesso e não permitia o trabalho simultâneo de muitas equipes dos bombeiros.
Foram utilizadas também técnicas de lançamento de água sob pressão para tornar a lama líquida e removê-la de dentro da estrutura.
O soterramento
Na madrugada desta segunda-feira (22/02), equipes do Corpo de Bombeiros encontraram os corpos de três pessoas, duas mulheres e um homem, que foram reconhecidos por familiares. Uma criança de 5 anos ainda é procurada. Nesta manhã, os esforços estão voltados para esse resgate.
O município, que fica a pouco mais de 100 quilômetros de Belo Horizonte, foi atingido por um forte temporal na madrugada desse domingo (21). O governador Romeu Zema (Novo) chegou à comunidade de pouco mais de 10 mil habitantes no início da noite de ontem e enviou ajuda humanitária aos moradores.
A chuva ainda de intensidade não definida causou o transbordamento do Rio Girau. As rodovias MG-120 e MG-129 ficaram com vários pontos interditados. Na noite de ontem, além de procurar pelos quatro soterrados e de auxiliar nos resgates de pessoas ilhadas, os bombeiros e agentes da prefeitura local e de Itabira, na mesma região, se esforçavam para tentar desobstruir essas passagens com retroescavadeiras.
“A cidade está sob as águas, situação desse tipo nós nunca vivemos. Tem diversos pontos com queda de casas, situações de soterramento", afirmou ontem o coordenador da Defesa Civil de Santa Maria de Itabira, Eduardo Martins.
O subtenente Anderson Ferreira, do Corpo de Bombeiros de Itabira, deu mais detalhes sobre o trabalho na área inundada. "Estamos com mais de 50 bombeiros empenhados nessa ocorrência. Duas aeronaves e médicos também. Pedimos só para que as pessoas não acessem a cidade, a zona quente", afirmou.
As chuvas também estragaram doses das vacinas contra covid-19 que a Secretaria Municipal de Saúde recebeu para imunizar grupos prioritários (idosos, profissionais de saúde e idosos que vivem em instituições de longa permanência).
Doações
De acordo com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec), dois caminhões com cerca de 800 itens, sobretudo colchões e kits de higiene pessoal, já chegaram à região afetada. “Estou em contato diário com o Corpo de Bombeiros e Defesa Civil Estadual, acompanhando a situação nos municípios afetados pelas fortes chuvas. Em Santa Maria de Itabira, helicópteros foram deslocados para ajudar nos trabalhos de resgate”, publicou Romeu Zema nas redes sociais.
A Prefeitura de Itabira também auxilia com doações. Até as 15h, Santa Maria de Itabira já tinha recebido da cidade vizinha 2.380 litros de água mineral, 598 de água sanitária, 107 de álcool, 52 de cloro, 123 de desinfetante e 352 de detergente. Além disso, foram obtidos 854 quilos de alimentos, como cestas básicas e caixas de leite. O apoio também contou com itens de higiene pessoal para os atingidos.
Barragens
A mineradora Vale informou ontem que as barragens de rejeitos do Complexo de Itabira, instalado na região atingida pelas chuvas da madrugada, estão “nos parâmetros de segurança adequados”. Os moradores temem por algum rompimento ou vazamento. Alguns, até mesmo, deixaram suas casas.
“A Vale, no dia 21 de fevereiro de 2021, informa que suas barragens do Complexo Itabira, em Minas Gerais, mantêm-se dentro dos parâmetros de segurança adequados mesmo diante das chuvas intensas dos últimos dias. Ressalta-se que não há qualquer alteração de nível de emergência das estruturas e nem foi realizado nenhum acionamento de sirenes”, esclareceu a empresa em nota.
Risco é alto em municípios de MG
Enquanto Santa Maria de Itabira vive um drama, outras cidades de Minas Gerais também enfrentam quadros complicados por causa da combinação entre as fortes chuvas e a falta de infraestrutura. São os casos de Manhuaçu e Carangola, na Zona da Mata; Montes Claros, na Região Norte do estado; e Divinópolis, na Região Centro-Oeste.
Em Carangola, os bombeiros já realizaram 42 salvamentos de pessoas ilhadas até o fechamento desta edição. Chuvas fortes atingem a cidade desde sexta, quando o rio do município teve seu nível aumentado e invadiu casas da população ribeirinha. Duas pessoas se afogaram, mas conseguiram sobreviver. São oito pessoas desalojadas, 18 desabrigadas e 3 mil afetadas no total. Não há abastecimento de água em Carangola. Há risco, sobretudo, para um grupo de quatro pessoas que estão em um local de difícil acesso com risco iminente de desabamento no município.
Chuvas intensas no sábado causaram problemas principalmente nos bairros Vila Regina e Boa Vista, em Montes Claros. Na virada para domingo, um novo temporal causou alagamentos em casas dos bairros Independência e Carmelo. Não houve vítimas, apenas danos materiais, segundo os bombeiros.
O Corpo de Bombeiros também atendeu a uma ocorrência de soterramento em Manhuaçu no fim de semana. Na residência, estavam quatro moradores: um pré-adolescente de 12 anos, um adolescente de 17 e um casal de adultos. Por causa do desabamento, o homem e os dois filhos conseguiram sair com vida e sem ferimentos. Contudo, a mulher, de 42, morreu no local. O corpo da vítima foi recuperado pela Defesa Civil Municipal de Divino, na mesma regional. (GR)
Alerta laranja
A Prefeitura de Governador Valadares disparou desde a noite de sábado o alerta laranja, que considera o risco de enchente no Rio Doce. Ontem, pela manhã, um novo boletim previu que às 18h de domingo o nível do rio atingiria 1,90 metro. Nesse horário, a medição na régua da estação de tratamento de água do SAAE chegou a 1,93 metro.
As águas do rio começaram a entrar no Bairro São Tarcísio, historicamente o primeiro bairro da cidade a ser inundado, sempre que o Rio Doce sai do seu leito. O bairro é considerado o 'marco zero' da cidade. A povoação do distrito de Figueira, que deu origem ao município de Governador Valadares, começou no São Tarcísio.
A Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de Governador Valadares (COMPDEC), informou que a elevação no nível do Rio Doce ocorre em razão das fortes chuvas na bacia do rio, desde Ponte Nova, onde choveu muito na quinta e sexta-feira. A tendência é que o rio continue subindo, mas não há previsão de sair do leito, por enquanto.
Cidade chora os mortos
“Santa Maria de Itabira amanheceu no noticiário pela tragédia que se abateu sobre a cidade: as fortes chuvas fizeram encostas caírem sobre algumas casas e o Rio Girau, que é só um filete de água em tempos de seca, se agigantou e tomou a cidade. Muita gente perdeu o pouco que tinha. Duas mortes foram confirmadas e pelo menos quatro pessoas ainda estão desaparecidas.
Toda tragédia é uma tragédia, e toda morte é sentida. Mas no interior o choro é coletivo. Nas grandes cidades, as mortes são quase sempre anônimas. São pessoas distantes que partiram. A dor não é tão grande para todo mundo. No interior, a cidade se sente enlutada como um todo. Por ser um município de 10.836 habitantes, segundo o IBGE de 2018, as vítimas da chuva são amigos, parentes e conhecidos.
O autor que subscreve este texto conhece bem a cidade. Nasci em Itabira em 1989, porque Santa Maria não tinha – e ainda não tem – maternidade. Sempre morei na cidade, onde fiz meus melhores amigos e guardo lembranças incríveis da infância. A mudança para Belo Horizonte veio em 2007 para estudar. Pais, avó materna, tias e bons amigos ainda estão por lá. Uma tia viu a casa recém-reformada praticamente submersa. O imóvel onde morei na infância, hoje alugado, virou continuação do rio.
Santa Maria ainda é a típica 'Cidadezinha Qualquer' de Carlos Drummond de Andrade – não dá pra dizer que ela tenha sido a inspiração do poeta itabirano, porque só surgiu em 1943, treze anos depois da publicação do livro 'Alguma Poesia'. O município da região Central, a 30 quilômetros de Itabira e a 130 quilômetros de Belo Horizonte, ainda tem 'casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras / pomar amor cantar'.
Embora alguma modernidade tenha chegado à cidade, Santa Maria vive no ritmo do poema de Drummond: 'Um homem vai devagar / Um cachorro vai devagar / Um burro vai devagar / Devagar... as janelas olham/ Eta vida besta, meu Deus'. Neste domingo, isso mudou. A vida besta, parada, tranquila, virou vida triste para todo mundo. Santa Maria virou notícia e ganhou as manchetes pela sua dor.
Na madrugada de domingo, as informações já corriam pelos grupos de WhatsApp. A água invadiu as casas dos bairros que margeiam o Rio Girau: Lambari, Nova Santa Maria, Centro, Conselho e Poção. Muita gente acordou sentindo a água no corpo. Já não dava tempo de salvar nada: eletrodoméstico, guarda-roupa, carro, TV, cama, roupas. Uma vida toda indo embora com o rio. Imóveis no Bairro Poção, que fica próximo a uma encosta, foram soterrados. Na manhã de ontem, o Corpo de Bombeiros conseguiu resgatar sobreviventes. Escolas ficaram destruídas; o comércio no Centro da cidade foi atingido.
Santa Maria é conhecida na região por ser continuação da MGC-120, onde precisa passar quem vai para as regiões de Guanhães, Ferros, Água Boa, Rio Vermelho. A estrada ficou interditada pelos deslizamentos de terra.
Na cidade, nasceu o compositor mineiro José Duduca de Morais, autor do hino de Minas Gerais. A letra fala em 'lavradores de pele tostada, boiadeiros vestidos de couro... / Operários da indústria pesada, garimpeiros de pedra e de ouro... / E poetas de doce memória e valentes heróis imortais... / Todos eles figuram na história do Brasil e de Minas Gerais'. Agora, esses homens citados por De Morais, ao lado de outras mulheres valentes, terão a missão de reconstruir Santa Maria de Itabira.” (Thiago Madureira)
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