PANDEMIA

16 estados e o DF têm taxa de ocupação de UTIs para covid-19 acima de 80%

Percentual é considerado crítico. Pelo país, 8 unidades da federação tem mais de 90% dos leitos de terapia intensiva da rede pública ocupados. Roraima, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás se aproximam do colapso

Sarah Teófilo
Bruna Lima
Maria Eduarda Cardim
postado em 27/02/2021 22:24 / atualizado em 20/04/2021 18:34
 (crédito: Orlando SIERRA / AFP)
(crédito: Orlando SIERRA / AFP)

Os alertas de especialistas, desde o fim do ano passado, não impediram o Brasil de chegar a um patamar alarmante da pandemia, com diversos estados com leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para pacientes com covid-19 à beira do completo esgotamento. Dados das secretarias estaduais mostram taxas de ocupação dos leitos de UTIs do Sistema Único de Saúde (SUS) em 80% ou mais em 18 estados (e acima de 80% em 17 unidades da federação), o que já é considerado crítico pelo comitê Observatório Covid-19, ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A taxa está acima de 90% em oito estados. Médicos apontam: o cenário é de colapso.

Em nota técnica, a Fiocruz afirmou que as taxas observadas no último dia 22 já mostravam “uma clara piora do quadro geral do país referente às taxas de ocupação de leitos de UTI covid-19 para adultos — o que configura-se no pior cenário já observado no país”. Naquela ocasião, 13 unidades federativas estavam com taxa de ocupação acima de 80%. Na análise da fundação, a região Norte se mantém em situação muito preocupante e, em todos os estados do Sul, o quadro piorou.

Alertas não faltaram. Ainda em dezembro, a Fiocruz já falava que “sem cuidados devidamente adequados e sem manutenção do isolamento social” em meio às festividades de fim de ano, a rede de saúde brasileira poderia colapsar. Dentre os fatores que contribuiriam para o agravamento da pandemia, foram citados a “desmobilização de leitos extras dos hospitais de campanha; a ocupação de leitos por outros problemas de saúde que ficaram represados durante o avanço da epidemia de covid-19; a maior circulação de pessoas; as dificuldades de identificação de casos e seus contatos devido à baixa testagem; e o relaxamento dos cuidados de distanciamento social, uso de máscaras e higiene”.

Agora, segundo a Fiocruz, os dados consolidados para o país confirmam a formação de um patamar de intensa transmissão da covid-19, com nenhum estado apresentando tendência de queda significativa nas últimas três semanas epidemiológicas no número de casos e óbitos por Covid-19. “A manutenção de altos índices da doença, bem como a sobrecarga de hospitais, podem ser ainda decorrentes de exposições ocorridas no final de 2020 e em janeiro de 2021, com a ocorrência de festas de fim de ano, festivais clandestinos e intensificação de viagens”, pontua.

Infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Jamal Suleiman ressalta que desde novembro do ano passado os especialistas estão chamando atenção para o aumento de casos e sobre o que aconteceria com o sistema de saúde. “Já era absolutamente previsível esse repique simultâneo no país inteiro”, diz. De acordo com ele, as pessoas aglomeraram nas festas de fim de ano, e depois no carnaval, e somou-se a isso a ausência de uma política central de controle da pandemia. “O colapso é o desfecho que a gente previa desde o ano passado”, afirma.

Conforme o infectologista, uma taxa de ocupação acima de 90% “é o colapso”. “O sistema de saúde não pode estar voltado exclusivamente para uma mesma doença”, ressalta. Para o médico, falta uma coordenação nacional, com planejamento. “Essa tragédia é anunciada. O que aconteceu é que a gente saltou do 20º andar sem nenhuma rede embaixo. Todas as narrativas foram no sentido de caracterizar isso como um fenômeno irrelevante com 250 mil pessoas mortes”, relata.

O diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez, também afirma que o cenário é de colapso imediato quando a taxa de ocupação está neste nível. De acordo com ele, os hospitais nunca devem ter taxas de ocupação de leitos de UTIs acima de 80%, porque a sobrecarga dos servidores acaba sendo intensa e há, ainda, uma redução na efetividade da internação.

Controle

Em meio à grave situação, governadores começaram a decretar medidas mais restritivas, como o fechamento do comércio. Para Urbaez, as medidas são tardias para uma situação que já era prevista por especialistas, com falta de ações de controle, festas de fim de ano e carnaval. “O Flamengo ganhou e as pessoas comemoraram como se não houvesse pandemia. E o poder público, totalmente omisso”, afirma.

Conforme o infectologista, nada do que está acontecendo é novo ou inesperado. “Quando começou essa história de flexibilização, fechamento de leito, a gente sempre advertiu que o vírus estava em altas taxas de circulação”, pontua. Para ele, tudo o que o país vive é reflexo de uma ausência de dispositivo de controle de pandemia.

“O poder público nunca teve controle de pandemia. O que fez foi correr atrás de leitos para assistir os doentes. Mas controle de pandemia é você reduzir ao mínimo os casos. Para isso, tem que ter testagem, isolamento e planejamento na flexibilização de algumas atividades econômicas. Isso tudo é uma complexa operação que exige trabalho árduo em todas as suas esferas. Aqui, nunca foi feito”, frisa.

arte com os leitos de UTI pelo Brasil
arte com os leitos de UTI pelo Brasil (foto: ARTE/ CB )

Só abrir leitos não será eficaz

Com o sistema de saúde à beira do esgotamento, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aponta o aumento do número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) como uma das ações prioritárias da “nova etapa” da pandemia. Especialistas e a Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, alertam que, sem outras medidas, abrir leitos não é eficaz.

Diretor-geral do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Aith é enfático: abrir leitos e não trabalhar na redução da transmissão é “enxugar gelo”. “Não adianta fazer leitos de UTI. Tem que reduzir o número de infectados. A taxa de transmissão tem que ser menor que 1”, diz.

Aith reforça que a solução está no uso de máscara e nas medidas de distanciamento social. “Se o número de infectados continuar aumentando, os leitos nunca serão suficientes”, afirma.

O diretor pontua que, para cada leito, é preciso profissionais treinados e habilitados. “Falar em leitos é populismo barato; é desviar atenção, dizendo que o problema é UTI”, ressalta.

A epidemiologista Ethel Maciel concorda com Aith: “Para você ter leitos, principalmente os de UTI, você precisa de pessoal qualificado, que saiba operar as máquinas”. A especialista ressalta a necessidade de aumentar a testagem e as medidas de isolamento, com apoio à população (como um auxílio emergencial) e aos pequenos e microempresários, para que possam fechar.

Questionado pelo Correio na última sexta-feira, em entrevista coletiva, o diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Michael Ryan, apontou que aumentar o número de leitos não é suficiente para controlar o cenário de colapso. “O sistema de saúde ficará transbordando se a trajetória dos casos estiver aumentando. Se não pode cobrir hoje, certamente não irá cobrir amanhã, se a pressão sobre o sistema continuar. É sempre bom fortalecer a capacidade da saúde, é sempre bom conseguir abrir mais leitos, mas só isso não é suficiente.”

Transferências

Além de apostar na abertura de novos leitos, a estratégia de Pazuello, frente à lotação de UTIs, é promover a transferência de pacientes entre estados. A proposta é criticada pelo infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Jamal Suleiman. “Já é um processo de isolamento grave do paciente em relação a sua família, e ainda é em outro lugar”, explica.

Vários estados receberam, há algumas semanas, pacientes de outras unidades da federação em colapso, como do Amazonas e de Rondônia, mas, segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, fazer isso neste momento seria mais difícil. “Hoje a gente já teria dificuldade bem maior de fazer esse transporte porque todo mundo está no seu limite.”

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