De quem é a culpa?

"O governo brasileiro foi, durante meses, indiferente à evolução da pandemia e não se moveu preventivamente para assegurar as vacinas para a população"

Roberto Brant
postado em 01/03/2021 21:57

Qualquer que seja a nossa inclinação política, dois fatos da vida brasileira não têm como ser negados. Conforme sempre repetia o antigo senador americano Daniel Moynihan, na democracia, todos têm direito à sua própria opinião, mas ninguém tem direito aos seus próprios fatos. Estes dois fatos são a estagnação da economia brasileira e o fracasso do país no enfrentamento da pandemia.

A economia brasileira não cresce há 10 anos. Em toda a década, o Brasil teve crescimento médio anual de apenas 0,2%, um índice menor do que o crescimento da população, o que significa que, em termos per capita, os brasileiros ficaram 7% mais pobres nesse período. Isso não é algo que se possa imputar individualmente a um só governo, porque neste tempo tivemos três governos diferentes. De qualquer modo, é um fato que sugere que governos e sociedade não têm sabido realizar o que é fundamental para um país como o nosso, que acumula, ao mesmo tempo, tantos recursos e tanta pobreza.

O outro fato que temos que enfrentar são os números da pandemia em nosso país. Nenhuma aritmética frívola é capaz de desmentir a verdade que, com apenas 2,8% da população mundial, temos 9% dos casos e 10% das mortes pela covid-19. Antes que alguém queira confundir uma comparação tão simples, é melhor mostrar os dados oficiais: em 24 de fevereiro, os casos no mundo atingiram 111,8 milhões, no Brasil 10,2 milhões; no mesmo dia, as mortes no mundo chegaram a 2,4 milhões e no Brasil 247 mil.

Governos não podem tudo diante de uma pandemia dessa natureza, precisamos ser justos. Muitas das atitudes de prevenção dependem exclusivamente de escolhas individuais, embora governos sensatos e responsáveis podem convencer as pessoas, se quiserem. Mas só o governo pode providenciar leitos e profissionais de saúde e, principalmente, vacinas para imunização. O governo brasileiro foi, durante meses, indiferente à evolução da pandemia e não se moveu preventivamente para assegurar as vacinas para a população. O resultado é que, com as poucas vacinas que temos e o ritmo atual de vacinação, levaremos mais de 600 dias para vacinar 75% dos brasileiros. Até aqui estamos falando exclusivamente de fatos.

Tudo isso que está acontecendo não precisaria, necessariamente, acontecer. O Brasil, a sociedade e o governo têm recursos para se desenvolver e administrar a pandemia de uma maneira muito mais efetiva. Há populações no mundo que vivem em regiões muito pobres e que não contam com um Estado de verdade, ou seja, uma autoridade central capaz de impor a ordem legal e, ao mesmo tempo, assegurar o ambiente para o desenvolvimento da economia. Nestas, a pobreza e a doença prevalecem, pois não há nada que as enfrente. Outras populações, ao contrário, vivem sob o jugo de um Estado despótico que domina a sociedade sem restrições ou limites. Nestes, a sociedade não tem vida própria, e o governo é responsável por tudo.

O Brasil é um país rico de toda sorte de recursos, e a nação vive sob um Estado democrático, no qual a liberdade é protegida por instituições e a economia é livre para prosperar. Então, o que há de errado conosco?

Nas sociedades democráticas, Estado e sociedade são duas faces da mesma coisa. E o Estado só é capaz de funcionar se a sociedade também faz a sua parte. As sociedades passivas ou alheias às questões da esfera pública têm o hábito equivocado de lançar toda a culpa pelos seus erros e fracassos no governo, sem levar em conta que, na democracia, são as pessoas que elegem os governantes e são livres para manifestar sua aprovação ou rejeição.

Quando a sociedade não tem cultura de participação e de envolvimento com a política, esta é invadida e ocupada por minorias e grupos de interesse que desviam os recursos institucionais e financeiros do Estado para os seus próprios fins. Nenhuma eleição e nenhum governo salvará o Brasil sem que as maiorias sociais ocupem de vez o centro da política e empurrem para longe o fanatismo, a cobiça e a ignorância das minorias.

Se alguém é culpado por tudo que sofremos, este culpado, por enquanto, somos todos nós.

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