PANDEMIA

Raio-x da pandemia: o Brasil que Queiroga recebe de Pazuello

No pior momento da pandemia, o Brasil chega a seu quarto ministro da Saúde com 11,5 milhões de casos e 279,3 mil mortes

BBC
Luis Barrucho - @luisbarrucho - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 16/03/2021 16:38 / atualizado em 16/03/2021 16:43

No pior momento da pandemia, o Brasil chega a seu quarto ministro da Saúde com 11,5 milhões de casos e 279,3 mil mortes.

Nesta segunda-feira (15/3), Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro como substituto do general Eduardo Pazuello.

Foi a terceira troca desde o início da pandemia.

O Brasil iniciou a pandemia tendo o médico Luiz Henrique Mandetta comandando o Ministério da Saúde. Ele estava no cargo desde o início do mandato de Bolsonaro e foi demitido em abril de 2020 por divergências quanto à estratégia de combate ao vírus.

Mandetta foi substituído pelo também médico Nelson Teich, que comandou o ministério por menos de um mês, até renunciar em 15 de maio de 2020.

Bolsonaro decidiu, então, nomear como interino o general Eduardo Pazuello, sem experiência na área da saúde, mas que era na ocasião secretário-executivo da pasta. Em setembro, ele foi confirmado oficialmente no posto.

Agora, Queiroga assume o órgão. Mas como está a situação do Brasil?

1) Número de casos e mortes em alta

Na segunda-feira, o Brasil quebrou um novo recorde: o país liderou o número acumulado de casos e mortes no mundo nos sete dias anteriores, ultrapassando os Estados Unidos, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Foram 494.153 novos casos da doença causada pelo novo coronavírus e 12.335 mortes no período no Brasil, contra 461.190 e 9.381, respectivamente, nos Estados Unidos.

Na data, o Brasil também superou os EUA tanto em número de casos quanto em mortes.

Foram 85.663 casos e 2.216 mortes no Brasil contra 62.840 e 1.388 nos EUA, respectivamente.

De acordo com a OMS, o Brasil é o segundo país em número total de casos confirmados e mortes, atrás apenas dos EUA.

Desde o início da pandemia de covid-19, foram 11.519.609 casos de infecção e 279.286 mortes, contra 29.495.906 e 535.661 nos EUA, respectivamente.

A Índia, que havia superado o Brasil em número de casos, voltou a ser ultrapassada e tem o terceiro maior número de infecções confirmadas no mundo (11.409.831). Já o México ocupa a terceira posição em número de mortes (194.944).

Especialistas consideram que o Brasil passa pelo pior momento da pandemia. Nos últimos dias, o país vem registrando seguidos recordes de mortes diárias.

Na semana passada, por exemplo, o Brasil teve mais mortes em um período de 24h do que todo o continente asiático, cuja população é mais de 20 vezes superior à brasileira.

Nos EUA, por outro lado, a pandemia dá sinais de arrefecimento. O país tem o maior número de doses administradas de vacinas contra covid-19 no mundo: mais de 107 milhões. O presidente americano, Joe Biden, prometeu imunizar toda a população até julho.

O Brasil também tem a curva de mortes mais acelerada entre as nações com mais óbitos por covid-19 no mundo.

Segundo dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido), a média móvel de mortes de sete dias do Brasil vem acelerando desde 21 de fevereiro, quando atingiu 4,88 óbitos por 1 milhão de pessoas. Nesta terça-feira (2/3), a taxa foi de 8,62 óbitos por 1 milhão de pessoas, alta de 76,6%.

O país segue, assim, na contramão dos países com mais mortos por covid-19, como Estados Unidos, México, Índia e Reino Unido. Todos apresentam curva de óbitos descendente no mesmo período — e também nos últimos dias.

Gráfico que mostra expansão de pandemia de covid-19 no mundo
Imperial College London
Gráfico mostra expansão de pandemia de covid-19 no mundo; nos países em marrom, como Brasil, pandemia está acelerando

Outro indicador que mostra que a pandemia no Brasil está fora de controle é a taxa de reprodução do vírus, também conhecida como Rt.

O Rt indica quantas pessoas em média são infectadas por alguém que já está contaminado pelo novo coronavírus, o Sars-CoV-2. Ou seja, a partir dele, podemos saber se a pandemia está desacelerando ou acelerando.

Quanto esse índice está acima de 1, isso significa que a pandemia está fora de controle.

Esse é caso do Brasil, com uma taxa de 1,13, segundo dados compilados pela universidade Imperial College, de Londres (Reino Unido).

Marcelo Queiroga em corredor de hospital, sorrindo
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Médico Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes é o quarto ministro da Saúde no governo Bolsonaro

2) Baixa taxa de vacinação

Apesar de ter administrado mais de 12 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, o Brasil tem uma taxa de vacinação baixa: 5,6 doses para cada 100 pessoas, segundo dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido).

Essa taxa é inferior à de Israel (109,66), o país que mais vacinou até agora, dos Estados Unidos (32,62), do Reino Unido (38,39) e inclusive à de vizinhos sul-americanos, como Chile (36,59) e Uruguai (6,11).

A maior parte dos países da União Europeia, que vem sendo criticada quanto ao ritmo de vacinação de sua população, também têm taxas maiores do que a do Brasil, caso de Portugal (11,46), Espanha (12,07), Itália (11,33) e França (10,85).

Um estudo recente da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) apontou que que Brasil precisa vacinar 2 milhões por dia para controlar pandemia em até um ano. A taxa atual varia entre 100 mil a 300 mil por dia.

Segundo a pesquisa, num ritmo médio de 100 mil pessoas imunizadas por dia, levaria mais de 2 anos para que 70% da população fosse vacinada com uma vacina 50% eficaz, caso da CoronaVac.

As simulações feitas pelos pesquisadores indicam que caso se mantenha uma taxa de imunização entre 1 a 2 milhões de pessoas por dia, cerca de 200 mil vidas brasileiras seriam salvas em um ano. Atualmente, a taxa de vacinação no Brasil está em torno de 330 mil pessoas por dia.

Profissionais da saúde puxam uma maca num hospital
Getty Images
UTIs estão lotadas em vários Estados brasileiros

3) UTIs lotadas

Na semana passada, um levantamento da Fiocruz mostrou que 20 Estados estavam com UTIs em "alerta crítico" e, em 13, a ocupação superava 90%.

Caso emblemático é o do Rio Grande do Sul que completou nesta segunda-feira (15) duas semanas de ocupação de leitos de UTI acima do limite operacional (lotação de 109%).

O cenário é ainda mais grave na rede privada, com 133% das vagas ocupadas. No Sistema Único de Saúde (SUS), a taxa é de 100%.

Frente a essa situação, na última sexta-feira, o Ministério da Saúde publicou uma portaria que libera um total de R$ 188,2 milhões para o financiamento de 3.965 novos leitos de UTI em municípios de 21 Estados — os leitos temporários serão custeados por 90 dias, com possibilidade de renovação posterior.

O número de leitos de UTI financiados caiu neste ano, pior momento da pandemia, em relação ao ano passado. Eram 11.565 leitos financiados/habilitados pelo governo federal em julho do ano passado, ante 3.372 até o dia 9 de março, segundo dados do Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde).

Os Estados contemplados são: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins.

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil
Reuters
Bolsonaro vem sendo criticado por combate à pandemia de covid-19

4) Baixo isolamento social

Embora esteja passando pelo pior momento da pandemia, o Brasil tem um índice de isolamento social baixo: 34,8% segundo dados mais recentes da empresa Inloco, colhidos a partir de dados GPS e internet de celulares.

A título de comparação, no fim de março do ano passado, quando os casos confirmados e os óbitos não eram tão altos, essa taxa era de 62,2%.

Especialistas dizem que sem medidas duras de restrição à circulação de pessoas, o Brasil dificilmente vencerá a pandemia, e o país pode ver o surgimento de novas variantes do coronavírus, e mais resistentes, o que pode dificultar ainda mais o trabalho dos profissionais de saúde e aumentar o risco de contágio da população.

Eles defendem um lockdown em nível nacional para reduzir o número de casos e, por consequência o de mortes, evitando o colapso do sistema de saúde.

"O Brasil tem que decretar um lockdown mais rígido e correr com a vacinação", disse Atila Iamarino, biólogo e divulgador científico, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Infectologista e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington, nos Estados Unidos, Denise Garrett concorda. Ela trabalhou por mais de 20 anos no CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), órgão ligado ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos,

"O Brasil precisa de um lockdown estrito a nível nacional. Passou da hora de um lockdown a nível municipal ou estadual. E quando eu falo em lockdown, eu me refiro a não sair de casa, só em caso de urgência. De esvaziar as ruas, mesmo. Só funcionar serviços essenciais", diz ela à BBC News Brasil.

No entanto, em entrevista à emissora CNN Brasil, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, descartou o lockdown como "política de governo" contra a covid-19. Segundo ele, confinamentos só deveriam ser usados em "situações extremas".

"Esse termo de lockdown decorre de situações extremas. São situações extremas em que se aplica. Não pode ser política de governo fazer lockdown. Tem outros aspectos da economia para serem olhados", disse.

5) Nova variante

Especialistas creditam a alta recente no número de casos da covid-19 principalmente à variante P.1, inicialmente detectada em Manaus.

Estudos apontam que se trata de uma cepa mais transmissível e que "dribla" o sistema imunológico, reinfectando quem já se curou.

Segundo os especialistas, a nova variante surgiu uma vez que o Brasil deixou o vírus "circular livremente".

"Vírus estão sempre mutando. As mutações que forem favoráveis a ele, quando não há restrição à transmissão, serão selecionadas e vão predominar", explica Garrett.

O maior temor é que num ambiente onde a taxa de vacinação é baixa e a taxa de transmissão é alta, como no Brasil, "podemos ter variantes que possam comprometer a eficácia das vacinas".

"Eventualmente, e isso ainda não aconteceu, uma vez que as novas cepas estão respondendo às vacinas que protegem contra a forma mais grave da doença, podemos ter variantes que possam comprometer a eficácia das vacinas".

"Claro que num ambiente onde a taxa de vacinação é baixa e a taxa de transmissão é alta, como no Brasil, esse risco é muito mais elevado".

"Ninguém está seguro até que todos estejam seguros. Nenhum país vai se sentir seguro enquanto houver um país como o Brasil, onde não há nenhum tipo de controle", conclui ela, para quem o Brasil virou uma "ameaça global".


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