SAÚDE

Colapso na saúde é iminente, com UTIs cheias e risco de faltar oxigênio

Na semana mais mortal da história da pandemia, o Brasil tem cenário inédito em que ricos e pobres têm o mesmo problema: não há vaga na fila da UTI. E mesmo quem já está internado corre o risco de ficar sem medicamento e oxigênio

Bruna Lima
Maria Eduarda Cardim
postado em 21/03/2021 06:00 / atualizado em 21/03/2021 11:59
 (crédito: Miguel Schincariol/AFP)
(crédito: Miguel Schincariol/AFP)

Após um ano de respostas desarticuladas frente à pandemia da covid-19, ruptura do conceito tripartite que rege o Sistema Único de Saúde (SUS) e um movimento político polarizado que colocou saúde e economia como necessidades antagônicas, o Brasil, finalmente, está em sincronia. Não há Unidade de Terapia Intensiva (UTI) suficiente para atender a demanda de ricos ou de pobres.

A transferência de pacientes de um estado para outro não é mais uma saída, já que, das capitais aos municípios mais interioranos, o colapso da rede de saúde é iminente. O desabastecimento de oxigênio que despontou em Manaus é ameaça nos quatro cantos do país, bem como a falta de medicamentos usados para a intubação. Em meio ao descontrole, a previsão é de aumento contínuo nos registros de mortes.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, o Brasil está unido ao sentir o impacto das consequências desastrosas de uma condução negacionista e, hoje, registra, por dia, pouco mais de um quinto dos novos óbitos no mundo, mesmo somando, apenas, 2,7% da população global. “Isso não é razoável e bota em xeque qualquer cálculo, retórica de indicador que amenize a situação catastrófica que estamos. Não há contraponto que exista para este cenário, e a população precisa entender a gravidade (do quadro atual)”, alerta o pesquisador Diego Ricardo Xavier, do Observatório de Clima e Saúde (LIS)/Icic, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Dados da plataforma Our World in Data revelam que, há duas semanas, o Brasil lidera o ranking mundial de atualização de óbitos. Neste período, aumentou em 55% a média móvel de fatalidades, passando de 1.443 para 2.237, segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com o fechamento da semana epidemiológica 11, ontem, o Brasil somou mais 15.650 mortes, registrando a semana mais mortal da história da pandemia brasileira, 22% a mais que a anterior, que era a recordista até o momento, e 103% superior à semana 30, de 2020, quando o país somou 7.677 fatalidades no pico da primeira onda. A média móvel diária de mortes no país, de 2.172 ontem, é quase o dobro da média dos Estados Unidos (1.221), segundo dados do consórcio dos veículos de imprensa.

Na retrospectiva trazida por Xavier, o Brasil caminha para esta situação desde setembro do ano passado, quando a covid-19 chegou a todas as regiões brasileiras. A movimentação causada pelas eleições, festas de fim de ano e férias, fazendo com que as novas variantes circulassem pelo país, é um dos fatores da explosão de casos. A diferença é que, atualmente, não é mais possível remanejar pacientes do interior para as capitais ou de um estado para o outro.

“Ao estabelecer um movimento capilarizado, ou seja, todo mundo se movimentando ao mesmo tempo, isso fez com que a pandemia saísse do processo de interiorização para o de sincronização, simultaneidade, com casos subindo drasticamente em todos os locais, ao mesmo tempo”, explica o pesquisador. A consequência disso é a lotação generalizada em todos os hospitais. “Infelizmente, os pacientes vão morrer sem ter o mínimo de dignidade de ser assistido adequadamente.”

Fila mortal

Antes mesmo de se configurar este cenário de colapso generalizado, um levantamento da Fiocruz, liderado por Xavier, estimou que quase 30% das fatalidades registradas por covid-19 no Brasil estavam na fila por uma UTI, mas morreram antes de ter acesso ou conseguir ocupar uma vaga. Ao cruzar os óbitos de pessoas inscritas na Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) e que ocorreram antes da transferência, verificou-se que, até fevereiro, 72 mil brasileiros que perderam a vida nesta pandemia se encaixam neste perfil.

Com a situação ainda mais fora de controle, a previsão é de atualizações mais assustadoras para as próximas semanas. Parte do que explica essa estimativa é o atraso nos registros. “O que estamos revelando nos balanços diários é um retrovisor de duas ou três semanas atrás. Então, o que, de fato, está ocorrendo hoje só vai ser visto até quatro semanas para frente e, por isso, essa média de dois a três mil óbitos por dia, infelizmente, deve aumentar”, lamenta.

Somente em São Paulo, nesta nova fase da pandemia, mais de 100 pessoas morreram na fila por uma vaga em uma UTI. Até a última atualização, o estado paulista tinha 91,5% dos leitos de UTI destinados a pacientes com covid-19 ocupados. Quando se observa os leitos de enfermaria, a taxa de ocupação também é alta e chega a 80,6%.

Escassez

Em termos de assistência médica, atualmente, no Brasil, nem quem já ocupa uma vaga na UTI deixa de se preocupar. Isso porque gestores municipais e estaduais indicam que já há um cenário escasso de oxigênio e medicamentos necessários para manter pacientes intubados, por exemplo.

Ontem, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo precisou transferir 10 pacientes que estavam em atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Ermelino Matarazzo diante de um possível esgotamento do oxigênio. Já em relação aos medicamentos, um levantamento feito pelo Fórum Nacional dos Governadores, indica que ao menos 11 remédios usados em UTIs estão em falta ou com estoque apenas para os próximos 20 dias em diversos estados. A crise e o medo de ficar sem medicações básicas para intubar um paciente afetam tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto a rede privada.

Em nota, a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) informa que a requisição do governo federal, feita na última quinta-feira, à indústria para aquisição de sedativos, analgésicos e fármacos, ameaça o estoque das unidades particulares de saúde. Em algumas, segundo a entidade, medicamentos usados no atendimento a pacientes com covid-19 podem se esgotar em até 48 horas.

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UFPE divulga cartilha

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) divulgou cartilha com seis recomendações para ajudar no combate à pandemia do novo coronavírus e informou que o período de restrições no campus vai até 5 de abril. Na sexta-feira, o governo pernambucano decretou um pacote de medidas restritivas mais rígidas, que determinaram a proibição de atividades econômicas e sociais entre 18 e 28 de março. “A decisão visa fazer coro com todas as vozes a favor da vida, perante as autoridades governamentais e sanitárias, como instituição educadora, através da produção e socialização do conhecimento”, diz a nota da UFPE.

Pior sábado da história

Pelo quinto dia consecutivo, o Brasil registrou mais de 2,4 mil mortes por covid-19 em um intervalo de 24 horas. Segundo o balanço divulgado, ontem, pelo Ministério da Saúde, foram confirmados novos 2.438 óbitos pela enfermidade. O número é o maior para um sábado desde o registro da primeira morte pelo novo coronavírus no país, em março do ano passado, e elevou a quantidade de brasileiros que tiveram a vida interrompida pela doença para 292.752.

O levantamento da pasta ainda indicou mais 79.609 casos de infecção pelo novo coronavírus apenas no sábado. Desde o início da pandemia, pelos números do governo, 11.950.459 pessoas já contraíram a doença no país, sendo 10.419.393 recuperados.

O agravamento da crise sanitária no Brasil fez o Senado divulgar uma moção de apelo pedindo ajuda internacional para o país lidar com o avanço e as mortes por covid-19. No texto, aprovado por unanimidade entre os senadores, há diversos alertas. Um deles é de que o Brasil se tornou o epicentro mundial da pandemia, superando, nessa semana, “a alarmante média móvel de 72 mil novos casos e mais de 2 mil óbitos por dia”. “Nesta crise sanitária sem precedentes que atinge o mundo, barreiras fronteiriças não nos podem proteger da propagação do vírus e do surgimento de possíveis variantes. A única defesa é a cooperação internacional, com a vacinação urgente de nossa população. Em todos os momentos dramáticos da história do mundo, o Brasil deu sua contribuição. Agora, precisamos contar com a comunidade internacional, em especial dos países produtores de vacinas, bem como dos detentores de estoques estratégicos da mesma”, informou o documento.

Vacinas
A Saúde informou que enviará mais 5 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 às 27 unidades da Federação e pediu aos estados que todas elas sejam aplicadas como primeira dose. Até aqui, a pasta orientava que metade das doses disponibilizadas pelo governo federal fossem reservadas para a aplicação em segunda dose, a fim de garantir o ciclo.

Está previsto para chegar hoje, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, a primeira leva de vacinas adquiridas pelo governo federal por meio do consórcio global Covax Facility. Neste primeiro lote, o Brasil vai receber 1.022.400 de doses do imunizante desenvolvido pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford.

Pós-pandemia em debate

Diante do agravamento da pandemia no Brasil, que virou o epicentro global da covid-19, um processo de vacinação em massa ágil e eficaz é cada vez mais urgente, porque o cenário econômico está cada vez mais recessivo. E, na busca de saídas para essa crise sanitária, o consenso é que os Três Poderes deverão acertar os ponteiros e trabalhar em conjunto para construir um país pós-pandemia com condições crescer de forma sustentável, gerando emprego e renda para a população.

E, para debater esses desafios do país, o Correio promoverá, na próxima terça-feira (23), o seminário on-line “Desafios para o Brasil pós-pandemia”, com a presença de integrantes do Legislativo e do Executivo, renomados economistas e representantes da indústria, do varejo, da agricultura e da construção civil.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a confirmar, farão a abertura do seminário, às 14h30. O encerramento será feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O primeiro painel será com representantes do setor produtivo e o segundo, com economistas renomados.

Para mais informações sobre os palestrantes e as inscrições acesse: bit.ly/correiotalks. O evento, realizado em parceira com o Sebrae, poderá ser acompanhado por meio do site do correiobraziliense.com.br e das redes sociais do jornal.

Mudança sem muitas expectativas

Em meio ao caos que se encontra o país, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a terceira troca no comando no Ministério da Saúde. Na mira de uma possível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde, o ministro Eduardo Pazuello colocará o cargo à disposição do médico Marcelo Queiroga nesta semana. A posse acontecerá na terça-feira e o atraso na oficialização da mudança acontece por causa do elo de Queiroga com empresas. O cardiologista é sócio-administrador de clínicas em João Pessoa e a lei 8.112 proíbe que servidores públicos sejam sócios de empresas privadas.

Na avaliação de especialistas, contudo, a troca no comando do ministério não resultará em uma mudança da política adotada pela pasta. “Aparentemente, não vai ser bom nem ruim porque o ministro assumiu dizendo que a política de saúde é do presidente. Então, estamos trocando seis por meia dúzia”, avalia o médico sanitarista e membro da FGV Walter Cintra. Para ele, essa troca de ministro “é mais uma cortina de fumaça”.

O momento atual é extremamente crítico e exige a adoção de um lockdown nacional sério, em que haja uma mobilização dos governos para garantir que as pessoas possam ficar em casa sem morrer de fome, de acordo com o médico. “Não pode ser um lockdown onde as pessoas ficam trancadas em casa para morrer”, pontua. Paralelamente, a vacinação em massa também seria necessária para amenizar o cenário catastrófico visto nas últimas semanas.

O pesquisador Diego Xavier concorda e ressalta a importância de uma unidade no combate a covid-19. “Não adianta os prefeitos, os governadores de estados vizinhos tomarem decisões isoladas. Os gestores precisam conversar, já que, muitas vezes, a rede de atenção está conectada e é preciso articular respostas para achatar a curva. A união deve ocorrer não do ponto de vista retórico, mas prático. Em termo da geografia da saúde, a gente pode e deve fazer isso”, defende.

Testagem
Além disso, para mudar o atual panorama, Xavier retoma o que, desde o início da pandemia, os especialistas vêm alertando: a necessidade de ampliar a testagem e conseguir fazer um bom rastreamento de novos casos. “Quando os gestores começam a criar leitos para atender os casos graves, estão remediando o problema e não resolvendo. Não existe suporte de saúde que dê conta dessa doença, então precisamos que ela não aconteça e, para isso, precisamos parar de olhar para leito de UTI, óbitos e olhar para casos.” Nesse sentido, a solução trazida pelo pesquisador é investir drasticamente a testagem, a fim de que se possa perceber o aumento de casos e se interrompa o novo ciclo de transmissão, com medidas mais restritivas, antes que as UTIs estejam lotadas. “Quanto mais demorarmos para agir no princípio do problema, mais pessoas vão continuar morrendo.” (BL e MEC)

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