Uma decisão da Justiça Federal em Brasília considerou inconstitucional uma lei aprovada pelo Congresso que obriga o setor privado a doar as doses compradas de vacinas contra a covid-19 ao Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei 14.125, sancionada em 10 de março, determinava o repasse de todos os imunizantes ao governo federal até que os grupos de risco — que reúne 77,2 milhões de brasileiros — tenham recebido as doses em todo o país. Mas, mesmo após as prioridades serem atendidas, os fármacos comprados pela iniciativa particular devem ser divididas meio a meio com o SUS.
De acordo com juiz substituto da 21ª Vara Federal de Brasília, Rolando Spanholo, a obrigação de doação integral desestimula a sociedade civil a participar da compra e da vacinação contra a covid-19, em vez de “cumprir com a sua promessa de abrir caminho para a participação da sociedade civil no complexo (e ainda exageradamente lento) processo de imunização”. O magistrado aceitou o argumento de que a restrição viola o direito fundamental à saúde, ao atrasar a imunização, que definiu como “única política capaz de reduzir os seus riscos em relação à covid-19”.
Na decisão, Spanholo acolheu pedido do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo, da Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo e do Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Ainda cabe recurso sobre o entendimento do juiz e a Advocacia-Geral da União (AGU) já anunciou que deve recorrer, uma vez que a Lei 14.125 segue as definições do Plano Nacional de Operacionalização contra a covid-19.
Às escondidas
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou, ontem, um procedimento administrativo criminal para investigar empresários de Belo Horizonte que teria importado vacinas contra covid-19 da farmacêutica Pfizer para eles, políticos e parentes se imunizarem. O pedido se dá após reportagem publicada pela revista Piauí, na última quarta-feira, contando que o grupo importou doses e as utilizou escondido. A Polícia Federal também investigará o episódio.
Vídeos que circularam pelas redes sociais e em sites mostram pessoas supostamente sendo vacinadas, na noite da última terça-feira, na garagem da viação Saritur, na capital mineira. As imagens foram gravadas por vizinhos do local, que denunciaram o esquema. O vai e vem ocorreu após as 20h, quando já estava em vigor o toque de recolher determinado pela prefeitura.
As imagens exibem uma aglomeração de carros em volta da entrada do local. Uma mulher de jaleco branco vai até o porta-malas de um carro, retira a vacina e aplica nos motoristas. Alguns descem dos veículos para receber a dose, outros não. Uma outra pessoa anota nomes em uma ficha, como se estivesse confirmando cada imunização dada.
As doses da Pfizer contratadas pelo ministério ainda não chegaram e a farmacêutica nega “qualquer venda ou distribuição de sua vacina contra a covid-19 no Brasil fora do âmbito do Programa Nacional de Imunização”.
* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
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Em 24h,100 mil casos
Depois de registrar o maior número de mortes por covid-19 nesta semana — de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), já são 303.462 óbitos, sendo 2.787 nas últimas 24 horas —, o país confirmou a maior quantidade de casos da doença entre quarta-feira e ontem. Segundo o Ministério da Saúde, 100.158 infecções foram adicionadas no balanço nacional, que já soma 12.320.169 diagnósticos positivos.
Pela primeira vez o país atingiu o patamar dos 100 mil casos por dia, o que mostra que a situação tem tudo para piorar. O recorde negativo até então foi observado no último sábado, quando o Brasil confirmou 90.570 infecções em um dia. O alto número de registros confirmados ontem fez com que se alcançasse, também, a maior média móvel de casos. Segundo o levantamento do Conass, a média de confirmações é de 77.050 infecções por dia.
A crescente atualização em relação às infecções é um indicativo de que o número de novos óbitos deve continuar em rota ascendente. Com a rede de saúde funcionando no limite da capacidade e o iminente desabastecimento de medicamentos para intubação e de oxigênio, os números tendem a piorar, caso pacientes graves não consigam receber atendimento necessário. Nesse ritmo, a previsão do Portal Covid-19 Brasil, iniciativa formada pelos pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e de Brasília (UnB), é de que o país encerre março perto de atingir a marca de 320 mil óbitos pela covid-19.
Também ontem, Jair Bolsonaro assinou o Decreto 10.659, que formaliza a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19. O órgão será coordenado pelo próprio presidente da República e terá como integrantes os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de um membro observante indicado pelo Conselho Nacional de Justiça. O Ministério da Saúde exercerá a Secretaria-Executiva.
Bolsonaro poderá convidar, para participar das reuniões, autoridades e especialistas de notório conhecimento nas questões a serem debatidas. Os encontros poderão ser presenciais ou por videoconferência. O órgão terá duração de 90 dias, que podem ser prorrogados. (BL e MEC)
Anvisa flexibiliza regras para não faltar oxigênio
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou, ontem, que adotou uma série de medidas para ampliar a produção de oxigênio medicinal. Entre elas, autorizações excepcionais e flexibilização de instrumentos regulatórios necessários para aumento da capacidade produtiva do insumo. As ações levam em conta o agravamento da pandemia da covid-19, que matou mais de 300 mil brasileiros, e tentam não piorar o risco sanitário.
Com isso, empresas fornecedoras de oxigênio medicinal, utilizado no tratamento de pacientes graves da doença, conseguirão aumentar, de 5% a 200%, a capacidade de produção e envase do insumo. Isso tem tudo para evitar o risco de desabastecimento, como ocorreu nos primeiros meses do ano em Manaus — quando centenas de pessoas morreram asfixiadas nos leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) das redes pública e privada da capital amazonense.
A decisão da Anvisa também objetiva debelar a crise de abastecimento. Em São Paulo, até a semana passada, mais de 100 pessoas morreram na fila da UTI por falta não apenas de medicamento, mas também de oxigênio. No Distrito Federal e no Rio Grande do Sul, há relatos de que os hospitais têm de colocar mais de um paciente em um único ponto de O² — circularam pela internet fotos e vídeos mostrando isso, com até cinco “rabichos” improvisados e uma única saída, a fim de fornecer o gás para os pacientes.