MEIO AMBIENTE

Promessas de Bolsonaro sobre o clima destoam de atos do governo, dizem analistas

Bolsonaro repetiu promessa de zerar desmatamento ilegal até 2030

BBC
João Fellet - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 22/04/2021 16:05 / atualizado em 22/04/2021 16:06

O discurso do presidente Jair Bolsonaro em reunião organizada pela Casa Branca nesta quinta-feira (22/04) para discutir as mudanças climáticas não condiz com as ações do governo brasileiro nesse campo, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Entre outros pontos, Bolsonaro disse que buscaria antecipar a neutralidade climática (equilíbrio entre emissão e absorção de gases causadores do efeito estufa) do Brasil em dez anos, até 2050, e afirmou que duplicaria os recursos destinados à fiscalização ambiental.

O presidente ainda repetiu a promessa, citada em carta recente ao presidente dos EUA, Joe Biden, de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, exaltou o histórico do Brasil em relação à preservação ambiental e cobrou apoio de outras nações para custear a preservação das florestas brasileiras.

Para analistas, porém, a fala trouxe poucas novidades e destoa radicalmente das políticas do governo para o setor.

Para Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa, voltado a políticas ambientais e climáticas, Bolsonaro "ficou na defensiva" e "jogou para os próximos governos a responsabilidade pela descarbonização da economia brasileira".

"É notável que Bolsonaro não tenha assumido qualquer meta de redução de desmate no seu governo mas apenas reiterado os números de fazer cumprir a lei para 2030", ela diz à BBC News Brasil, referindo-se ao compromisso do governo em zerar o desmatamento ilegal até essa data.

Em seu discurso, Bolsonaro disse que a eliminação do desmatamento ilegal até 2030 fará com que o Brasil reduza "em quase 50% nossas emissões até essa data". Para Unterstell, a fala do presidente é ambígua e não pode ser lida como um compromisso claro, pois condiciona o resultado ao controle do desmatamento.

Ricardo Salles em coletiva nesta quinta
Reuters
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, pediu recentemente R$ 1 bi para combater desmatamento ainda neste ano

Ela afirma que, embora Bolsonaro tenha apontado os combustíveis fósseis como principais responsáveis pela mudança do clima, ele em nenhum momento disse como lidaria com o problema.

"O que será do pré-sal? Como o Brasil está adaptando sua matriz ultravulnerável à mudança do clima para garantir produção de energia limpa?", ela questiona, referindo-se ao peso no Brasil da energia hidrelétrica, dependente da regularidade das chuvas.

Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (entidade que reúne 43 organizações ambientalistas), há discrepâncias entre o discurso de Bolsonaro e práticas do governo.

Astrini questionou o anúncio de Bolsonaro de que duplicaria os recursos para fiscalização ambiental. "O orçamento que ele mesmo mandou para o Congresso prevê o menor valor para fiscalização dos últimos 20 anos", ele diz.

Para Astrini, "Bolsonaro passou metade do discurso pedindo dinheiro para remunerar o Brasil por conquistas ambientais do passado que ele mesmo está destruindo".

Ele afirma que, embora hoje peça dinheiro para preservar suas florestas, o governo se desentendeu com gestores estrangeiros do Fundo Amazônia, o que resultou no congelamento de R$ 3 bilhões que poderiam ser usados para o mesmo fim.

Ele diz ainda que, embora Bolsonaro tenha se comprometido no discurso a atingir a neutralidade de carbono em 2050, o governo brasileiro disse há quatro meses à ONU que esse resultado só seria atingido em 2060.

Outra divergência, segundo ele, diz respeito ao compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 - item que havia sido excluído das últimas metas entregues pelo governo Bolsonaro à ONU, embora constasse das metas assumidas pelo Brasil em 2015, na gestão Dilma Rousseff.

Soldado ao lado de madeira retirada ilegalmente da Amazônia
Reuters
Bolsonaro prometeu duplicar recursos para fiscalização ambiental mas proposta de Orçamento prevê menores recursos para o setor em vários anos

"Bolsonaro precisa decidir o que é verdade: o que ele discursou hoje ou o que o governo disse ontem", afirma.

Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade, destaca outra possível discrepância na fala do presidente.

Bolsonaro afirmou no discurso que o Brasil reduziria suas emissões em 40% até 2030 em relação aos níveis de 2005, mas a meta oficial do país é 43%.

"Mesmo que ele tenha se enganado, o que parece ser mais provável, é uma gafe tremenda que mostra que não está nem aí para o assunto", afirma.

Para Toni, todos os atributos do Brasil exaltados pelo presidente no discurso - como a rica biodiversidade e a matriz energética pouco poluente - se devem à "generosidade da natureza, e não têm qualquer relação com o esforço político deste governo".

O encontro contou com representantes de 27 países. Bolsonaro falou depois dos líderes dos maiores países industrializados e foi o último representante do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a se pronunciar.

Quando o brasileiro assumiu o microfone, Biden já não acompanhava mais as falas, tendo pedido licença para tratar de outros assuntos.

Até mesmo líderes de nações que tradicionalmente não têm tanto peso e proeminência no debate sobre mudanças climáticas, como Bangladesh, Argentina e Ilhas Marshall, discursaram antes de Bolsonaro.

A ordem dos discursos foi definida pela Casa Branca.


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