Uma carta escrita por três professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) evidencia as restrições no caixa da Ciência e Tecnologia no Brasil. O documento, assinado por Marcus Oliveira, Sérgio Ferreira e Stevens Rehen, revela que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) teve cerca de 90% do orçamento contingenciado, justamente em umas das maiores crises sanitárias do mundo — a pandemia de covid-19.
O manifesto pede a rápida promulgação, pelo Senado Federal, da Lei Complementar 177/2021, que impede o contingenciamento de recursos do FNDCT — fundo responsável por destinar recursos ao desenvolvimento científico e tecnológico no país. A medida foi validada pelo Senado em 26 de março, um dia após a aprovação do texto da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021.
No entanto, “a LOA 2021 foi aprovada antes da promulgação da lei 177, que possibilita maior fluidez na manutenção do FNDCT. Na prática, o orçamento deste ano, do governo federal, não contempla o financiamento completo do Fundo. Isso faz com que 90% dos recursos de desenvolvimento da ciência e tecnologia sejam contingenciados”, explicou ao Correio Marcus Oliveira, professor Associado do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Conforme a carta, esse percentual equivale a R$ 5,1 bilhões em investimentos para fins científicos.
“Nós vimos agora, durante a pandemia, o quanto os países dependem dos avanços da ciência e da tecnologia. E só conseguem responder rapidamente aos desafios que sejam impostos em qualquer área, inclusive da saúde, quando dispõem de uma infraestrutura muito forte, consolidada e dinâmica nesse setor”, disse Sérgio Ferreira, professor titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e membro da ABC.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), detalha que a LOA foi aprovada com recursos ainda alocados em reserva, e por isso há dúvidas sobre como o orçamento será ajustado para não desrespeitar regras fiscais. “Nenhuma programática do FNDCT depende de crédito suplementar em 2021. No entanto, devido à lacuna entre a derrubada dos vetos e a aprovação da LOA, os recursos do fundo seguem alocados na Reserva de Contingência, em um total de R$ 5,049 bilhões, 17,91% mais que na LOA de 2020”, apontou a análise feita pela SBPC em abril deste ano.
LOA de 2021
Em abril, o governo federal sancionou a Lei Orçamentária 2021, que cancelou, entre outros valores, R$ 19,7 bilhões. Os maiores bloqueios afetaram as pastas da Educação (2,7 bilhões), Economia (R$ 1,4 bilhão) e Defesa (R$ 1,3 bilhão). Na Ciência Tecnologia e Inovações, o corte foi de R$ 372 milhões.
Em uma live no mês passado, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, usou o termo "estrago" em referência aos cortes do Orçamento 2021. "Estamos trabalhando com o orçamento do ano que vem, vendo o que a gente vai fazer a respeito do orçamento nesse ano, um estrago, vamos chamar assim e realmente foi muito comprimido esse orçamento", disse o ministro.
A pasta gerencia ações ligadas às unidades de pesquisas, programas de fomento a bolsa de estudos e ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — responsável pelo monitoramento de queimadas.
O Correio entrou em contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a fim de se manifestar sobre a limitação dos recursos. No entanto, não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Instituições sob ameaça
Além da UFRJ, onde trabalham os três autores da carta, outras instituições federais enfrentam graves dificuldades em razão de cortes orçamentários. Conforme a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a redução de recursos às universidades chegou a 18% em relação ao ano passado. Isso representa uma queda de R$ 1,2 bilhão. Segundo a Andifes, tal situação ameaça a permanência de estudantes mais vulneráveis nas instituições de ensino.
“Para atender os estudantes vulneráveis, os recursos do Pnaes (Plano Nacional de Assistência Estudantil) teriam de ser de R$ 1,5 bilhão. Já temos evasão porque o recurso é insuficiente. Com 20% a menos do Pnaes, o impacto na evasão é imediato”, detalhou o presidente da Andifes, reitor Edward Madureira em ato virtual promovido em 29 de abril deste ano.
* Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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