A falta de amparo aos cotistas nas universidades públicas, sobretudo os negros, está levando vários deles não apenas a abandonarem o sonho de um bacharelado, como obrigando outros a recorrerem à prostituição para tentarem se manter. A denúncia é do frei David Raimundo dos Santos, fundador da organização não governamental Educafro, e foi feita na edição de ontem do CB Poder, programa realizado em parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.
“Vocês (do governo federal) estão prostituindo os jovens, rapazes e moças das universidades federais, porque vocês não garantem bolsa moradia e bolsa alimentação”, alertou, indignado, ante a penúria orçamentária das instituições de ensino, apesar de o Ministério da Economia ter liberado, ontem, R$ 2,59 bilhões que estavam contingenciados.
Segundo frei David, o sistema de cotas abriu muitas portas para a população negra e, por meio do dispositivo, a Educafro já garantiu o acesso de mais de 60 mil ao ensino superior. Entretanto, não basta apenas inserir essa comunidade nas universidades: é preciso ajudá-la a se manter, pois boa parte dela vem de famílias carentes, muitas em situação de vulnerabilidade social, incapazes de ajudar seus filhos a se manterem.
“Antes da pandemia, de cada 100 jovens negros que entraram nas universidades com cotas, 30 já haviam abandonado. Humilhados, voltaram para suas favelas, para os seus bairros pobres, muito tristes e dizendo: ‘infelizmente me deram a vaga, mas não me deram condições de viver’. Estou denunciando aqui, irmãos da União, (presidente Jair) Bolsonaro, irmãos do MEC (Ministério da Educação). Isso é crime contra o reino de Deus”, cobrou.
Frei David lembrou que, segundo o IBGE, no quarto trimestre de 2020, a taxa de desemprego entre trabalhadores pretos e pardos foi de 17,2%, enquanto que o de brancos chegou a 11,5%. A taxa de desemprego média global foi de 13,9% no mesmo período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
“Isso se chama decisão política. Há decisão política para pegar R$ 3 bilhões para deputados comprarem tratores ou outras coisas”, disse, referindo-se ao chamado “orçamento secreto”, pelo qual o Palácio do Planalto estaria negociando apoios no Congresso. “Tudo bem se você permite essas brechas, mas, por favor, deputados que pegaram essas emendas: por que não investem essas emendas para ajudar esse povo desempregado? No Brasil, falta gerência, falta alguém com visão de futuro e de investimento para colher bons frutos”, salientou.
Para a maior inclusão de negros no mercado profissional, grandes empresas têm realizado processos seletivos especificamente para esse público e destina vagas exclusivas a elas. Porém essa iniciativa vem sendo criticada por alguns setores da sociedade, que já a classificaram até de “racismo reverso”.
“O nome disso (racismo reverso) é uma coisa que ninguém gosta de ouvir: chama-se privilégio de ser branco na sociedade brasileira. Todos os brancos estão acostumados a ver a sociedade funcionar em função deles. Quando alguém mexe com um pequeno botão, de centenas de botões, incomoda. O Magazine Luiza (que foi criticado por fazer uma seleção somente para negros) já tinha feito uns 80 processos de seleção de trainee, e em 100% dos processos de trainee só entravam brancos. Vendo aquilo, porque nós denunciamos, o Magazine Luiza decidiu fazer um processo com negros; um entre 80 dos que foram feitos com brancos, e ninguém nunca chiou. Quando faz um com negros, tem essa chiadeira. O que nós queremos não é ser superiores aos brancos; o que nós queremos é igualdade”, exigiu.
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi
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