Centenas de vítimas de próteses de silicone defeituosas da marca francesa PIP terão direito a indenização, segundo uma decisão desta quinta-feira (20/05) de um tribunal de apelações em Paris - em julgamento que pode abrir as portas para pedidos de reparação a dezenas de milhares de mulheres do mundo inteiro, inclusive do Brasil.
O processo judicial foi originalmente aberto na Justiça francesa há mais de dez anos por 2,7 mil mulheres que alegavam que sofreram problemas de saúde duradouros depois de se submeterem a implantes de silicone mais barato e de tipo industrial, que acabou sendo considerado impróprio para uso humano. Rompimentos do implante provocaram casos graves de inflamação, que forçaram a remoção das próteses.
No desdobramento mais recente, o tribunal parisiense decidiu nesta quinta que a empresa certificadora alemã TUV Rheinland agiu com negligência e será responsabilizada por aprovar as próteses PIP e terá de pagar indenizações. Ainda não se sabe se a empresa, que diz ter sido enganada pela PIP e nega responsabilidade, vai recorrer.
Esses implantes foram usados por cerca de 400 mil mulheres no mundo, a maioria delas na América Latina - e muitas delas no Brasil.
Aqui, a Anvisa proibiu a comercialização das próteses PIP em abril de 2010, após a Agência Francesa de Saúde ter alertado para um aumento nos casos de rompimento dos implantes e o produto ter sido recolhido do mercado francês.
Ainda não foi definido quando e qual o tamanho da compensação que será oferecido às autoras do processo judicial. Em comunicado, a associação PIPA, que representa cerca de 20 mil vítimas em todo o mundo, diz esperar uma indenização que varie entre 20 mil e 70 mil euros (R$ 129 mil a R$ 450 mil, na cotação atual) para cada mulher. Acredita-se que eles valores serão decididos pela Justiça em setembro.
A associação diz esperar que mulheres de todo mundo, inclusive latino-americanas, possam apresentar suas queixas perante a Justiça francesa. O país mais afetado é a Colômbia, onde estima-se que 60 mil mulheres tenham recebido implantes PIP. No Brasil, estimativas de 2011 apontavam para cerca de 25 mil usuárias da prótese PIP.
'Longa jornada'
A decisão desta quinta foi recebida com entusiasmo por grupos de mulheres envolvidas no caso.
"Tem sido uma longa jornada. Temos problemas de saúde e outras responsabilidades - o PIP teve um impacto em nossas vidas inteiras", diz à BBC a britânica Jan Spivey, uma das participantes do processo.
Ela se submeteu às próteses depois de ter passado por uma mastectomia, em decorrência de um câncer de mama. Mas, depois do implante, começou a sentir dores no corpo e fadiga. As próteses acabaram sendo removidas, e Jan descobriu que elas estavam vazando silicone no seu corpo.
Embora a cirurgia de colocação de próteses tenha acontecido 20 anos atrás, "ainda impacta a minha vida e meu bem-estar, até hoje", diz Jan. "Acho que senti raiva todos os dias da minha vida nos últimos 20 anos por ter sido afetada pela PIP".
Uma avaliação da Agência de Saúde Britânica apontou que próteses PIP tinham probabilidade de ruptura até seis vezes maior do que outros implantes de seios. Esse vazamento de silicone, às vezes imperceptível, causou uma série de problemas de saúde nas mulheres implantadas, inclusive suspeitas de câncer.
Alguns anos depois da eclosão do escândalo, o fundador da PIP, Jean-Claude Mas, chegou a ser condenado a quatro anos de prisão e multa de 75 mil euros. Na época, segundo a Reuters, ele disse à investigação policial que seus empregados removiam evidências de uso de gel silicone industrial antes que a TUV Rheinland fizesse suas inspeções anuais.
A TUV chegou a fazer 13 inspeções na PIP entre 19967 e 2010 não apontou nenhuma irregularidade na fabricante francesa.
Em novembro, um advogado da TUV disse, perante a Justiça francesa, que a PIP "fez tudo o que pôde para enganar pacientes, bem como autoridades de saúde e a própria TUV".
Até agora, outras instâncias da Justiça haviam rejeitado a ideia de que a TUV fosse responsabilizada. A certificadora alemã criticou a decisão judicial desta quinta-feira e afirmou que "agiu de modo diligente, em concordância com as regulações vigentes".
Para a médica Mary O'Brien, presidente da Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos, a decisão da Justiça francesa terá um importante papel em garantir que falhas em implantes como os PIP não se repitam no futuro. "O custo humano e a angústia vivida por muitas mulheres e suas famílias após as cirurgias com PIP são preocupantes", afirmou à BBC.
Outra vítima dos implantes, a britânica Alifie Jones removeu suas próteses no mês passado, depois de passar anos sofrendo de extrema exaustão e dores que não pareciam ter explicação clara. Na cirurgia de remoção, o médico ficou chocado ao descobrir que uma das próteses havia se partido em vários pedaços dentro de seu corpo, expondo-o ao silicone industrial.
O mais difícil, diz ela, "era não saber o que era (que causava as dores), ser uma doença misteriosa que me impedia de me exercitar. Eu não me sentia vibrante e sinto que minha vida foi meio que roubada de mim, de certa forma", afirma à BBC.
"Não acredito que foi permitido que algo assim fosse implantado dentro de mim. Me sinto culpada por ter prejudicado meu corpo e por ter colocado a prótese. Mas também sinto raiva que um ser humano possa fazer algo assim com outro", diz, em referência aos atos da empresa francesa.
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