SEM VACINAS

Butantan e Fiocruz param produção e desabastecimento gera guerra de narrativas

Instituto estima que atraso no recebimento do IFA reduzirá entregas de vacinas em maio para pouco mais de 5 milhões de doses. Fundação depende da chegada de novo lote, dia 22, para manter cronograma com o ministério

Após entregar a última remessa da CoronaVac produzida com o que restava dos últimos insumos importados da China, recebidos em abril, o Instituto Butantan paralisou, ontem, a produção do imunizante. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está diante do mesmo problema e terá de interromper a fabricação de doses da Oxford/AstraZeneca, pois uma nova remessa do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) está prevista para chegar somente no próximo dia 22. O desabastecimento, porém, desencadeou uma guerra de narrativas.

Se para o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, os ataques do governo federal à China têm o condão de complicar a obtenção de insumos para os imunizantes, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, apontou que o problema do Butantan é contratual, e não diplomático. “Não há nenhum problema diplomático do Brasil com a China. A questão do Butantan com a China é uma questão contratual. Eu espero que esse suprimento de IFA ocorra normalmente e a produção se regularize para que tenhamos, também, disponível a vacina CoronaVac, como tem sido desde o começo do ano”, afirmou, durante o evento que marcou o início da vacinação contra covid-19 dos atletas olímpicos e paralímpicos, no Rio de Janeiro.

Já o Butantan deixou claro que não há entraves quanto à liberação do IFA pela Sinovac, que produz os insumos da CoronaVac. “Do ponto de vista da nossa relação contratual, não temos nenhum problema. O problema é a liberação, que tem que ser o mais rápido possível”, disse Covas, após entregar as últimas 1,1 milhão de doses prontas da vacina ao Ministério da Saúde.

Em nota, o instituto afirmou que “questões referentes à relação diplomática Brasil x China, incluindo recentes declarações de autoridades federais brasileiras, interferem diretamente no cronograma de liberação de novos lotes de insumos”. Segundo o Butantan, 10 mil litros do IFA — que correspondem a cerca de 18 milhões de doses — estão prontos para serem enviados ao Brasil, mas Pequim não autorizou o embarque.

Diante da paralisação, Covas prevê entregar ao Ministério da Saúde menos da metade das injeções esperadas para este mês. Com o atraso do IFA, em vez de 12 milhões de doses, enviará “pouco mais” de 5 milhões de vacinas.

Ambiente ruim
Embora Queiroga considere que não é um problema diplomático que trava a chegada de insumo para a retomada da fabricação da CoronaVac no Brasil, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB-MG), procurou o embaixador da China, Yang Wanming, para tentar agilizar a chegada do IFA retido. O diplomata enfatizou a necessidade da melhora do ambiente entre as nações.

“O embaixador considera as críticas feitas ao governo chinês infundadas, injustas e acha importante que o Congresso possa ajudar para que essas relações entre os nossos países não sejam contaminadas”, diz a nota emitida pela comissão da Câmara.

Sem admitir o problema diplomático, Queiroga lembrou que a Fiocruz recebeu “recentemente” IFA da China, porém o último lote é de 24 de abril. A Fundação admitiu que, até a chegada, dia 22, haverá uma interrupção na produção de “alguns dias”, apesar de ontem ter repassado ao ministério mais 4,7 milhões de doses.


Pfizer: mais 100 milhões de doses

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assinou, ontem, o contrato que prevê a aquisição de mais 100 milhões de doses da vacina da Pfizer. Ao todo, a empresa se compromete a entregar, até o fim do quarto trimestre, um total de 200 milhões de imunizantes ainda em 2021. Por meio de nota, Marta Díez, presidente do laboratório no Brasil, disse que “estamos muito felizes em celebrar este acordo adicional com o governo brasileiro e, assim, ampliar nosso apoio à imunização de milhões de brasileiros”. Um primeiro acordo está em vigor, e o país recebeu os primeiros lotes com, aproximadamente, 1,6 milhão de doses.

De acordo com o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, o novo contrato com a Pfizer prevê a entrega das novas doses de outubro a dezembro, mas o laboratório sinalizou que poderá antecipar a entrega de 30 milhões deste novo carregamento em setembro. Ele anunciou, ainda, que foram abertas negociações com o laboratório chinês Sinopharm para adquirir mais 20 milhões de vacinas — que já tiveram aprovação para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é uma das que integram o Covax Facility, consórcio internacional de vacinas administrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em paralelo, o governo espera, ainda, receber um carregamento com 30 freezers para armazenamento dos imunizantes da Pfizer, que requerem um cuidado mais específico, nos próximos dias. O secretário executivo do ministério disse que os equipamentos têm capacidade para armazenamento a -80ºC. Cada unidade da federação receberá um desses contêineres, exceto São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que receberão dois por serem mais populosos.

Nos novos freezers, é possível guardar a vacina por até seis meses. Além disso, o governo brasileiro espera uma resposta da Federal Drug Administration (FDA), a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos, a um pedido feito pela Pfizer de autorização para o uso das vacinas do laboratório até 30 dias após o descongelamento. Atualmente, o fármaco pode ficar até duas semanas em freezers com -15 a -25 graus celsius, e até cinco dias descongelada.

“A Pfizer já avançou nos estudos e identificou que a vacina é estável por até 30 dias após descongelamento, e protocolou pedido para o FDA se manifestar sobre essa possibilidade. Com 30 dias, será bem fácil (a logística de distribuição no Brasil)”, disse Cruz.

O secretário explicou que vem conversando com todos os laboratórios para antecipar a entrega de vacinas já contratadas. Uma das apostas também é a troca de imunzantes com países que têm estoque suficiente — principalmente os EUA — e que têm entregas previstas agora. A ideia é convencê-los a entregarem as doses para o Brasil e receberem as que o país tem contratadas para o futuro.