Sem contar com uma vacina contra a covid-19 produzida totalmente em território nacional, o Brasil deu ontem um passo importante para obter a independência na produção de imunizantes contra o novo coronavírus. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a realização de testes em humanos com a Butanvac, produzida pelo Instituto Butantan. Com o aval da agência, o instituto testará a segurança e imunogenicidade do fármaco. É a primeira vez que o imunizante será submetido a humanos.
A autorização demorou 75 dias para ser concedida pela Anvisa, que informou ter realizado, ao longo dos últimos dois meses, “uma intensa troca de informações” com o Butantan para assegurar que todos os aspectos da pesquisa ficassem claros para dar garantia de segurança aos voluntários. Em abril, ainda sem o aval para realizar o estudo clínico, o instituto começou a produzir as doses da vacina para aplicar nos voluntários.
Segundo a Anvisa, os testes das fases 1 e 2 da Butanvac serão feitos com duas doses, com o intervalo de 28 dias entre a primeira e a segunda. Para dar mais celeridade ao estudo, as etapas 1 e 2 foram unificadas e transformadas em três: A, B e C. A agência deu sinal verde para a A, que envolve testes com 400 voluntários, e será avaliado o perfil de segurança do imunizante. Com a disponibilização e análise desses primeiros dados, fica liberada a realização da fase seguinte.
Ao todo, o estudo envolverá cerca de 6 mil voluntários com 18 anos ou mais e deve ser realizado no Hospital das Clínicas (FMUSP) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Apesar de estar autorizado a realizar a pesquisa clínica, antes de começar a aplicar o imunizante nos voluntários selecionados o Butantan ainda deve apresentar informações complementares sobre testes em andamento com a Butanvac. Mais detalhes do estudo, como data de início, devem ser divulgados pelo instituto paulista, que ainda não se pronunciou oficialmente sobre a autorização.
Anteriormente, o Butantan já havia informado que os estudos da Butanvac devem ser conduzidos em um processo rápido. “Os ensaios clínicos da nova vacina deverão durar cerca de 20 semanas. Serão feitos com voluntários adultos a partir de 18 anos de idade. Tanto quem já tomou a vacina quanto quem já teve covid-19 poderão ser incluídos nos testes”, informou o instituto.
Produção nacional
A produção da Butanvac, que já começou, é totalmente brasileira e adota uma tecnologia já disponível na fábrica de vacinas do Butantan, utilizada também na fabricação do imunizante contra a gripe. “Essa vacina será integralmente produzida aqui. Nós não dependeremos de nenhum insumo, da importação de nenhum insumo, é uma tecnologia que já existe”, ressaltou o diretor do Butantan Dimas Covas, no lançamento da Butanvac, em março.
Embora o Butantan tenha afirmado que a Butanvac é uma vacina 100% nacional, a tecnologia utilizada para a produção foi desenvolvida por um grupo de estudos do Hospital Mount Sinai, de Nova York, com o qual o Butantan tem parceria.
Para Jorge Kalil, ex-diretor do Butantan e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a autorização dos estudos da Butanvac em humanos é um grande passo para o Brasil. “Apesar de a vacina não ter sido descoberta no Brasil, o Butantan tem os direitos dessa vacina. E caso os testes sejam positivos, vai poder utilizar todo o parque industrial do instituto para ser produzida”, ressaltou.
Produtor da Covaxin tem aval de agência
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, ontem, a certificação de boas práticas das plantas fabris que produzem a Covaxin, vacina desenvolvida na Índia contra a covid-19 pela farmacêutica Bharat Biontech. O imunizante obteve, na semana passada, a liberação para importação excepcional, porém ainda não pode ser utilizado nem mesmo para uso emergencial no Brasil. O endosso da Anvisa havia sido negado no final de março, por questões sanitárias, e só foi emitido depois que a empresa fez os ajustes exigidos pela equipe da agência depois da visita às fábricas, em março. O laboratório tinha se comprometido a “adequar todas as não conformidades” até 30 de julho.
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Risco de fase 3 barrar vacina é mínimo
Ao justificar a demora e a resistência para fechar a compra da CoronaVac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco disse, em depoimento à CPI da Covid, que havia um receio de que vacinas ainda sem a fase 3 de estudos clínicos formassem um “cemitério de vacinas”. A expressão gerou debate entre os senadores, que rebateram ao afirmar que o governo federal deveria ter se preocupado com os brasileiros que morreram e viriam a morrer. Especialistas ouvidos pelo Correio explicam que alguns imunizantes podem, realmente, ser descartados após esta etapa, mas, no caso dos imunizantes contra a covid-19, acreditam que tal risco era pequeno.
Segundo Franco, “a fase 3 de estudos clínicos de desenvolvimento de vacinas também é considerada o cemitério de vacinas. Isso cabe para destacar que o desenvolvimento da vacina gera muitas incertezas. Então, esse é um aspecto que permeou a negociação com todas as vacinas”, explicou Franco para justificar a resistência na compra da CoronaVac.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os testes dessa etapa são aqueles nos quais um fármaco é testado em grandes populações para avaliar sua segurança e eficácia. “A vacina precisa provar que, de fato, é capaz de nos proteger da doença”, explicou, em nota. O fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto, salientou que o que Franco disse é verdade, mas deve ser analisado com cautela.
“Fase 3 é uma fase pré-registro e é uma fase onde pode, sim, se descartar uma vacina. Existem algumas vacinas que foram descartadas na fase 3, mas elas certamente não tiveram um bom resultado na fase 1 e 2, que nós vimos as vacinas contra a covid-19 ter. Havia um risco? Havia, mas esse risco era pequeno”, salientou.
Etapas anteriores
O médico virologista e professor titular de virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Amilcar Tanuri aponta que o risco de “perder” um imunizante é muito maior durante a fase pré-clínica e as estapas 1 e 2, quando os testes em humanos começam a ser feitos. “Muitas vacinas se perdem, na verdade, entre pré-clínica e as fases 1 e 2, que é quando avaliamos se tem toxicidade e imunogenicidade”, observou.
A epidemiologista Ethel Maciel, pós-doutora pela Universidade Johns Hopkins e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), rebate Franco ao afirmar que o Ministério da Saúde assinou o contrato para aquisição da vacina da AstraZeneca, ainda em setembro de 2020, sem ter em mãos os primeiros resultados da fase 3. “Se isso (que Franco disse) fosse verdade, eles não teriam fechado com a AstraZeneca. Na época, a gente não tinha nenhuma experiência com esse tipo de vacina e não se sabia o que ia acontecer”, explicou.
O mesmo argumento foi usado pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que questionou o motivo pelo qual o governo assinou contrato com a AstraZeneca, quando ainda não havia estudo fase 3, e não com o Butantan. O ex-secretário justificou que, no caso da vacina de Oxford, havia transferência tecnológica. (MEC)
“Existem algumas vacinas que foram descartadas na fase 3, mas elas certamente não tiveram um bom resultado na fase 1 e 2”
Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa