Desde o início da pandemia, pesquisadores e médicos se esforçam para achar um tratamento ou um modo de prevenção contra a covid-19 a fim de poupar vidas. Para isso, os estudos e as pesquisas clínicas, etapa em que determinado fármaco é testado em humanos, são necessários. Em mais de um ano de pandemia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a realização de 93 estudos clínicos no Brasil. Os mais conhecidos entre o público comum são os feitos com as vacinas, mas a maioria dessas pesquisas é relacionada a medicamentos. No entanto, poucos tiveram sua eficácia comprovada. A busca por um remédio que consiga combater a covid-19, ou ao menos torná-la mais branda, continua no Brasil mesmo em meio às dificuldades encontradas pelos pesquisadores.
Um dos principais desafios apontados pelos cientistas é o recrutamento dos voluntários. Diferentemente dos indivíduos recrutados para estudos com vacinas, as pessoas que fazem parte de uma pesquisa clínica de um medicamento precisam estar infectadas pelo vírus. "É diferente porque no estudo de medicamentos lidamos com pacientes já doentes. No de vacina, faço a prevenção com pessoas saudáveis. E um paciente doente demanda mais cuidado", explica Suzara Souto Lopes, diretora técnica e investigadora responsável pelo estudo do medicamento antiviral oral experimental molnupiravir na Chronos Pesquisa Clínica, localizada em Brasília.
A pesquisa clínica de fase 3 com o molnupiravir no Brasil, aprovado pela Anvisa em maio, enfrenta um desafio ainda maior, que é localizar esses pacientes em um tempo curto, já que o estudo avalia o uso da medicação em pacientes adultos com comorbidades ou em idosos que estejam nos primeiros quatro dias de sintomas da doença.
"Diariamente estamos em busca desse paciente. Uma pessoa que acabou de se contaminar com o novo coronavírus e está nos primeiros dias de sintomas. Essa situação de encontrar esse paciente neste momento é um pouquinho difícil, porque ele, às vezes, nem sabe há quantos dias está com sintomas", relata Suzara.
Além disso, esse voluntário procurado para o estudo não pode ter sido vacinado, o que dificulta ainda mais o recrutamento, já que idosos e pessoas com comorbidades fazem parte do grupo prioritário da campanha de vacinação contra a covid-19, que já foi praticamente todo contemplado ao menos com a primeira dose do imunizante.
Outro ponto indicado como dificuldade na busca por voluntários para estudos clínicos de medicamentos em geral, segundo Suzara, é o desconhecimento da população quanto ao protocolo desses testes. "Às vezes, colegas médicos encaminham um possível paciente pra gente, mas não chegam a falar com essa pessoa sobre o estudo. Então, quando entramos em contato, há resistência dessas pessoas. Teve um paciente para quem eu liguei que se sentiu ofendido e achou que era um golpe", relata a médica.
Desconhecimento
Diante dos desafios, o Chronos, centro de pesquisa clínica de Brasília que participou da fase 2 do estudo do antiviral molnupiravir, tem apenas dois voluntários na fase 3 da pesquisa até o momento. Marcia Abadi, diretora médica executiva da biofarmacêutica americana MSD no Brasil, empresa que desenvolve o medicamento em colaboração com a Ridgeback Biotherapeutics, concorda com Suzara e acredita que os pacientes no Brasil acabam não sabendo que existe esse tipo de pesquisa clínica no país.
"Esses estudos foram mais divulgados no âmbito das vacinas. Então, hoje, a maior barreira é os voluntários serem informados, no momento certo, que existe determinado estudo", pondera. Apesar disso, Marcia acredita que, diante da pandemia da covid-19, são poucas as pessoas que não se interessam em achar algum medicamento que possa diminuir a possibilidade de agravamento da doença. "Na maioria das vezes, a gente percebe uma boa vontade da pessoa não só pela questão individual, mas também pela questão coletiva de poder ajudar no avanço da ciência", pondera.
O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, reconhece que não existe uma cultura estabelecida no país para participação em estudos clínicos, mas também acredita que a pandemia da covid-19 mudou esse cenário. "Um dado que me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas que se cadastraram como interessadas em participar dos testes clínicos com a Butanvac, vacina do Instituto Butantan", afirma. Em apenas 48 horas, 81 mil pessoas se inscreveram no pré-cadastro de testes da Butanvac com interesse em participar dos estudos para a nova vacina contra a covid-19.
Além disso, ele acredita que há pouca diferença entre pesquisas com vacinas e medicamentos diante da "falta de opções terapêuticas", que faz com que as pessoas queiram participar de estudos de remédios. "Ninguém relatou pra gente muita dificuldade para o recrutamento", informou.
* Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre Souza
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Maioria de óbitos já é com menos de 60 anos
Embora a maioria dos brasileiros vítimas da doença ainda seja idosa, pela primeira vez desde o início da pandemia, a maior parte dos novos óbitos registrados no país não ocorre nesse grupo. Dados tabulados no Sivep-Gripe, sistema do Ministério da Saúde que registra internações e óbitos por covid, mostram que 54,4% das vítimas mortas em junho tinham menos de 60 anos. Em maio, esse índice era de 44,6%. Em todos os meses do ano passado, esse porcentual ficou sempre abaixo dos 30%. O início da vacinação dos idosos em janeiro ajuda a explicar o fenômeno, mas não é a única razão. Segundo especialistas, o desrespeito a medidas de proteção e a disseminação de novas cepas podem estar causando maior vitimização de jovens.
Incentivo para participação em pesquisas
Para tentar driblar a falta de uma cultura já estabelecida da pesquisa clínica no Brasil, pesquisadores e especialistas envolvidos com os estudos clínicos acreditam que é preciso que o Estado incentive de alguma forma os brasileiros a conhecerem e a participarem dessas pesquisas, sejam elas com medicamentos sejam com vacinas. Até porque, segundo os pesquisadores, essa é uma forma de desoprimir o Sistema Único de Saúde (SUS).
"Existe um desconhecimento do governo de forma geral sobre como a pesquisa desonera o SUS. Todo custo desse paciente da pesquisa clínica é realizado pela indústria farmacêutica que está desenvolvendo aquela determinada droga em estudo. Esse paciente, então, acaba sendo um custo a menos para o SUS, que já é tão sobrecarregado", explica Suzara Souto Lopes, diretora técnica e investigadora responsável pelo estudo do medicamento antiviral oral experimental molnupiravir na Chronos Pesquisa Clínica, localizada em Brasília.
Ela destaca que, em outros países, onde a cultura de participação em estudos clínicos é mais forte, existe até mesmo propaganda de pesquisas pelo próprio governo. "Na Austrália, existem propagandas do governo para que as pessoas participem dos estudos clínicos. Ou seja, é de interesse do Estado que esses pacientes, de fato, usufruam dos benefícios das pesquisas clínicas", aponta.
O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, que já trabalhou como inspetor de centros de pesquisas, lembra que já viu, nos Estados Unidos, participantes de pesquisas receberem dinheiro para fazer parte de determinado estudo. "Aqui no Brasil, não é permitido pagar participantes de pesquisas clínicas, mas esse é um exemplo da diferença cultural que existe entre os países quando se observa o incentivo da participação dos cidadãos nesses testes", diz.
Marcia Abadi ressalta que as pesquisas clínicas oferecem exames e acompanhamentos que alguns pacientes não encontrariam tão facilmente em outro lugar. "Todos os pacientes de um estudo clínico são tratados exatamente iguais. Muitas vezes, em outras condições, essa pessoa não tem essa possibilidade porque tem filas de espera para se realizar determinados exames, por exemplo", explica.
Como é
Saiba como participar do estudo do monulpiravir em Brasília
Basta procurar a clínica Chronos Pesquisa Clínica pelos telefones para saber mais informações:
» (61) 99432-3924
» (61) 98155-9420 (24 horas)
» (61) 3491-7804 (horário comercial)
» O estudo também acontece em outros centros: três em São Paulo (dois na capital e um em São José do Rio Preto, no interior), Belo Horizonte, Curitiba e Bento Gonçalves (RS).