A ansiedade de receber ao menos a primeira dose da vacina contra a covid-19, junto com o fluxo das populações pendulares — pessoas que moram em uma cidade, mas trabalham em outra —, fez com que muitos municípios do país aplicassem doses dos imunizantes em uma população visitante, ou seja, que não mora naquela cidade. Os deslocamentos intermunicipais e, até mesmo, interestaduais para imunização foram comprovados por um levantamento feito pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), que revela que uma a cada seis pessoas vacinadas no país saiu da cidade onde vive para ser imunizada em outro estado ou município.
Baseados em dados do Ministério da Saúde, epidemiologistas e outros pesquisadores da Fiocruz fizeram uma análise comparativa dos locais de residência e de vacinação de todas as 73,8 milhões de pessoas que receberam a primeira ou a segunda dose desde o início da campanha de imunização contra a covid-19, em 17 de janeiro, até 16 de junho. A conclusão? De 73.828.821 doses de vacinas aplicadas, mais de 11,3 milhões foram usadas em cidadãos fora do município de residência.
Em média, estas pessoas viajaram 252 quilômetros até o local de vacinação, podendo se estender até 3 mil km, em alguns casos. Segundo os pesquisadores, dois fatores podem explicar o episódio de deslocamento para vacinação, que já era esperado, de certa forma, por eles. O primeiro fluxo observado pelo epidemiologista da Fiocruz e membro do estudo, Diego Xavier, foi o de pessoas que residem em uma cidade e trabalham em outra e não conseguem se vacinar no local de moradia por causa do horário.
No entanto, esse deslocamento já é esperado pelo Sistema de Saúde. É o que ocorre, por exemplo, com Brasília (DF), que aplicou cerca de 10.963 doses em moradores de Valparaíso do Goiás (GO), no entorno do Distrito Federal. (Veja arte). “Esse deslocamento sempre aconteceu. No caso da vacina, que geralmente é aplicada em um horário mais comercial, se essa pessoa vai para Brasília trabalhar e tem que voltar para o município onde mora em Goiás para tomar a vacina dela, quando chega na cidade de moradia o posto de saúde está fechado. Então, ela acaba tomando a vacina em Brasília. Isso é normal porque o SUS é universal”, explica Xavier.
Calendários desiguais
O outro fluxo observado pelo pesquisador, que influencia diretamente nesta equação, é o de pessoas que buscam o imunizante em outras cidades, por já estarem adiantadas no calendário de vacinação. “Alguns desses fluxos se dão a uma longa distância e com um número alto de doses, o que pode ser resultado da incapacidade de atendimento da região de origem para a vacinação, ou a atração que alguns municípios, com calendário já avançado, exercem sobre moradores distantes em busca de vacinas”, conclui a nota técnica.
Nas últimas semanas, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), protagonizaram uma “competição” bem humorada para ver quem imunizará primeiro a população adulta de seu estado. Xaxier acredita que a corrida pela vacinação, vista entre cidades e estados, seria saudável se o país tivesse doses disponíveis para toda a população. “Nesse sentido, é importante que a gente abandone essa lógica de corrida pela vacina e pense em uma coisa mais estruturada e coordenada. Não basta que um só município chegue à marca de vacinar a população acima de 18 anos, o importante é que todos cheguem junto”, ressalta.
O consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Wladimir Queiroz, afirmou que o deslocamento das pessoas é um fenômeno já esperado devido à falta de vacinas em quantidade suficiente e igualmente distribuídas. “O Brasil tem um dos melhores sistemas de vacinação do mundo, então a população brasileira poderia ser vacinada em um tempo curto”, disse.
A ansiedade por ser vacinada motivou a professora da rede privada Ana Paula Vilela, 47 anos, que mora em Brasília (DF), a buscar a vacina contra a covid-19 em Valparaíso de Goiás (GO). “Fui avisada pelo meu irmão, que indicou que estavam vacinando professores lá, e resolvi ir, diante da demora da vacinação do DF”, pontua. A professora conta que outros familiares e amigos também buscaram o Entorno do DF para se imunizar contra a covid-19.
O coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Otsuka, acredita que a procura por imunizantes em outras cidades pode gerar desequilíbrio. “As vacinas são distribuídas entre as cidades conforme o número de pessoas propostas para a vacinação. Então, é uma proporcionalidade do número de vacinas que chegam a cada região. Ou seja, a partir do momento que você sai para ser vacinado em outra cidade, pode gerar um desbalanço nesse controle da vacinação, além de estar correndo mais riscos ao se deslocar”, explica.
Wladimir faz outro alerta importante. A mobilização das pessoas entre estados pode ser prejudicial ao espalhamento de novas cepas. “É mais uma chance de espalhar cepas que, porventura, estiverem restritas a um lugar só. Não digo que é a única razão, mas a gente viu que a cepa que apareceu no Amazonas, em pouco tempo, foi distribuída pelo país inteiro e isso só acontece porque as pessoas se movimentam”, conclui.
*Estagiária sob supervisão de Michel Medeiros, especial para o Correio
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Número de mortes registradas nas últimas 24 horas, conforme boletim do Conass
Número de mortos chega a 512.735
O número de casos de covid-19 voltou a crescer no Brasil na última semana. Conforme o último balanço do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), até às 18h de ontem, 26, foram registrados 18.386.894 casos da doença, sendo 64.134 em 24 horas.
Ainda de acordo com o boletim, o número de óbitos desde o início da crise epidemiológica contabiliza 512.735 mortes. No último período,1.593 vidas foram perdidas para a doença. A média móvel de óbitos está em 1.705. Já a média de casos foi de 71.878. Os números são calculados conforme resultado das médias diárias de mortes e de novos casos em relação aos últimos sete dias.
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