Entrevista

Sem estratégias de controle e vacinas, variantes se espalham pelo país

Pediatra Isabela Ballalai defende a despolitização do Programa Nacional de Imunização, que está sem uma coordenação desde 7 de julho. Sem consenso, estados e municípios criam regras próprias e geram ansiedade na população quanto à vacinação

Maria Eduarda Cardim
postado em 19/07/2021 06:00 / atualizado em 19/07/2021 13:03
Isabela Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) -  (crédito: SBIm/ Divulgação)
Isabela Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) - (crédito: SBIm/ Divulgação)

Em meio ao avanço da vacinação contra a covid-19 no Brasil, começam a surgir dúvidas sobre a estratégia para a imunizar a população brasileira. Diante da ameaça da disseminação da variante Delta, primeiramente detectada na Índia, levantou-se o debate sobre diminuir o intervalo entre as doses da vacina da AstraZeneca e da Pfizer no Brasil e alguns estados chegaram a anunciar a medida mesmo sem aval do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que continua recomendando 12 semanas de intervalo entre a primeira e a segunda dose. Outras dúvidas surgiram quando os estados anunciaram a inclusão de adolescentes na campanha de vacinação, também sem a anuência do Ministério da Saúde.

Desde 7 de julho sem uma coordenação, quando Francieli Fantinato foi exonerada do cargo a pedido, o PNI encontra dificuldades para destravar as discussões, segundo autoridades, e vê as esferas municipais e estaduais anunciarem as próprias regras da imunização contra o novo coronavírus.

Em conversa com o Correio, a médica pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Ballalai, ressalta que quem deve nortear a campanha de vacinação contra a covid-19, como as outras, é o Ministério da Saúde, por meio do PNI. Para ela, a adoção de orientações diferentes das dispostas pelo PNI traz confusão e gera ansiedade na população, que deseja se vacinar.

Segundo ela, em 30 anos de experiência na área, nunca uma cidade ou estado quis alterar as recomendações do programa. “Hoje essa relação, que a gente não pode deixar de pensar que é política, está atrapalhando”, diz. Veja os principais pontos da entrevista com a especialista em imunização:

VACINAÇÃO NO BRASIL

A gente sabe que o Brasil tem uma grande capacidade de vacinar e é reconhecido mundialmente por isso. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) já enfrentou várias campanhas e a nossa população é imensa, então, temos essa estrutura e essa capacidade. E a gente sabe que o grande desafio de uma vacinação é justamente a falta de vacina. A falta em si, vista no começo, e as quebras de estoque em segurança em relação ao futuro. É claro que o cenário está cada vez melhor, a gente tem a possibilidade de, em breve, a vacina AstraZeneca não faltar, de BioManguinhos começar realmente a produzir toda a vacina, e tudo isso começa a melhorar esse cenário. Por isso, a vacinação começou a bater recorde. A gente não tem aqui no Brasil uma população com medo de se vacinar. Temos uma população brigando para se vacinar.

SEGUNDA DOSE

Primeiro, precisamos saber qual a porcentagem de pessoas que não tomaram a segunda dose de cada uma das vacinas para podermos enxergar o problema. Porque falta de confiança não é, isso aí está claro. Saiu agora uma pesquisa Datafolha que mostra que 94% dos brasileiros querem se vacinar. O número sempre foi esse. Só não foi antes da vacina estar disponível. O brasileiro, quando tem medo da doença, não pensa duas vezes antes de se vacinar. Então, não é falta de confiança. A segunda dose é sempre um problema para qualquer vacina. As pessoas esquecem e, também, não tomam por vários motivos. Dentre eles, principalmente na situação de agora, temos a falta da vacina e a desinformação. Teve aquele tempo que faltou a CoronaVac e pode ser que muita gente que foi tomar a segunda dose não encontrou e não voltou mais. As autoridades públicas têm a obrigação de monitorar tudo isso, porque é o monitoramento que vai fazer a gente ter estratégias para reverter. Estratificar isso é importante, porque, se eu concluir que a maioria das minhas segundas doses que não foram feitas são da vacina A, eu vou ter uma estratégia, se for da vacina B, vou ter outra.

TERCEIRA DOSE

A gente está pegando o exemplo de países lá fora com uma realidade completamente diferente daqui. Por exemplo, a Inglaterra está fazendo a terceira dose para os grupos de alto risco. Aí, a gente também vai fazer a terceira dose? Não está no nosso momento. A Inglaterra controlou a pandemia, chegou a zero óbitos, tem a variante Delta circulando muito mais do que aqui, tem uma epidemiologia de variantes totalmente diferente da nossa. Eu tenho um cenário diferente e essas promessas, como incluir na programação a terceira dose, têm que ser embasadas. É hora mesmo de fazer isso no país? É a nossa prioridade?

QUEDA DE BRAÇO

Esse parece ser o modus operandi agora. A gente inclui (determinado grupo/regra) no futuro e com isso pressiona o PNI para incluir. Não tenho nada contra vacinar adolescentes e nem com a antecipação da segunda dose, mas a expectativa e a mensagem que estamos dando para a população é que, sem isso, vamos ficar desprotegidos. É isso que as pessoas acabam entendendo. Sem planejamento, a gente não consegue chegar ao melhor resultado. O Brasil está uma colcha de retalhos. Quem norteia todas as campanhas de vacinação é o Ministério da Saúde. Nenhum esquema de vacina no Brasil é diferente de um município para outro. O que houve com o Programa Nacional de Imunizações, que não conversa mais com cada um dos estados e municípios? Perdeu autoridade? Quando a gente passou a ter um PNI forte, teve resultado. Mudar as orientações do PNI gera confusão e faz as pessoas entenderem que tal estado está melhor e pegar um avião e ir para o local se vacinar. Isso tudo gera ansiedade na população, dúvidas, escolhas por marcas de vacinas. Tenho 30 anos de experiência na área e nunca um município ou estado quis alterar recomendação nenhuma do programa. Todos seguem as notas técnicas do Ministério da Saúde. Então, hoje, essa relação, que a gente não pode deixar de pensar que é política, está atrapalhando.

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Variante se espalha

O crescimento no número de casos da variante Delta, também conhecida como cepa indiana, preocupa as autoridades epidemiológicas. Neste fim de semana, o Ministério da Saúde confirmou um total de 97 casos. No sábado, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro comunicou o diagnóstico de mais 63 infectados pela variante, totalizando 74 pessoas, em 12 municípios. Na capital fluminense, o número saltou de sete para 23.

O estado do Paraná ocupa a segunda posição, com nove casos. Na sequência: seis no Maranhão, três em São Paulo, dois em Pernambuco, dois em Goiás e um em Minas Gerais. Até o momento, cinco pessoas vieram a óbito, quatro no Paraná e uma no Maranhão.

948 mortes em 24h
Após 20 dias em queda, e o registro da menor média móvel de óbitos desde o mês de fevereiro, no sábado, 17, o indicador voltou a subir neste domingo, 18, e fechou o dia em 1.247. Os dados são do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), divulgados às 18h de ontem.

De acordo com o boleti, em 24 horas foram registradas 948 mortes, totalizando 542.214 vítimas fatais do novo coronavírus, desde o primeiro óbito, em março de 2020. São Paulo concentra o maior número de vidas perdidas em números absolutos.

O total de infectados apresentou pequena redução e fechou o dia em 34.126 novos casos. No acumulado, o Brasil soma 19.376.574 pessoas contaminadas, atrás dos Estados Unidos e da Índia.

Em números de mortes, o Brasil permanece na segunda posição do triste ranking, perdendo apenas para os EUA. Cabe destacar que a população brasileira corresponde a menos de um sexto da população indiana, estimada em 1,36 bilhão de habitantes.

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