A voz severa se calou. Aos 93 anos, José Ramos Tinhorão, um dos mais polêmicos, implacáveis e ferinos críticos de música do país, morreu, ontem. Ele ganhou o apelido dos colegas do Diário Carioca, em 1953, quando começou a trabalhar como jornalista. Tinhorão é uma planta venenosa. Ao ler a primeira matéria, ele levou um susto. Assinara J. Ramos, mas apareceu J. Ramos Tinhorão.
Ficou bravo e foi falar com o chefe de reportagem, que gargalhou, conta Tinhorão em entrevista ao repórter Gabriel de Sá, publicada no Correio, em 1993: “O chefe disse que Ramos era nome de ladrão de galinha, que tinha um milhão na lista telefônica, e que Tinhorão ia ser só eu. Pensei e vi que ele tinha razão. Ficou”.
Tinhorão tornou-se célebre pelas brigas que comprou com a Bossa Nova, a Tropicália, o iê-iê-iê, Chico Buarque, Paulinho da Viola, o rock e qualquer outro gênero que ameaçasse a pureza ou a suposta pureza das raízes musicais brasileiras. Em debate promovido durante a Festa Literária Internacional (Flip), Tinhorão afirmou que tinha pena de Tom Jobim porque ele havia incorrido em um grande equívoco: “Achava que compunha música brasileira”. Considerava a bossa nova o jazz pasteurizado.
“A bossa nova é uma variante da música americana branca, do cool jazz”, complementava em entrevista ao Correio. De sua parte, Tom Jobim devolvia com senso de humor engatilhado na língua: “Ele tem razão, autenticamente brasileiro só mesmo o jequitibá”.
Tinhorão percebia o tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil como um desdobramento da bossa nova. Mas admitia: “O tropicalismo é uma boa malandragem. O Gil e o Caetano, todos, são meninos da bossa nova baiana, nasceram na época em que estava nascendo a bossa nova na Bahia. Domingo no Parque, uma coisa originalíssima, é música de pernada, de capoeira”.
Caetano Veloso ficava profundamente irritado com as opiniões de Tinhorão. Em 1965, portanto, antes da eclosão do movimento tropicalista em 1968, escreveu: “A se julgar por elas, somente o analfabetismo asseguraria a possibilidade de se fazer música no Brasil”.
Mas se o purismo de Tinhorão restringia a compreensão da música popular moderna, ele tem grande relevância como pesquisador da cultura brasileira. E é um trabalho que começou ao ser convidado a escrever uma série de reportagens sobre o samba nas páginas do Caderno B, do Jornal do Brasil, a pedido do então editor Reynaldo Jardim. Tinhorão entrevistou Donga, Ismael Silva, João da Bahiana e Pixinguinha, entre outros, que ainda não tinham registros de suas histórias.
Tinhorão escreveu livros sobre a história da música brasileira que se tornaram clássicos: Pequena história da música popular segundo seus gêneros, Festa de negro em devoção de branco, Música popular — do gramafone ao rádio e TV e A história social da música brasileira, entre outros. Garimpador de sebos, reuniu um acervo de mais de 14 mil livros, 13 mil discos e 35 mil documentos sobre música. Em 2001, o acervo foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles.
Nascido em Santos, litoral de São Paulo, Tinhorão se formou em direito e jornalismo. Considerava-se um marginal dentro da produção de história, pois não tinha formação acadêmica na área. “A academia é máfia”, disparou. “Se você não pertencer à máfia, eles não te citam. Como eu sou um estudioso de fora, que venho do jornalismo, quando eu faço um livro que tem a ver com a história, o cara que vem comentar me chama de jornalista”.
Nas redes sociais, a morte do crítico repercutiu. “Foi-se, aos 93, José Ramos Tinhorão, grande pesquisador da música brasileira. Impossível, para qualquer um interessado em nossa música, não ter sido impactado por seus livros e textos”, escreveu André Barcinski, diretor e roteirista.
“Recebemos com pesar a notícia do falecimento do crítico José Ramos Tinhorão. Recebemos dele grandes elogios e críticas bastante contundentes. Foi por muito tempo um dos mais importantes críticos de música do país. Apesar das polêmicas, deixou um legado importante”, ressaltaram os integrantes da Banda de Pau e Corda.
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Joaquim Francisco, ex-governador
O ex-governador de Pernambuco Joaquim Francisco, de 73 anos, morreu, ontem, em decorrência de câncer. Ele estava internado no Real Hospital Português de Beneficência, no Recife. Além do governo de Pernambuco, Joaquim Francisco comandou a Prefeitura do Recife, foi deputado federal e ministro do Interior no governo José Sarney.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), afirmou que o estado perdeu “um dos seus filhos mais ilustres”. Segundo ele, Joaquim Francisco foi “um homem de diálogo e extremamente dedicado à sua terra e ao seu povo”. Câmara declarou luto oficial de sete dias no estado.
João Campos (PSB), prefeito do Recife, também reconheceu o legado de Joaquim Francisco. “De longa e expressiva trajetória política e atuação no serviço público, sua passagem à frente de nossa cidade foi marcada pela dedicação e compromisso com os recifenses. Meus mais profundos sentimentos à sua família e amigos”, disse.
Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, disse ter recebido com “profunda tristeza” a notícia do falecimento do ex-governador. “Conciliador, firme, homem de palavra. Honrou como poucos a tradição pernambucana. Fará muita falta”, publicou.