Sociedade

Vítimas da violência e da discriminação

Estudo conduzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública confirma a maior letalidade entre negros e o aumento de assassinatos de índios. Em capítulo inédito, a pesquisa denuncia rotina de agressões contra deficientes físicos

CRISTIANE NOBERTO GABRIELA BERNARDES* GABRIELA CHABALGOITY*
postado em 01/09/2021 00:49

Cerca de 77% dos mortos por armas de fogo em 2019 no Brasil eram pessoas negras. Para essa parcela dos brasileiros — que são maioria na população — o risco de ser vítima da violência é quase três vezes maior. Os dados fazem parte do Atlas da Violência de 2021, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), divulgado nesta terça-feira (31/8).

A pesquisa revela o impacto da violência no Brasil, a depender da cor da pele. A taxa de violência letal contra pessoas negras é 162% maior do que entre não negras. O homicídio de pessoas negras entre 2009 e 2019 cresceu 1,6%, enquanto as taxas de homicídio de não negros caiu 33%. Entre as mulheres, as negras representam 66% do total de mulheres assassinadas no Brasil, o equivalente a uma taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes de 4,1. Entre as mulheres não negras mortas pelo mesmo motivo, a taxa foi de 2,5%.

Daniel Cerqueira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves e coordenador do Atlas, acredita que o alto índice de negros vítimas da violência decorre do que ele chama de racismo estrutural. “O processo de segregação social dado aos negros desde a época da abolição é a primeira fonte histórica para os dados. Os espaços foram proibidos para eles; os negros têm menos acesso aos estudos e ao mercado de trabalho. Tudo isso faz com que o negro ocupe posições mais subalternas. Portanto, estão mais vulneráveis. Além disso, a manutenção do pensamento racista por parte de policiais também resulta nos homicídios de negros”, acredita.

Para Emerson Ferreira Rocha, professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), há segregação também na habitação. “Os negros estão concentrados em locais onde esse tipo de evento é mais provável. O fator socioeconômico também está relacionado a esses espaços. Os negros estão concentrados na base da pirâmide social, onde também se configuram mais frequentemente as situações de risco para arma de fogo. Além da falta de segurança pública, a condição de negro no Brasil faz com que eles estejam em uma série de situações de riscos e, consequentemente, com a probabilidade de serem mortos por arma de fogo”, analisa.

Indígenas ameaçados
O Atlas da Violência também apresenta dados sobre a população indígena. Entre 2009 e 2019, foram registrados 2.074 homicídios de pessoas indígenas. Os conflitos agrários e o avanço do desmatamento são apontados como principais causas para a violência. “A expansão do agronegócio e a exploração de madeira e minerais, são elementos que, em tese, convergem para a extinção dos povos, que já são reduzidos. Então, qualquer tipo de violência é sensível nesse ponto. Há uma série de elementos externos, que são violências múltiplas e aumentam o risco”, explica Frederico Silva, pesquisador do Ipea responsável pelo levantamento sobre os povos indígenas.

A questão indígena ganha especial relevância no momento em que o Supremo Tribunal Federal se prepara para definir o critério para demarcação de terras para os povos tradicinais. Um dos pontos críticos é a teoria do marco temporal, defendido por setores do agronegócio e pelo governo federal. Segundo essa tese, só teriam direito à terra os povos que ocupassem a área até a promulgação da Constituição, em 1988. “Poderá haver um maior tensionamento e insegurança sobre o território. Para os indígenas, será mais difícil manter o estilo de vida, e é muito provável que aumentem os assassinatos”, alerta o especialista.

O mapeamento da violência reúne, pela primeira vez, dados de violência contra Pessoa com Deficiência (PcD). Segundo o documento, em 2019, foram registrados 7.613 casos de violências contra pessoas com deficiência no sistema Viva-Sinan. O Atlas trouxe dados de quatro tipos de deficiência: física, intelectual, visual e auditiva.

A violência física é o tipo de violência mais recorrente e com maior incidência no ambiente doméstico. O número corresponde a 53% dos casos. Em seguida, os dados mostram denúncias de violência psicológica (31%) e negligência/abandono (30%).

Daniel Cerqueira aponta que o Atlas não apresenta números de morte de PcD por causa da subnotificação. “A nossa ideia, ao trazer essas seções, é mostrar para a sociedade que existe um apagão estatístico. Assim, tensionamos o governo e a sociedade para fazer um diagnóstico e promover políticas públicas eficientes”, afirma.

Segundo o especialista, a discriminação está arraigada na sociedade. “A violência, muitas vezes, é simbólica e começa pela comunicação. Quando o ministro da Educação fala que crianças com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças, além de ser uma violência simbólica absurda, é também uma fala de ignorância que gera mais ignorância e culmina na violência física. Por que existe tanta violência com PcDs? É fruto dos valores da sociedade”, critica.

*Estagiárias sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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Araçatuba: preso tem conexões em Brasília

 (crédito: Credito: Reprodu??o/policia )
crédito: Credito: Reprodu??o/policia

Investigadores do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Polícia Civil do Distrito Federal (Decor/PCDF) prenderam ontem, em Piracicaba (SP), o integrante de uma facção criminosa com ramificações em Brasília. Ele estava com outros dois homens. Um deles é suspeito de participar do ataque a bancos em Araçatuba (SP), no último dia 30. Os investigadores ainda buscam saber se Luiz Adriano estava envolvido no mega-assalto ocorrido na cidade paulista.

Os policiais de Brasília encontraram Luiz Adriano escondido em uma chácara nos arredores de Piracicaba. Segundo os investigadores, ele ocupava a função de “Geral do Estado” e geria os negócios da facção criminosa no DF. As ações de “Luiz Adriano” foram investigadas no âmbito da Operação Tríade, deflagrada em junho deste ano pela Decor/PCDF, como forma de conter a tentativa de estabelecimento do crime organizado na capital federal. Em decorrência dessa investigação contra o criminoso, constava mandado de prisão preventiva expedido pelo Poder Judiciário do DF.

Na chácara em Piracicaba, além de Luiz Adriano, os agentes encontraram dois homens que tinham mandados de prisão em aberto. Um deles estava com um ferimento em um dos braços decorrente de troca de tiros com a polícia durante o mega-assalto em Araçatuba. Na segunda-feira, a Polícia Militar de Araçatuba prendeu um casal que confessou ser olheiro da quadrilha.

Novo Cangaço
Chamados de “novo cangaço”, os ataques violentos de quadrilhas continuam a se espalhar pelo interior do Brasil. Na madrugada de ontem, duas cidades registraram explosões a caixas eletrônicos: uma agência bancária do Itaú em Mariluz, noroeste do Paraná (PR) e a agência da Caixa Econômica em Camacã, interior da Bahia.

No Paraná, oito homens explodiram caixas eletrônicos de uma agência bancária do Itaú. A quadrilha fugiu em direção ao município de Umuarama e ateou fogo em um dos carros utilizados na fuga. Não houve feridos. Os bandidos da Bahia atacaram por volta das 2h da manhã os caixas eletrônicos da Caixa Econômica Federal. Esta é a 36ª ação contra agências bancárias no estado só este ano.

Segundo Isabela Portella, advogada criminalista na Metzker Advocacia, roubos a banco são mais difíceis de evitar devido ao elemento surpresa. “O número reduzido de policiais e de equipes especializadas nesse tipo de operação tornam a prevenção mais difícil”, aponta. A especialista destaca, ainda, que o objetivo desses assaltos é roubar grandes quantias de dinheiro. “No caso de Criciúma (SC), por exemplo, ocorrido em novembro de 2020, foram subtraídos aproximadamente R$ 125 milhões de uma agência do Banco do Brasil em uma única empreitada”, disse.


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