Uma em cada cinco estudantes brasileiras já sofreu violência sexual. Essa é apenas uma das constatações da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) feita em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com estudantes do 7º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. Segundo os dados, divulgados ontem, 14,6% dos escolares de 13 a 17 anos foram tocados, manipulados, beijados ou passaram por situações de exposição de partes do corpo alguma vez na vida. Mas, na distinção de gênero, o percentual de meninas que sofreram algum tipo de abuso chega a 20,1%, mais que o dobro do observado para os meninos (9%). Além disso, 8,8% das estudantes entrevistadas declararam ter sido obrigadas a manter relação sexual contra a vontade alguma vez na vida. O número também é mais do que o dobro do percentual dos meninos que passaram pela mesma situação.
Dos adolescentes que declararam ter sofrido abuso, o(a) namorado(a) foi apontado(a) como agressor por 29,1% dos entrevistados; 24,8% foram molestados(as) por um(a) amigo(a); 20,7%, por desconhecido; 16,4%, por parentes; 14,8%, por outras pessoas; e 6,3%, por pai, mãe ou responsável. “Ou seja, muitas vezes, o agressor faz parte do ambiente doméstico ou há uma relação de afetividade, o que faz com que esses adolescentes não saibam a quem recorrer, o que gera um sentimento de desamparo”, avaliou a analista da pesquisa, Cristiane Soares.
Ela explicou que a metodologia da enquete, ao garantir o anonimato e a individualidade dos adolescentes, facilitou a abordagem de temas mais complexos. “Isso permitiu captar melhor as informações de violência sexual que, muitas das vezes, não são reportadas, principalmente, no caso de menores de idades. É importante criar mecanismos de escuta, acolhimento e proteção para esses adolescentes. Esse tipo de violência pode criar várias consequências, tanto emocionais, comportamentais, quanto no ramo escolar”, disse a analista.
Desencanto com a vida
A pesquisa já revelou algumas das consequências dessa situação na saúde mental dos adolescentes. E, mais uma vez, os indicadores são piores para as meninas. Com exceção da pergunta sobre ter amigos próximos, em que ambos os gêneros tiveram percentual de respostas negativas parecidas, todos os outros indicadores foram piores para o sexo feminino. Por exemplo: 29,6% das adolescentes sentem que a vida não vale a pena ser vivida, enquanto entre meninos esse sentimento representa 13% das respostas.
A partir da combinação das respostas a cinco perguntas, a PeNSE mostra que o percentual de autopercepção de saúde mental negativa foi bem maior entre as meninas: 27% contra 8% dos meninos.
Para a analista do tema na pesquisa, Thaís Mothé, esses números não surpreendem quem estuda o problema. “É um padrão internacional em pesquisas de saúde mental, tanto para a população em geral quanto para adolescentes, como é o caso da PeNSE. Entretanto, além da lamentável desigualdade de gênero, chama atenção a própria magnitude para o grupo das mulheres. São valores muito elevados para esses resultados de saúde mental”, disse Mothé.
Sexo e gravidez
Ainda ao avaliar a questão da sexualidade na vida dos estudantes brasileiros, a PeNSE mostrou que, em 2019, 35,4% dos estudantes de 13 a 17 anos declararam que já tiveram relação sexual. Na rede pública de ensino, o percentual (37,5%) foi bem mais alto do que na rede privada (23,1%). Além disso, os dados revelam que a idade média de iniciação sexual é 13,4 anos para meninos e 14,2 anos para meninas.
Das meninas que tiveram relação sexual, 7,9% engravidaram pelo menos uma vez. Novamente, a diferença entre a rede pública e privada é notável. Com alunas da rede particular, o percentual de incidência da gravidez na adolescência cai para 2,8%, enquanto entre estudantes da rede pública vai para 8,4%.
A pesquisa também mapeou o uso de preservativos entre os estudantes. Apesar de 63,3% dos jovens terem declarado que usaram camisinha na primeira relação sexual, 40,9% não o utilizaram na última. E, entre as meninas de 13 a 17 anos, 45,5% usaram a pílula do dia seguinte pelo menos uma vez como método contraceptivo.
Elas revelam
20,1%
foram tocadas, beijadas ou tiveram parte do corpo exposta
8,8%
foram obrigadas a manter relação sexual contra a vontade
7,9%
engravidaram ao
menos uma vez
29,6%
acham que a vida
não vale a pena
“Muitas vezes, o agressor faz parte do ambiente doméstico ou tem uma relação de afetividade, o que faz com que esses adolescentes não saibam a quem recorrer”
Cristiane Soares,
analista da pesquisa
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DF lidera insatisfação com o próprio corpo
A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense) 2019 também traça um perfil dos alunos do Distrito Federal. De acordo com o IBGE, a maioria é parda (46,4%) e branca (31,8%), seguida por negros (13,4%), amarelos (4,6%) e índios (3,6%). O número de adolescentes entre 13 e 17 anos que frequentam escolas do DF chega a 187.279, sendo 75,8% nas escolas públicas e 24,2%, nas particulares. Nessa faixa etária, a maioria absoluta declarou ter aparelho celular. São 87,8% nas escolas públicas e 96,9% no ensino privado.
Entre as unidades da Federação, a insatisfação dos estudantes brasilienses com o próprio corpo é a maior do país: 28,9% se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos. O maior percentual foi entre as mulheres, que representam 40,5% desse índice. Mas há diferenças nessa forma de autoavaliação. O Pense 2019 aponta que um terço dos estudantes das escolas públicas costuma se achar muito magro (33,6%), enquanto os alunos do ensino privado se acham muito gordos (24,5%). Embora 41,6% não tenham adotado nenhuma medida em relação a essa insatisfação, há quem recorra a medidas extremas: 4,8% revelaram que provocaram vômito ou tomaram laxantes para perder peso.
Outro dado preocupante da pesquisa diz respeito à forma como os adolescentes encaram a vida. Para 23,1%, a vida não vale a pena ser vivida na maioria das vezes ou sempre; 33,8% se sentiram tristes na maioria das vezes ou quase sempre; e 28,8% revelaram o sentimento de que não despertavam preocupação em ninguém nos 30 dias anteriores à pesquisa.
Sexo e vacinas
Os dados apontam que 32,5% dos estudantes de 13 a 17 anos de idade já tiveram relação sexual. O uso do preservativo foi apontado por 61,8% dos escolares, mas, quando a pergunta se refere apenas à última relação, o percentual cai para 58,4%. A maioria compra camisinhas em farmácias, mercados ou lojas (42,9%), e 28,6% tem acesso ao contraceptivo por meio do parceiro sexual. A pílula anticoncepcional foi o método contraceptivo utilizado por 44,6% dos pesquisados.
A vacinação dos estudantes do sexo masculino contra o Papilomavírus Humano (HPV) preocupa. Em comparação com os outros estados, o DF ficou entre as quatro últimas posições, com 44,1% dos escolares vacinados. Já com o público feminino, o DF ocupa o terceiro lugar da lista de unidades que mais vacinaram, 80,8% das meninas nessa faixa etária imunizadas contra o HPV.
32,5%
dos adolescentes do DF já tiveram relação sexual