SAÚDE

Pesquisa alerta sobre cuidado com saúde mental de cuidadores de idosos

Segundo a pesquisa, 80% dos cuidadores familiares não têm cursos na área da saúde e 83% não são remunerados pelo trabalho que exercem. Estresse é um dos fatores elencados por vários

Gabriela Bernardes*
Luíza Victorino*
postado em 14/09/2021 19:58
 (crédito: Divulgação)
(crédito: Divulgação)

Pesquisa lançada nesta terça-feira (14/9) pelo Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL) e a Veja Saúde mostra a realidade de parte dos cuidadores do país. Intitulada Cuidadores do Brasil, o levantamento reuniu dados, por meio de formulário on-line de 2.534 cuidadores (2.047 familiares e 487 profissionais) de todas as regiões do Brasil. Entre os participantes, 60% têm pelo menos 50 anos – e um terço deles têm 60 anos ou mais.

O estudo, que contou com o apoio da Novartis e teve os dados coletados entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, mostra ainda que, dos cuidadores familiares, 90% tiveram que assumir o papel de cuidador por serem os parentes mais próximos e não disporem de condições financeiras para contratar um profissional. Além disso, 91% deles são mulheres.

“Ganha corpo uma geração de idosos cuidando de idosos, que nem sempre podem dar a devida atenção às suas próprias necessidades de saúde. O estudo aponta que já passou pela cabeça de 46% desses familiares renunciarem à atividade, mas apenas 3% o fizeram. A saúde mental dessas pessoas também deve ser um ponto de atenção”, alerta Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida e idealizadora do estudo.

Atenção aos sinais de estresse

A doutora Maisa Kairalla, especialista em geriatria, afirma que, para o cuidador familiar, é difícil assistir à involução daquele ser humano. “Com seu familiar você quer sentar à mesa, passear, e não ver a cada dia sua piora. Há o estresse porque o trabalho é pesado e também porque você pode ser o idoso de amanhã. Invariavelmente, isso recai também sobre a saúde de quem está sendo cuidado”, explica a Coordenadora do Ambulatório de Transição de Cuidados da Unifesp.

Para melhorar o cansaço, a médica indica momentos de respiro. “Essa pessoa deve cuidar da própria saúde e zelar por seu cuidado e lazer. Que ela tenha o momento dela, esteja atenta aos sinais de estresse e, se possível, divida essa tarefa com alguém", afirma.

Outra informação importante do estudo é a de que 80% desses cuidadores familiares não têm cursos na área da saúde e 83% de todos os entrevistados não são remunerados pelo trabalho que exercem. “A responsabilidade é enorme e a jornada de trabalho é diária para oito em cada 10 familiares. Muitos deles não têm com quem revezar. O profissional sofre ainda mais nessa jornada: não é raro que seu escopo de atividades seja confundido dentro dos lares, fazendo com que assumam outras tarefas na residência”, explica Marlene.

A presidente ainda ressalta que cerca de 40% dos participantes acreditam que a ocupação é totalmente desvalorizada no Brasil, alertando para a necessidade de se conscientizar ainda mais a sociedade sobre o papel e a responsabilidade de quem cuida.

Valorização da profissão

Taís Marcela da Silva, cuidadora em casas de repouso, hospitais e home care, afirma que a desvalorização se deve à falta de conhecimento das pessoas sobre a necessidade da profissão. “Os cuidadores e técnicos de enfermagem são essenciais na qualidade de vida de qualquer paciente. Seja prevenindo assaduras ou ajudando na mudança de decúbito, nós somos responsáveis pela maior parte do trabalho com a pessoa que está precisando dessa ajuda”, ressalta a jovem de 27 anos.

A paulista sugere ainda que colegas da profissão cuidem primeiro da própria saúde, com exercícios, meditação e levando sua própria comida para o trabalho, para depois conseguirem cuidar do paciente.

Sobre o impacto na saúde emocional e física desses cuidadores, 48% disseram sofrer com estresse e 20% com insônia. Também são comuns relatos de dores e lesões por esforço repetitivo (LER). “O Brasil tem muito a evoluir na valorização dessa função. De um lado, é preciso haver maior capacitação e organização de uma classe que cresce em números com o envelhecimento populacional. Do outro, é necessária uma maior assistência e informação a quem tantas vezes vivenciou uma reviravolta em sua vida a fim de cuidar de um ente querido”, ressalta Marlene.

A executiva explica ainda que o objetivo da pesquisa é mostrar os anseios e necessidades desses cuidadores. “Nós queremos instigar os gestores públicos, os formuladores de políticas públicas, as empresas e a sociedade como um todo a ter um olhar mais atento para quem cuida do outro com uma nova perspectiva. Com esses dados, podemos colaborar com o ecossistema brasileiro de saúde pública e privada", diz.

O presidente da Novartis Brasil, Renato Carvalho, ressalta a importância da pesquisa para o mercado de saúde, inclusive para a indústria farmacêutica, pois ainda não havia um cenário tão detalhado no país sobre os cuidadores. “Os achados dessa pesquisa nos mostram os gargalos que persistem na profissionalização e organização das atividades destes trabalhadores e, por isso, pode se tornar base para iniciativas e políticas das empresas do setor, do governo e de associações de pacientes, como o próprio Instituto Lado a Lado já atua, para a orientação e educação do cuidador, seja ele familiar ou profissional”, completa o executivo.

Respaldo médico

Entre os cuidadores familiares, 96% participam das decisões relacionadas ao bem-estar do paciente e 88% estão ao seu lado nas consultas médicas. Entre os profissionais, 82% se fazem presentes nas consultas. Nessa linha, 95% afirmam seguir à risca a maioria das recomendações médicas e 74% incentivam o paciente a se manter ativo.

O médico representa a principal fonte de informação para os cuidadores e cinco em cada 10 entrevistados só têm contato com ele nas consultas presenciais. “Percebemos que há uma grande oportunidade de expandir os canais de orientação destinados ao cuidador. Cerca de 70% não conhecem, por exemplo, associações voltadas a pacientes e cuidadores, capazes de municiá-los com diretrizes atualizadas”, finaliza Marlene.

Regulamentação da atividade profissional

Na última segunda-feira (13), representantes da profissão participaram de uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, em que afirmaram que a regulamentação da profissão de cuidador é a medida mais urgente para a valorização da atividade. Para eles, é importante delimitar as funções do cuidador, garantir direitos e evitar baixos salários e jornadas excessivas.

Os participantes da reunião afirmaram que a pandemia da covid-19 trouxe diversas dificuldades para o setor. Como trabalham com idosos, pessoas com deficiência e outras com limitações temporárias, muitos perderam o emprego, uma vez que as famílias queriam que eles evitassem o deslocamento no transporte coletivo e dormissem no trabalho. Os cuidadores também se queixaram que não houve prioridade na vacinação.

A profissão consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho, mas o projeto de regulamentação foi vetado pela Presidência da República em 2019, e o Congresso manteve o veto.

 * Estagiárias sob supervisão de Mariana Niederauer

 

 

 

 

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