APÓS REVISÃO TARIFÁRIA

5 milhões de mineiros pagam taxa de esgoto sem ter o serviço de fato

Associação Mineira de Municípios considera que a cobrança da taxa de coleta e tratamento de esgoto tem que ser paga apenas pelas cidades que têm o serviço

Felipe Pereira — Especial para o Estado de Minas
postado em 06/10/2021 22:52 / atualizado em 06/10/2021 22:53
 (crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil)
(crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Pelo menos cinco milhões de mineiros pagam por um serviço que não recebem plenamente : a da coleta e tratamento de esgoto. Especialmente quem vive em cidades menores, onde o esgoto sequer é recolhido corretamente. É o que aponta um levantamento feito pela reportagem com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento.

Isso é o reflexo de uma decisão da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG), que autorizou a Copasa a cobrar uma taxa igual a todos os municípios, mesmo aqueles que não tenham o serviço de saneamento básico.

O SNIS mostra que 26,94% da população de Minas Gerais (urbana e rural) que tem acesso à água encanada não foi, efetivamente, atendida por rede coletora de esgoto (mesmo com ou sem tratamento).

É importante ressaltar que os números podem variar, já que os últimos dados disponíveis são de 2019, e algumas cidades mineiras não participaram do questionário do SNIS - elas não são obrigadas, em teoria.

Baseado em quantos moradores haviam no Estado na época, o número passa de 5,7 milhões de mineiros que poderiam pagar uma taxa de coleta e tratamento de esgoto mesmo sem ter o serviço de fato instalado.

Taxa polêmica

Valendo desde o mês passado, a medida gerou muitos questionamentos, especialmente nas cidades menores - onde o saneamento básico é uma questão delicada e pouco discutida.

Em resposta à reportagem, a Arsae-MG afirma que a cobrança é "justa". Foi ela quem autorizou a Copasa, que responde pelo serviço em centenas de cidades mineiras, a cobrar o valor único.

Na prática: a tarifa de tratamento de esgoto foi extinta, e criada uma nova, para tratamento e coleta, que vale 74% do valor total que o consumidor paga. Até então, ela era fixada em 25% para quem tem apenas a coleta e 100% para quem conta com o serviço completo, incluindo o tratamento.

"Hoje temos um índice inflacionário no Brasil chegando a 32% e a nova tarifa média está com redução de 1,52%. Ou seja, além de não ter o reajuste pela inflação, está havendo uma redução histórica e inédita nas contas. Outro ponto importante é a unificação da tarifa de esgoto, com a redução do subsídio. Assim, faz-se a justiça tarifária", considera a agência, em nota encaminhada à reportagem.

"Esta revisão tarifária buscou a menor tarifa possível desde que disponíveis recursos para que a Copasa possa operar e investir, tendo em vistas os objetivos de universalização e de melhoria da qualidade dos serviços", complementa a Arsae-MG.

O presidente da agência reguladora, Antônio Claret Jr., chegou a publicar um vídeo nas redes sociais para explicar a decisão de unificar as taxas. A resposta foi dada quase que diretamente ao prefeito de Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, Gleidson Azevedo (PSC), que criticou abertamente a medida.

Segundo Azevedo, a mudança encareceu as contas na cidade. O município pediu na Justiça uma liminar para suspender o aumento, mas o pedido ainda não foi analisado.

Casos de Justiça


Além de Divinópolis, São João Nepomuceno, na Zona da Mata, também foi à Justiça e conseguiu revertar os valores . Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, ainda aguarda uma decisão. E, segundo a Associação Mineira de Municípios (AMM), esse é o jeito: as cidades que não concordarem com os valores devem procurar, individualmente, as instâncias superiores.

O presidente da AMM, Julvan Rezende Lacerda, afirma que a entidade não pode entrar com uma ação coletiva, já que há municípios associados que se beneficiaram com a medida - são aqueles que têm todos os serviços de saneamento e viram as cobranças caírem entre 20% e 30%.

"Por isso, nós estamos prestando apoio jurídico às cidades que querem entrar com ações para reverter a cobrança. Apesar disso, somos totalmente contra cobrar uma cidade por um serviço que ela não tem", disse, mas sem saber informar quantos municípios pediram esse auxílio.

'Prejudicados quatro vezes'

O senso de "justiça tarifária" também é questionado pela professora do Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (IECT), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Aruana Rocha Barros Lopes. Ela não acredita que a cobrança possa ser justa se nem todos recebem pelo serviço.

"A população sofre quatro vezes: pagamento inadequado de um serviço não realizado; poluição do corpo hídrico superficial e subterrâneo; problemas com a saúde; e aumento do gasto do Estado com o tratamento de doenças causadas pela falta de saneamento básico, resultantes da contaminação e poluição da água e do solo, afetando principalmente os mais pobres", afirma.

A AMM e a professora concordam que as cidades menores, onde os investimentos nesse setor ainda não chegaram, serão as principais prejudicadas neste momento. Para mudar esse quadro, a avaliação é que faltam políticas públicas que exijam das concessionárias a construção das estações de tratamento de esgoto, redes coletoras de esgoto, fornecimento de água em quantidade e qualidade adequada, coleta e destinação final de resíduos sólidos

"A população tem que ser informada da importância do saneamento básico na vida delas através de constante educação ambiental. Muitas vezes as pessoas têm doenças e não associam à falta de saneamento. Se houvesse essa educação ambiental da população como um todo, poderia haver também uma maior pressão para um saneamento básico universalizado e adequado em todas as cidades, tanto na parte urbana, como na parte rural", finaliza a professora.

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