Meio ambiente

Jovens brasileiros terão voz na COP26

Juventude verde está em expansão, mas os desafios ainda são muitos. Conferência que começa hoje fez ampliar discussão sobre questões ambientais e ativistas do país serão uma parcela atuante no evento mundial que discutirá soluções para o futuro do planeta

*Gabriela Bernardes
Tainá Andrade
postado em 31/10/2021 06:00 / atualizado em 01/11/2021 10:26
Paloma Costa, 29 anos, Txai Surui, 24, e Carolina Oliveira Dias, 21, levam para Glasgow pautas como as lutas de indígenas, ribeirinhos e quilombolas -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Paloma Costa, 29 anos, Txai Surui, 24, e Carolina Oliveira Dias, 21, levam para Glasgow pautas como as lutas de indígenas, ribeirinhos e quilombolas - (crédito: Arquivo Pessoal)

O futuro mundial do meio ambiente e as propostas para amenizar as mudanças climáticas até 2030 serão discutidos de hoje a 12 de novembro, na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26, em Glasglow, na Escócia. Entre os representantes estão jovens brasileiros que planejam dar voz às questões pelas quais o país passa. Um estudo recente apontou a juventude do Brasil como sendo a mais impactada pelo agravamento da crise climática, o que tem influenciado diretamente em decisões pessoais, como a de ter filhos, por exemplo — 48% não querem.


A parcela jovem da população (45%), é a que mais se sente angustiada, sobrecarregada, ansiosa e culpada em relação ao meio ambiente. O dado está na pesquisa Young People's Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury: A Global Phenomenon, da Universidade de Bath, no Reino Unido. O estudo, que entrevistou em setembro 10 mil pessoas, de 16 a 25 anos, em 10 países, revelou que cerca de três quartos dos entrevistados consideram o “futuro climático assustador” e temem que os líderes mundiais não consigam implementar medidas efetivas.


André Brugger, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), acredita que a preocupação dos mais novos com pautas ambientais tem ocorrido porque os jovens têm visto seu patrimônio natural se deteriorado. “Eles se interessam muito pelo tema porque têm mais tempo aqui no planeta, então acho que é uma preocupação natural. Se as coisas estão se deteriorando rápido, o que vai sobrar para ele que vai viver mais tempo aqui neste mundo? O jovem, notando isso, um ambiente cada vez mais caótico, vê que precisa fazer alguma coisa, nem que seja estudando, lendo, se engajando”, afirma. “Noto que essa geração tem pressa, tem informação e a circula de forma rápida, tem outra noção de tempo, não quer mais conversas formais de diplomatas, que não tem ações concretas. Noto que a reclamação principal é que o discurso não vem acompanhado de ação”, pontua.


Na pesquisa, o Brasil jovem foi o que mais apresentou desconfiança em relação ao trabalho do governo nas pautas ambientais. Cerca de 78% dos entrevistados brasileiros acreditam que o governo está mentindo sobre o impacto das ações tomadas para conter a mudança climática — percentual mais alto que a média global, de 64%. A preocupação mundial pode ser percebida por meio da liderança jovem que se formou em torno das Organizações Não-Governamentais (ONG) para enfrentar o problema.


O Fridays For Future é um movimento que teve início em agosto de 2018, após a ativista Greta Thunberg, de então 15 anos, pressionar o parlamento sueco, durante três semanas, pela falta de ação no combate à crise climática. Seguindo os passos da ativista adolescente, o jovem Daniel Holanda, 19 anos, uniu-se ao movimento no Brasil, há dois anos. “Usamos as manifestações como uma forma de pressionar as lideranças governamentais para que cumpram com o que prometeram e efetivem ações contra a mudança climática. Também usamos as manifestações como forma de levar a pauta para a casa dos brasileiros e debater sobre a importância do combate, da mudança e o papel de cada um nisso.”


O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) será o documento de referência que o Brasil leva para a COP26. Nele, o país se opôs às recomendações para reduzir o consumo de carne no mundo, defendeu a produção de biocombustíveis e rebateu críticas à política ambiental de Jair Bolsonaro — que não vai comparecer ao evento. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou que a proposta é o resultado de um amplo debate e diálogo feito com mais de 200 empresas e instituições civis e públicas. A pasta enviou ao evento um documento com o nome desses colaboradores, mas a maior parte deles negou oficialmente a participação em qualquer conversa com o governo sobre o tema.


Daniel garante que os jovens militantes brasileiros estão focados em levar uma mensagem diferente da proposta do governo para a conferência.“Nós, do Brasil, queremos levar e priorizar na COP as vozes dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas que, no governo do presidente Jair Bolsonaro, estão sendo fortemente atacados. Também queremos denunciar Bolsonaro e seus ministros pelo plano genocida que vai de encontro com o Acordo de Paris e a preservação da natureza no Brasil”, conta.

Representatividade

Organização liderada por pessoas entre 15 e 29 anos, Engajamundo atua nas cinco regiões brasileiras e, desde 2013, comparece à COP. Cerca de 2,5 mil jovens trabalham de forma voluntária nos temas clima, biodiversidade, cidades, gênero, comunidades e desenvolvimento sustentáveis. Carolina Oliveira Dias, 21 anos, é articuladora do grupo no Rio Grande do Sul, além de ser um dos jovens que comparecerá ao evento mundial. Ela explica que o objetivo da equipe é levar à conferência a representatividade, tirando o foco somente da preocupação econômica.


“Agora, que estamos saindo do cenário pandêmico, é muito fácil esquecer o lado social e focar só no financeiro. A representação da sociedade civil em espaços de tomada de decisão é importante, mas nessa, especificamente, precisamos levar a representatividade porque precisamos ouvir quem mais está sofrendo com a crise climática. Entendemos que as populações mais afetadas são mulheres, negros, indígenas, entre outros”, defende Carolina.


Na equipe há pessoas negras, indígenas, LGBTQI+ e com deficiência. Onze membros são mulheres, entre elas, também está Txai Surui, 24 anos, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, representante do World Wide Fund for Nature (WWF - Brasil), da organização Canindé e do povo Paiper Surui. Ela reforça que os jovens estão mais engajados na pauta climática e percebe que estão preocupados também com a luta indígena. “Como indígena, a gente está na luta pela nossa vida, contra todos esses ataques aos nossos direitos. A gente entendeu que a luta pelo planeta é a luta pela nossa família também. Se ficarmos presos na bolha, não vai ter o amanhã. Hoje, eu sinto que não só nos povos indígenas, mas no contexto geral, os jovens estão cada vez mais se tornando líderes e se engajando nas pautas sociais porque parece que entenderam que tem que ser agora”, opina.

Geração ignorada

A movimentação do grupo de brasileiros que irá à COP26, contudo, não condiz com a realidade dos militantes no país no dia a dia. Aqui, enfrentam dificuldades para encontrar oportunidades e espaço nas tomadas de decisões em relação às mudanças climáticas. Paloma Costa, 29 anos, sabe bem a luta. Ela é ativista em um grupo de 30 jovens de diferentes partes do mundo que auxilia no envio da juventude para atuar na agenda de clima da Organização das Nações Unidas (ONU), chamado Abu Dhabi Youth Voices. É, também, membro do Observatório do Clima, além de ser uma das sete jovens que assessora o secretário-geral da ONU, na agenda climática.


O extenso currículo ativista de Paloma, no entanto, não a torna apta para tomar decisões sobre a pauta climática. “Infelizmente, ainda tem um caminho muito grande a ser trilhado porque por mais que a gente tenha espaços formais, a gente ainda não caneta na tomada de decisões.”


O jovem Daniel Holanda, do Fridays For Future, adverte, ainda, que a pressão para a juventude brasileira que luta contra a degradação ambiental é arriscada no país.“Existe uma mobilização maior na Europa. Atualmente, no Brasil, é difícil você protestar pelo clima estando no 4° país que mais mata ativista do mundo, com uma extrema polarização política e repressão policial cada vez mais agressiva. Apesar desses problemas, acredito que estamos fazendo um bom trabalho por aqui.”


Uma das alternativas para os ativistas tem sido buscar formações acadêmicas que os coloquem em contato com o tema dentro do mercado de trabalho. André Brugger, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), ressalta que estão surgindo novas formações “pelo perfil dos candidatos que nos procuram para trabalhar”. “Antes eram somente biólogos, agora vemos engenheiros florestais, cientistas ambientais, por exemplo. Eles se engajam a tal ponto que começam a trabalhar com o tema.” 

*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

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