Educação

Um Enem atípico tem o menor número de inscritos desde 2005

Prova é marcada por suspeitas de interferência ideológica no conteúdo. O ambiente ficou tumultuado depois que, nas últimas semanas, 37 profissionais do Instituto pediram demissão

Correio Braziliense
postado em 21/11/2021 06:00
 (crédito: Agência Brasil)
(crédito: Agência Brasil)

Em meio à crise ocasionada pela debandada de servidores e suspeitas de vazamento de provas do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), estudantes de todo o país inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) fazem o primeiro teste, neste domingo, com mais incertezas do que o normal. Nesta edição, cerca de 3,1 milhões de estudantes se inscreveram, o menor número de candidatos desde 2005.

O ambiente ficou tumultuado depois que, nas últimas semanas, 37 profissionais do Instituto pediram demissão. Servidores ouvidos pelo Correio sob condição de anonimato, declararam que, desde 2019, com o início do governo Bolsonaro, viviam em uma rotina de assédio e perseguições políticas. A instituição chegou a criar uma comissão para verificar se as questões do Enem têm "pertinência com a realidade social". Um dos servidores caracterizou a iniciativa como "esdrúxula", disse que o objetivo era monitorar e censurar questões do exame, e que foi perseguido por isso.

As suspeitas de interferência política cresceram depois que o presidente Jair Bolsonaro declarou que o Enem, agora, estava "com a cara do governo". E ganharam ainda mais força depois que Hélida Lança, professora de uma escola pública de São Paulo, denunciou, nas redes sociais, que duas professoras da unidade que costuma aplicar o certame todos os anos seriam substituídos por dois policiais federais. Houve relatos também de redução do número de controladores e fiscais por sala.

Para profissionais da educação, é uma situação inédita. "Eu considero lamentável que isso esteja acontecendo, que coloquem em dúvida a seriedade de profissionais do Inep. Em seus 80 e poucos anos, nunca aconteceu desse grande número de profissionais que coordenam áreas importantes do instituto tenham colocado seu cargo a disposição", comenta a educadora Malvina Tuttman, presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE-RJ), que presidiu o instituto em 2011.

Malvina Tuttman explica que a prova é elaborada a partir de diretrizes curriculares estruturadas pelos Conselhos Estaduais de Educação. "É isso que deve ser seguido, e não as vontades, os desejos ou a ideologia de qualquer pessoa que ocupe qualquer cargo, por mais hierárquico que seja. Nem o Presidente da República, nem o ministro de Estado e nem o presidente do Inep têm o direito de censurar qualquer tipo de assunto ou questão de qualquer exame", disse.

A especialista, no entanto, afirma considerar baixas as chances da crise no instituto causarem grandes problemas no dia da prova. "Como o exame já havia sido elaborado e tudo já deve ter sido organizado para que chegue a todos os lugares do Brasil, eu espero que não tenha nenhuma consequência. Mas, sem dúvida, isso traz uma instabilidade. Além disso, as questões apontadas pelos servidores e pela Assinep serão apuradas e devidamente resolvidas", pontua.

Baixa adesão

A preocupação do atual governo com a inclinação ideológica do exame se refletiu no perfil dos participantes. Um levantamento feito pelo Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior de são Paulo) mostra que 11,7% dos inscritos para o Enem 2021 são pretos. É a menor proporção desde 2009, quando eles representaram 6,3% dos inscritos. A redução também é observada entre os estudantes mais pobres. O número de inscritos com isenção da taxa por declaração de carência caiu 77% em relação à última prova. Além disso, a edição deste ano recebeu o menor número de inscrições dos últimos 14 anos.

Para Soraya Smaili, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Centro SoU Ciência, a baixa adesão dos estudantes encontra explicação em diversos fatores. "O desemprego e o empobrecimento das famílias, intensificados durante a pandemia, trouxeram aos jovens a necessidade de trabalhar, o que limita o tempo de estudo ou mesmo as condições psicológicas. Neste momento, a sobrevivência está falando mais alto, mesmo que o ingressar numa universidade seja o sonho de muitos e o que poderia melhorar suas vidas ao terem uma profissão ou especialização."

Para Soraya, a instabilidade política também pode ter afastado um maior número de inscritos. "As tentativas de desmonte na educação, as suspeitas de tentativas de interferências, entre outras ações do governo federal causam uma turbulência desnecessária. Tudo isso traz um ambiente ruim, que pode, sim, explicar a redução no número de inscritos", diz.

*Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo

 

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