SETOR

Reginaldo Arcuri: Indústria farmacêutica quer política para o setor

Pandemia mostrou que o país é dependente de fornecedores externos de medicamentos, insumos e vacinas; confira entrevista com o presidente do Grupo FarmaBrasil

Maria Eduarda Cardim
postado em 31/01/2022 06:00
Reginaldo Arcuri, presidente da Grupo FarmaBrasil ( GFB ) -  (crédito:  Arquivo Pessoal)
Reginaldo Arcuri, presidente da Grupo FarmaBrasil ( GFB ) - (crédito: Arquivo Pessoal)

Em meio à pandemia da covid-19, a maioria dos setores econômicos sofreu. Contudo, alguns ficaram em evidência e, com isso, solidificaram a própria importância para a sociedade como um todo. É o caso da indústria farmacêutica, que ganhou destaque diante da emergência sanitária deflagrada no início de 2020 e ainda vigente no mundo todo. Apesar de já consolidado, o setor farmacêutico brasileiro pôde aprender diferentes lições nesses dois anos. A maior delas é a de que é preciso reduzir a dependência externa quando se olha para os insumos farmacêuticos ativos. O Brasil, maior comprador do mundo na área da saúde, não pode depender de fornecedores estrangeiros para lidar com uma emergência de saúde pública. Em 2021, durante boa parte do ano, o país enfrentou atrasos na importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), necessário para produzir as vacinas contra a covid-19 no Brasil.

Com capacidade para inovar e produzir, o país precisa de coordenação e planejamento de longo prazo para sanar o problema. É no que acredita Reginaldo Arcuri, presidente da Grupo FarmaBrasil (GFB), entidade que representa 14 empresas farmacêuticas de capital e controle brasileiros, entre elas as cinco maiores do país. Em entrevista ao Correio, ele, falou sobre os principais desafios do setor e como podem ser superados.

Qual a maior lição que a pandemia da covid-19 vai deixar para o setor farmacêutico?

A lição básica é de que precisamos reduzir a dependência externa quando falamos de insumos, medicamentos, fármacos e outros produtos. Ter uma indústria farmacêutica grande, de primeira qualidade e inovadora é estratégico para o país, é uma questão de segurança nacional. A gente vê que a pandemia de covid não acaba, e já enfrentamos surtos de influenza. E outros virão. Nós estamos com problemas para conseguir retomar os índices de cobertura vacinal para poliomielite, rubéola, sarampo, que acabamos perdendo. Então, é preciso ter capacidade local de produzir esses produtos. Temos que produzir mais insumos farmacêuticos ativos. Nossas empresas, inclusive, trabalham junto a vários núcleos de universidades que desenvolvem vacinas nacionais para covid-19, para gripe, e temos certeza de que, neste ano, vamos ter fabricação local dessas vacinas . Além disso, ficou demonstrado um outro tipo de problema. Os medicamentos para intubação, que são relaxantes musculares, analgésicos e opióides, são muito antigos e as multinacionais já pararam de fabricá-los há muito tempo. Quem fabrica no Brasil são as empresas nacionais, e foi necessário quintuplicar essa produção. Então, essa é uma indústria estratégica, que tem que ser tratada dessa forma, ter planos de longo prazo e planejamento articulado entre o setor privado e o governo. Parece simples, mas é difícil de fazer.

O que é preciso para reduzir essa dependência do setor externo quando falamos de insumos e medicamentos?

É necessário ter uma lei que diga claramente que esse setor é estratégico para o país e precisa ter um tratamento de coordenação e planejamento de longo prazo. É basicamente isso que o Projeto de Lei nº 2.583 faz, e nós apoiamos o PL do deputado Luizinho (PP-RJ) desde o início. Já fizemos debates com ele e com o relator, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), porque consideramos que esse é um passo essencial. Estamos com grandes esperanças de que ele seja aprovado. O deputado Luizinho tem ainda a ideia de criar no Legislativo um instituto para discutir permanentemente as questões do complexo industrial de saúde. Achamos que o caminho é esse. Além disso, esperamos que o Executivo volte com um instrumento de coordenação como era o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis), para que a gente possa construir, no Ministério da Saúde, mecanismos de diálogo e planejamento.

O senhor citou a queda da cobertura vacinal de doenças já controladas no país. Com a covid-19, também vemos resistência de uma parcela da sociedade com a vacina. Como vê esse negacionismo e o movimento antivacina?

Isso é a maior peste que a humanidade está sofrendo, porque é uma coisa que mistura tudo o que a humanidade tem de pior: a burrice, as questões ideológicas, negacionistas, a falta de preocupação com a saúde coletiva e, principalmente, com a saúde das crianças. Isso é a coisa mais perigosa que o mundo está vivendo, que é querer negar o que é a salvação. Aqui no Brasil, por exemplo, os números da covid-19 só começaram a cair sistematicamente por causa da vacina. Com relação a outras doenças, vimos o país perdendo a cobertura vacinal de várias delas. O problema é que essas enfermidades ainda matam. Tem várias doenças para as quais a cobertura vacinal tem que ser superior a 95%. Vacina não é um problema de decisão individual. É um problema de saúde coletiva. Se você tem um grupo de pessoas que se recusa a proteger a saúde de todos, isso é uma coisa criminosa. Não tem outro termo.

Ainda falando sobre vacinas, o que representa a produção do imunizante da Pfizer no Brasil a partir de 2022?

É um passo importante, mas nesse caso ainda se trata do procedimento final. O importante é que a gente tenha capacidade de produzir vacinas e medicamentos desde o início, desde o desenvolvimento do princípio ativo. Isso não é uma coisa que as indústrias possam fazer sozinhas, porque quem compra vacina é governo, aqui e no mundo inteiro. Temos insistido com o governo que precisamos de uma definição clara do que vai ser necessário para covid, para influenza, não só neste, mas nos próximos anos, porque são campanhas anuais. Então, é muito importante que se tenha esse equilíbrio do que os laboratórios públicos vão produzir — esse tipo de produto, sem dúvida, em boa parte tem que ser produzido pelos laboratórios públicos — e as vacinas e medicamentos que deverão ser produzidos pela indústria privada.

A produção da vacina da Pfizer no Brasil, mesmo sendo uma etapa final, pode reduzir o custo do imunizante para o governo?

Sim, mas não posso dizer exatamente quanto, porque isso envolve uma operação entre empresas privadas. Mas é o que sempre acontece. A produção no Brasil reduz muito os custos para o consumidor brasileiro e para o sistema público de saúde. Isso acontece, por exemplo, com os anticorpos monoclonais. Eles representam 10% das compras físicas do Ministério da Saúde para fornecimento no SUS e consomem 60% do orçamento, porque são caríssimos. Então, a produção no Brasil está reduzindo muito esses custos. É uma lei básica de mercado: na medida que há mais ofertantes capazes de suprir a demanda, o preço tem que cair.

Como avalia as ações e desempenho da Anvisa durante a pandemia? A agência foi rápida para aprovar medicamentos e vacinas?

A Anvisa enfrentou de cabeça erguida e com muita segurança duas coisas. Primeiro, a necessidade de continuar cumprindo a missão essencial dela, que é analisar medicamentos novos ou que queiram entrar no mercado brasileiro, para garantir que eles possam ser tomados pelas pessoas com segurança, qualidade e eficácia. A segunda coisa extremamente importante foi não ter arredado pé dessa missão, mesmo com todos os ataques que sofreu do Executivo, do Legislativo e de negacionistas. E isso foi extremamente relevante, porque a Anvisa certamente está em um processo de aprendizado que vai gerar, para o futuro, métodos que permitam avaliações mais rápidas, mantendo o essencial, que é garantir a segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos que estão no mercado brasileiro. Durante a pandemia, a Anvisa manteve a capacidade de analisar rapidamente esses aspectos, dando autorizações para uso emergencial. O grande mérito da Anvisa foi o de, em uma situação de extrema tensão, conseguir fazer o que tinha de ser feito. A agência está saindo mais forte e mais respeitada, cumprindo o seu dever com o país.

Apesar de já ter alguns medicamentos contra a covid-19 autorizados pela Anvisa, até o momento não temos nenhum incorporado ao Sistema Único de Saúde. Qual a importância de um medicamento para tratar covid nesse momento em que já temos vacinas eficazes?

Não vou dar uma opinião de médico, porque não sou, mas você tem vários fenômenos. Em alguns momentos, tem um ataque mais forte do vírus e é necessário um combate mais eficaz — e os medicamentos estão funcionando nessa linha. Além disso, têm sido vistas sequelas depois da fase aguda da doença. Tem gente, há meses, sem olfato, que continua com sintomas de cansaço. Então, os medicamentos estão sendo testados para poder reduzir esses efeitos de longo prazo da covid. Em outros casos, estão sendo desenvolvidos medicamentos para prevenir ou interromper os efeitos do vírus nos primeiros dias. Vamos ter um arsenal de medicamentos.

Como a indústria farmacêutica enxerga a pesquisa clínica no Brasil? Como podemos desenvolver essa área?

Hoje, você só desenvolve medicamentos entendendo a doença, e só entende a doença e os efeitos do medicamentos sobre ela quando estuda isso nos humanos, depois das fases anteriores. Ter testes clínicos é essencial. Além disso, é um campo de negócios específico. Há empresas especializadas, com profissionais de altíssima qualificação. O Brasil ganhará muito quando tiver uma legislação de pesquisa clínica mais moderna. Há um projeto de lei, nº 7.082, que está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados, e eu pedi ao presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), para que pautasse esse projeto. Toda indústria está a favor disso, para que a gente possa ter uma legislação mais atualizada. Ninguém quer fazer testes clínicos sem controle dos aspectos éticos, sem preservar os padrões de qualidade e sem garantir que os resultados vão ser controlados nos mais altos níveis científicos. Mas precisamos que haja uma decisão rápida. Não é que o projeto vá permitir menos controle. Ao contrário, vai dar mais previsibilidade sobre os prazos e os processos de definição.

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